Brasil quer chineses nos leilões de infraestrutura
Correio braziliense, n. 18986, 20/05/2015. Economia, p. 7
Rosana Hessel
Apesar da assinatura de 37 atos — 35 acordos e duas declarações conjuntas entre os dois países —, a visita oficial do primeiro-ministro da China, Li Keqiang, ao Brasil não produziu o aguardado anúncio de US$ 53,3 bilhões de investimentos chineses em infraestrutura no país. A expectativa é que os chineses participem dos leilões dos 52 projetos novos e em andamento listados pelo governo que podem integrar o pacote de concessões que será divulgado em junho.
A presidente Dilma Rousseff se empenhou para ter um número de acordos parecido com o que foi firmado durante a visita do presidente chinês, Xi Jinping, em julho de 2014. Equipes do governo negociaram com os chineses até as 3h de ontem. O protocolo para a derrubada das barreiras à carne brasileira só foi fechado às 8h, com a retomada das conversas.
A visita, contudo, serviu para que o governo tentasse mostrar uma agenda positiva em meio ao mar de notícias negativas dos últimos meses, ao turbilhão do ajuste fiscal e à queda da popularidade de Dilma. A presidente destacou que o país asiático é um parceiro estratégico. “A China, que investiu fortemente em infraestrutura na última década, e que tem toda uma expertise nessa área, também busca novos caminhos, e um dos caminhos, sem sombra de dúvida, passa por essa parceria aqui no Brasil”, afirmou ela, em solenidade no Palácio do Planalto.
No entanto, o valor dos negócios resultantes dos acordos ainda é uma incógnita, apesar de o potencial de fogo dos chineses ser gigantesco. O premier Li disse, no início de seu discurso, que os contratos geraram US$ 15 bilhões em negócios no Brasil, mas, no final, houve uma correção para US$ 27 bilhões. Esse dado, porém, não foi confirmado pelas autoridades que organizaram o encontro.
Disposição
O acordo para a criação de um fundo entre o Banco Industrial e Comercial da China (ICDC) e a Caixa Econômica Federal para investimentos em projetos em infraestrutura, foi o saldo mais positivo de ontem. Esse fundo terá um aporte de até US$ 50 bilhões do banco chinês e, de acordo com Márcio Percival, vice-presidente da Caixa, será estruturado nos próximos 60 dias, podendo participar dos leilões de concessão, assim como financiar alguns dos projetos da lista dos US$ 53,3 bilhões mapeados pelo acordo entre o Ministério do Planejamento e a Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma da China.
O secretário de Assuntos Internacionais do Planejamento, Cláudio Puty, destacou que as construtoras chinesas estão interessadas em entrar no mercado brasileiro, mas ainda estudam o terreno. Segundo ele, elas estão aprendendo sobre contratos de leniência e sobre a lei das licitações para poderem escolher a forma de atuar no país. “O lado bom é que há liquidez e disposição chinesas para investimento no Brasil”, disse Puty.
Entre os atos firmados ontem, destacam-se dois da Petrobras, que conseguiu empréstimos de US$ 7 bilhões. O China Eximbank e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) assinaram um acordo com o grupo HNA, dono da Taijin Airlines, para a compra de até 40 aviões da Embraer. Em julho de 2014, o compromisso era de 60 aeronaves, das quais 20 para uma empresa de leasing chinesa. A companhia brasileira confirmou ontem a venda de 22 unidades no valor de US$ 1,1 bilhão para a Tianjin.
Na avaliação de Dilma, a visita trouxe uma série de iniciativas novas entre os dois países, principalmente, investimentos em ferrovias como a Transoceânica, que ligará o Brasil ao Peru. Os três países assinaram um memorando de entendimento para um estudo de viabilidade do projeto, que é de 2008. Mas nenhum valor de investimento foi confirmado.
A presidente citou ainda a criação de um fundo de investimento bilateral para investimento na América Latina, que poderá receber até US$ 30 bilhões do país asiático. “Estamos avaliando qual quantia iremos colocar, mas não precisa ser igual. O fundo será importante para termos um potencial de alavancagem muito grande”, afirmou. No entanto, o embaixador José Alfredo Graça Lima, subsecretário-geral político do Ministério de Relações Exteriores, a ideia foi proposta pelo premier chinês e precisa ser amadurecida. Dilma informou também que haverá a implementação “de fato” do mecanismo de pagamento em moedas locais, no valor de R$ 60 bilhões para a parte brasileira e de 190 bilhões de iuanes para os chineses, como forma de melhorar o intercâmbio comercial.
Ampliando a parceria
Chineses assinam acordos com o governo brasileiro e empresas para estreitar laços com o país
Plano de ação conjunta
» Os governos do Brasil e da China traçaram planos de atuação e interesses para o período de 2015 a 2021.
Mapeamento de negócios
» Foi assinado um acordo para mapear projetos de áreas de infraestrutra, manufatura, energia e mineração de interesse dos chineses. Já existe uma lista de 52 projetos, com valor estimado de US$ 53,3 bilhões. Não há detalhes sobre quais serão efetivados.
Fundo para investimentos
» Foi assinado um memorando de entendimento entre o Banco Industrial e Comercial da China (ICBC) e a Caixa Econômica Federal para a criação de um fundo, nos próximos 60 dias, com o objetivo de facilitar a implementação de investimentos e a criação de oportunidades de negócios entre os dois países. O fundo será gerido pela Caixa e terá aporte de até US$ 50 bilhões do ICBC.
Petrobras
» Estatal firmou dois acordos de cooperação para financiamento de projetos: de US$ 2 bilhões com o China Eximbank (Cexim); e de US$ 5 bilhões com Banco de Desenvolvimento da China (CDB).
Vale
» A empresa assinou um memorando de cooperação financeira global com o Banco Industrial e Comercial da China (ICBC) de US$ 4 bilhões. E, em comunicado, informou que concluiu a venda de quatro navios, com capacidade de 400 mil toneladas, para a China Ocean Shipping Company (Cosco). De acordo com a Vale, o acordo foi assinado em setembro com a Cosco e totaliza US$ 445 milhões, que serão recebidos pela mineradora mediante a entrega das embarcações, prevista para o mês que vem.
Ferrovia Transcontinental
» Foi assinado um memorando de entendimento sobre estudos de viabilidade do projeto ferroviário transcontinental, que atravessará o país no sentido leste-oeste, passará pelo Peru, ligando o Oceano Atlântico ao Pacífico.
Telecomunicações
» Foi assinado um memorando de entendimento entre o Ministério da Defesa e a Defesa Nacional da China sobre sensoriamento remoto, tecnologia e tecnologia da informação.
Embraer
» Foi assinado um acordo para a compra de 40 aeronaves pelo Grupo HNA, com financiamento do China Eximbank (Cexim) e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Os chineses confirmaram a venda de 22 jatos para a Taijin Airlines, do HNA, e o valor do negócio divulgado pela Embraer foi de US$ 1,1 bilhão.
Banco BBM
» Foi assinado um contrato de compra e venda de ações do Banco BBM pelo Banco de Comunicações da China. O valor não foi revelado.
Exportação de carne
» Foram assinados acordos para reabertura de oito frigoríficos que vendiam carne bovina para a China e haviam sido embargados em 2012. Há expectativa de abrir mais nove em junho, quando serão vistoriados pelos chineses. Outras nove plantas — sete de aves e duas de suínos — já foram vistoriadas e aguardam documentação para iniciarem as vendas. Cada unidade deve agregar US$ 20 milhões a mais por ano em exportações. Com os acordos, o Brasil deve exportar US$ 520 milhões a mais para os chineses.
Fontes: Palácio do Planalto, Itamaraty e empresas
Carnes podem render mais US$ 520 milhões
SIMONE KAFRUNI
O Brasil fechou um acordo com a China com o qual poderá ampliar as exportações de carnes em US$ 520 milhões por ano. Ontem, a ministra da Agricultura, Kátia Abreu, se reuniu com seu par chinês, Han Chang, e entre as decisões de cooperação acordadas está permissão para que oito frigoríficos brasileiros voltem a exportar carne bovina para China. As unidades haviam sido embargadas em 2012. Também ficou acertado que outras nove plantas de carne bovina, serão vistoriadas pelos chineses ainda em junho para a liberação das vendas.
A ministra destacou que nove frigoríficos — sete de aves e dois de suínos — já foram vistoriados pelos órgãos de defesa sanitária do país oriental e dependem apenas da documentação para iniciarem as vendas. No total, são 26 plantas que poderão exportar carne brasileira para os chineses. “Cada uma deve agregar US$ 20 milhões a mais por ano em exportações”, disse a ministra.
Depois do embargo de 2012, o Brasil manteve a venda apenas de frangos e suínos, com atuação de 29 plantas de aves e sete de carne suína. “Depois da abertura para a carne bovina, queremos conquistar um nível de confiança semelhante ao que temos com a Rússia, que é uma ‘prelist’ (lista prévia) para aprovação automática de empresas autorizadas a exportar carne. Temos mais 90 frigoríficos na fila”, destacou a ministra.
Tarifas especiais
Kátia Abreu disse, ainda, que os dois países têm interesse de adotar uma modalidade de comércio, que não é o livre, mas que não tem impeditivo pela Organização Mundial de Comércio (OMC). São acordos de tarifas especiais permitido entre nações em desenvolvimento para estabelecer cotas de produtos com preferências tarifárias. “O Brasil tem interesse de exportar leite em pó para a China. A produção nacional cresce a taxas de 5% ao ano e o consumo, em apenas 3%, então temos que procurar mercado lá fora. Hoje só exportamos 1% de tudo que é produzido no país. É um produto que temos interesse especial porque ajuda mais de 800 mil produtores de leite brasileiros”, afirmou.
Os chineses também querem produzir alimentos transgênicos no Brasil. Segundo a ministra, o acordo que se firmou foi de cooperação para pesquisa. “Vamos pesquisar juntos. Já temos dois laboratórios em cooperação, um no Brasil e outro na China. Nós, que temos a responsabilidade de alimentar o nosso país e o resto do mundo, precisamos de qualidade e baixo custo com agroquímicos”, disse. A ministra também antecipou que deve finalizar o Plano Safra e não pretende retroceder nos valores que foram destinados ao programa no ano passado. “Não podemos cortar custeio”, destacou. Mas não quis adiantar mais nada. “Vamos esperar a presidente (Dilma Rousseff) bater o martelo”, concluiu.