O globo, n. 29871, 20/05/2015. País, p. 6

Levy: ‘A vida está difícil’

RENATA MARIZ

Em meio à busca pela aprovação do ajuste fiscal, ministro da Fazenda tenta acordo com trabalhadores rurais, que protestavam contra cortes na agricultura

Odia de negociador do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, envolvido em articulações para garantir a aprovação do ajuste fiscal, começou cedo ontem. Ao chegar ao trabalho, precisou usar seu poder de persuasão para entrar no prédio do ministério, ocupado por manifestantes da Federação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar (Fetraf ) que gritavam palavras de ordem contra cortes nos programas para o campo.

GIVALDO BARBOSA

Rodeado de manifestantes, sob os olhares de seguranças, Levy conversou por cerca de 15 minutos com os líderes do movimento e deu alguns telefonemas, até conseguir entrar no ministério na companhia de uma comitiva de agricultores. Em reunião com o grupo dentro do órgão, disse que “a vida está difícil” e que “é preciso compreender que o ajuste fiscal é necessário”, segundo o coordenadorgeral da Fetraf, Marcos Rochinski.

PROTESTO MARCADO PARA HOJE

No início da tarde, Levy se reuniu novamente com os manifestantes, dessa vez acompanhado dos ministros do Desenvolvimento Agrário (MDA), Patrus Ananias, e da Secretaria Geral da Presidência, Miguel Rossetto. Ao ouvir o pedido dos agricultores familiares para que sejam poupados do ajuste fiscal os programas de reforma agrária, crédito rural e assistência técnica no campo, Levy disse, em tom de brincadeira, que eles estavam “chorando que nem os empresários”. A comparação descontraiu o ambiente.

Protesto. Levy conversa com manifestantes durante ato em frente ao prédio da Fazenda

Apesar do clima amigável, Patrus reprovou a atitude dos manifestantes, dizendo não concordar com a forma de protesto feito na sede da Fazenda, onde os agricultores deixaram ao menos três vidraças quebradas. Eles entraram no prédio de manhã, antes da chegada de Levy, e colocaram nas janelas do 4º andar cartazes com mensagens de protesto. Funcionários só conseguiram ter acesso ao edifício à tarde.

Rochinski classificou a quebra de vidraças como um “acidente” ocorrido em momentos de tumulto. Segundo ele, os ministros se comprometeram a preservar os programas do corte que deve ser anunciado esta semana.

O MDA informou, entretanto, que o governo assegurou seu empenho para fortalecer as iniciativas de apoio aos agricultores familiares. O Ministério da Fazenda foi procurado, mas destacou que ainda não tinha informações sobre os termos exatos colocados na reunião com a Fetraf.

A entidade planeja uma passeata hoje de manhã na Esplanada dos Ministérios, para forçar uma audiência com a presidente Dilma Rousseff. Os organizadores estimam que haja 1.500 manifestantes de todas as partes do país. Eles planejam deixar a capital hoje. Rochinski destacou, entretanto, que, se o governo anunciar cortes nos programas prioritários para o segmento, as manifestações recomeçarão.

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Governo planeja agenda para tentar abafar crise

SIMONE IGLESIAS
 

Planalto lançará série de projetos em infraestrutura, moradia e agricultura

-BRASÍLIA- Mergulhada em uma crise econômica e enfrentando a pauta negativa do ajuste fiscal e aumento de impostos, a presidente Dilma Rousseff tentará mais uma vez pôr de pé a partir do próximo mês uma agenda positiva. O governo está organizando pelo menos quatro grandes eventos para lançar programas prometidos e adiados e, assim, ganhar ânimo e tentar melhorar a sua avaliação.

Para a primeira semana de junho, está agendado o lançamento do Plano Safra 20152016, que, apesar da previsão de aumento da taxa de juros, garantirá a manutenção de financiamentos aos agricultores pelos bancos estatais. Na segunda semana, após o feriado de Corpus Christi, o governo lançará o pacote de concessões em infraestrutura, previsto antes para este mês.

Dilma o adiou para incluir novas rodovias e ferrovias e aguardar a votação das medidas de ajuste no Congresso. Preocupava a dificuldade em achar financiadores e empreiteiros interessados.

Uma onda de animação chegou ontem ao Planalto com a visita do primeiro-ministro da China, Li Keqiang. Os dois países assinaram acordos bilaterais nas áreas de infraestrutura e planejamento, o que levará a investimentos nas novas concessões que serão realizadas pelo governo brasileiro.

Após o pacote de concessões, Dilma lançará o Plano Nacional de Exportação, que estava prometido para março, com foco nos mercados dos países africanos e do Mercosul. Ainda nos planos está o lançamento, na primeira semana de julho, da terceira etapa do Minha Casa Minha Vida, com novas regras para adesão e estimativa de construção de três milhões de moradias.

CRÍTICA DE LULA NÃO CAIU BEM

Os quatro programas já tiveram lançamentos marcados e remarcados. Um ministro palaciano disse ao GLOBO que o governo preferiu montar uma agenda em sequência de programas positivos, após aprovar medidas de ajuste fiscal e de cortar o Orçamento para garantir superávit primário.

— Estamos no momento de ajustar. Depois da votação das medidas do ajuste fiscal, vamos entrar na fase de avançar. O governo não está parado — disse um auxiliar de Dilma.

A sensação de que Dilma está paralisada pela crise custou à presidente críticas de aliados e do ex-presidente Lula. Semana passada, em almoço com o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), Lula reclamou da “inércia” da sucessora. Disse que ela se tornou “refém de uma agenda amarga” e que precisa sair “da pauta tóxica” do ajuste.

Dilma também recebeu críticas pela paralisação de iniciativas como o PAC 3 e pelo adiamento do programa de concessões. No Planalto, não caiu bem a avaliação de Lula a Renan. Esse, de principal aliado no Senado no primeiro mandato, tornou-se este ano um dos seus maiores adversários.