O globo, n. 29871, 20/05/2015. Economia, p. 19

Laços emergentes

ELIANE OLIVEIRA, CATARINA ALENCASTRO E DANILO FARIELLO

Brasil terá US$ 53 bi da China. Analistas veem impulso ao crescimento, mas com ressalvas

Brasil e China fecharam ontem 35 acordos bilaterais, que preveem US$ 53,3 bilhões em investimentos. A Petrobras terá US$ 7 bilhões. Vale e Embraer também foram contempladas. A China vai financiar estudos para a construção de uma ferrovia que ligue o Brasil ao Oceano Pacífico, pelo Peru, um projeto estimado em US$ 10 bilhões por analistas. -BRASÍLIA- Segunda maior economia do mundo e principal parceiro comercial do Brasil, a China está disposta a financiar novos projetos de infraestrutura e logística brasileiros, estimados em US$ 53,3 bilhões, em um momento de economia estagnada, ajuste fiscal e necessidade de atrair investimentos externos. Foi o que prometeu o primeiro-ministro chinês, Li Keqiang, que, junto com a presidente Dilma Rousseff, participou da assinatura de 35 acordos bilaterais entre empresas e bancos chineses e gigantes brasileiros como Petrobras, Vale, Embraer, além de companhias de setores tão variados como bancário, telecomunicações, aviação e energia nuclear. Para especialistas em comércio exterior, a parceria firmada ontem, se por um lado ajuda a destravar investimentos num momento de paralisia na economia brasileira. Mas, por outro, pode vir acompanhada de exigências comuns em negociações conduzidas por Pequim, como o uso de equipamentos e tecnologia da China.

JORGE WILLIAMAcordos. Li Keqiang e Dilma Rousseff em Brasília. Para o premier, “a cooperação entre Brasil e China vai promover o desenvolvimento”

A lista de acordos inclui o financiamento, pela China, de estudos para a construção de uma ferrovia que ligará os oceanos Atlântico e Pacífico, facilitando o transporte de matérias-primas da América Latina para a China. Ela começa no Tocantins, passa por Mato Grosso e Acre, atravessa os Andes e chega aos portos do Peru, a um custo estimado pelos especialistas de US$ 10 bilhões. Ainda não há datas previstas para licitação.

‘ENTUSIASMO TENDE A SER EXCESSIVO’

A Caixa Econômica Federal e o Banco Industrial e de Comércio da China (ICBC) criaram um fundo com recursos de US$ 50 bilhões — dinheiro da China — para financiar projetos de infraestrutura. Além disso, no encontro bilateral que teve com Dilma, Li sugeriu a criação de outro fundo, com valor entre US$ 10 bilhões e US$ 30 bilhões, para capacitação industrial. A participação do Brasil nesse instrumento não está ainda definida.

— Vai ser muito importante (os fundos), porque há um potencial de alavancar investimentos muito grande. Eles têm interesse em investimentos na área de estaleiros, em refinarias. Estão interessados também na licitação que nós vamos fazer do remanescente da faixa de 4G (tecnologia de telefonia móvel) — disse Dilma, após a cerimônia de assinatura dos atos, no Palácio do Planalto.

Para João Augusto Castro Neves, analista da consultoria Eurasia para a América Latina, esses acordos fazem sentido para ambos os países. Mas ele defende cautela:

— O entusiasmo diante desses entendimentos tende a ser um pouco excessivo. Há coisas mais concretas, mais fáceis de negociar, como a venda de aviões ou carne. Outras ficaram pendentes, são memorandos de entendimento, como o fundo de investimentos. O Brasil sequer sabe ainda quanto estaria disposto a colocar lá. São coisas que dependem de negociações políticas. Por tudo isso, a implantação desses acordos é mais lenta que o previsto.

Dos 35 acordos, seis foram com a Vale, incluindo a venda e financiamento de navios para o transporte de minério de ferro e uma cooperação financeira com o ICBC no valor de US$ 4 bilhões. Os dois países também acertaram a primeira leva de 22 aviões da Embraer, comprados pela chinesa Tianjin Airlines, subsidiária do Grupo HNA. O contrato, estimado em US$ 1,1 bilhão, abrange 20 E195 e dois E190E2. O acordo, que prevê a venda de 40 aviões para a Tianjin, havia sido anunciado durante a visita do presidente da China, Xi Jinping, ao Brasil, em julho do ano passado. Os 18 jatos restantes serão aprovados por Pequim em uma fase posterior.

Outra boa notícia, desta vez para os pecuaristas brasileiros, foi a assinatura de um acordo que prevê a imediata liberação das exportações de carnes para a China. Há nove frigoríficos — oito de carne bovina e um de aves —prontos para retomar os embarques, suspensos em dezembro de 2012, com o surgimento de um caso atípico de doença da vaca louca no Paraná.

A chinesa Cherry fará um polo automotivo em Jacareí (SP). Já a chinesa Huawei assinou com a Telefônica um acordo para o projeto Tech City, para ampliar a cobertura e o sinal no Centro do Rio e no Porto Maravilha. Na área financeira, o Bank of Communications (BoCom) e a instituição brasileira BBM assinaram um acordo de compra e venda de ações. A negociação prevê a transferência de 80% do capital social do BBM para o BoCom. Sua conclusão depende da aprovação das autoridades regulatórias de Brasil e China.

Para Li, os negócios fechados entre os dois países têm potencial de ajudar a recuperação da economia mundial.

— China e Brasil são, respectivamente, o maior país em desenvolvimento a leste e a oeste do planeta. Nesse contexto de fraca recuperação, a cooperação entre Brasil e China vai promover o desenvolvimento dos países — disse ele.

QUEIXAS POR ATRASOS EM TELES PIRES

Ao mesmo tempo em que os atos eram assinados no Planalto, era inaugurada na região do Xingu, no Pará, a pedra fundamental da linha de transmissão que levará a energia da hidrelétrica de Belo Monte até Minas Gerais, uma parceria entre Eletronorte, Furnas e a chinesa State Grid.

E, apesar dos resultados positivos da vinda ao Brasil do premier chinês — que estará hoje no Rio e em seguida visita Peru, Colômbia e Chile —, o governo brasileiro não se conforma com o atraso na construção de uma linha de transmissão na hidrelétrica de Teles Pires, sob responsabilidade da Matrinchã Transmissora, controlada pela State Grid. A obra está atrasada desde o início do ano e impede a entrada em operação da usina.

Procurada pelo GLOBO, a Matrinchã Transmissora informou que o cronograma foi “impactado por fatores alheios” à sua responsabilidade, como a demora de avaliação na sítios arqueológicos descobertos durante a construção, entre outros.

Segundo o ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga, a State Grid manifestou interesse em participar do segundo circuito de transmissão de energia de Belo Monte. Houve ainda interesse em formar um consórcio para participar do leilão da usina de Tapajós e para atuar em projetos de energia nuclear e renovável.