O globo, n. 29872, 21/05/2015. País, p. 4

Cortes no Orçamento vão afetar investimentos e projetos sociais

Geralda Doca e Regina Alvarez

Tesourada, de cerca de R$ 70 bi, atingirá PAC e Minha Casa Minha Vida

Os cortes no Orçamento que o governo anunciará amanhã devem ficar um pouco acima dos R$ 70 bilhões e atingirão praticamente todas as áreas do governo. Afetarão os investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o Minha Casa Minha Vida, despesas na área social e o custeio da máquina pública.

A equipe econômica trabalha na versão final do contingenciamento, mas algumas áreas já foram alertadas de que serão fortemente atingidas. No Ministério da Defesa, esperase que a redução chegue a 40% das despesas de custeio e investimentos. Em relação ao Minha Casa, o maior corte deve ser na faixa 1, que financia imóveis a famílias com renda até R$ 1,6 mil, hoje totalmente subsidiadas com verba federal.

FORÇAS ARMADAS AFETADAS

Segundo um interlocutor, diante do comportamento incerto das receitas com impostos e contribuições federais, o governo será conservador. O corte representa mais de 30% do total das despesas discricionárias do Orçamento, ou seja, gastos não obrigatórios.

As emendas parlamentares individuais serão cortadas em proporção equivalente aos demais cortes no Orçamento da União — até porque a lei não permite que seja maior. Já as emendas coletivas (de bancada e comissão) serão totalmente congeladas.

Para se adequar ao contingenciamento, as Forças Armadas negociarão contratos e prazos. Segundo uma fonte, os projetos estratégicos não serão totalmente paralisados, mas haverá forte redução no ritmo dos investimentos.

Nos próximos meses, o aperto fiscal poderá ser acentuado, a partir da reavaliação bimestral de receitas e despesas determinada pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

Do lado das despesas, há muita insegurança em relação ao resultado do ajuste que depende do Congresso, já que as votações das Medidas Provisórias 664 e 665 (que restringem o acesso ao seguro-desemprego e abono e mudam as regras das pensões) não foram concluídas e foram alteradas.

VOTAÇÃO DE MPS PREOCUPA

Com as mudanças aprovadas pela Câmara no texto original das duas MPs, a economia estimada em R$ 18 bilhões caiu para R$ 14,5 bilhões. Além disso, o projeto que aumentou contribuição previdenciária das empresas e anulou a desoneração da folha de salários só deverá ser votado em junho.

Ontem, surgiu novo fator de pressão sobre os gastos: o aumento de salários do Judiciário, aprovado na Comissão de Constituição e Justiça do Senado; se confirmado pelo Congresso, entrará em vigor este ano.

Do lado das receitas, a equipe conta com o reforço da venda de ativos como concessões, leilão da folha de pagamento e abertura de capital da Caixa Seguradora, que deve render retorno em impostos e dividendos. Segundo estimativas dos técnico, a expectativa de arrecadação com ativos beira os R$ 20 bilhões.

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Que ajuste é possível?

Rafael Martins de Souza

Entre as alternativas discutidas no governo para o ajuste fiscal, uma das opções é fazer com que os gastos discricionários (aqueles não carimbados como obrigatórios) recuem aos níveis de 2013. O desafio, porém, é mais complexo do que parece, pois as despesas obrigatórias e os gastos mínimos garantidos por lei fazem com que as verbas não contingenciáveis correspondam a cerca de 90% do total do Orçamento da União.

As despesas classificadas como obrigatórias, como os benefícios previdenciários (que podem crescer, com a mudança no fator previdenciário), serviço da dívida, funcionalismo, entre outras, não podem ser cortadas. Há ainda demandas do Congresso, como a obrigatoriedade de execução de emendas parlamentares e o aumento do fundo partidário, aprovadas este ano. A margem de manobra é curta.

Para que a despesa discricionária de 2015 seja igual à de 2013 (corrigida pela inflação), seria necessária uma economia igual ou superior a R$ 80 bilhões, nível discutido pela equipe econômica e o dobro do anunciado no início do ano passado, R$ 44 bilhões. Os ministérios com mais recursos discricionários autorizados são as pastas de Educação, Cidades, Saúde e Transportes, que juntos contribuiriam com economia próxima a R$ 50 bilhões do esforço fiscal.

O problema é que a redução de serviços de educação e saúde tende a gerar reações e esbarra nos limites legais de gastos mínimos. Com isso, é possível que mais sacrifícios recaiam sobre os ministérios das Cidades e dos Transportes, impactando ainda mais os investimentos públicos, finalidade da maior parte dos recursos livres desses ministérios.

Diante de tal quadro, tudo indica que a sociedade brasileira tem boas chances de lidar com as formas mais recorrentes de reequilíbrio orçamentário: corte de investimentos e aumento de tributos. Com uma carga tributária superior a 35% (a maior entre os países emergentes), a combinação apresentada não é a ideal para o Brasil, embora necessária. Mas o que realmente ajudaria a colocar o Brasil a caminho do futuro que todos desejam é a melhoria do processo orçamentário, como maior transparência e melhor compreensão das escolhas que ele representa.