Valor econômico, v. 15, n. 3744, 28/04/2015. Brasil, p. A5

Mangabeira propõe debate sem incluir MEC

 

Por Denise Neumann e Ligia Guimarães | De São Paulo

No primeiro debate público convocado pelo governo para discutir o documento preliminar "Pátria Educadora: a Qualificação do Ensino Básico como Obra de Construção Nacional", a ausência do Ministério da Educação e a pouca articulação da proposta com o recém-aprovado Plano Nacional de Educação foram pontos questionados pela grande maioria dos mais de 50 agentes da área de educação presentes ao encontro.

A reunião apresentou o trabalho elaborado sob supervisão direta de Mangabeira Unger, ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), que pediu a Ricardo Paes de Barros, ex-subsecretário da SAE e atualmente no Insper, que organizasse o debate, do qual participaram educadores, pesquisadores, ONGs e ex-executores de políticas públicas na educação. Embora a iniciativa de colocar o projeto em debate tenha sido elogiada, diversos pontos foram alvo de crítica pelos participantes.

 

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O documento de 29 páginas propõe mudanças em quatro eixos: federalismo, currículo, qualificação de professores e diretores e aproveitamento de novas tecnologias. O Plano Nacional de Educação (PNE), sancionado pela presidente Dilma no ano passado após três anos e meio de tramitação e debates que envolveram vários agentes da educação, quase não aparece no texto: é citado apenas quatro vezes, e sempre para tratar da política de colaboração.

O projeto, enviado aos participantes na sexta-feira passada, faz um rápido diagnóstico da situação do ensino no Brasil, com a avaliação de que, embora tenha ampliado o acesso, o país precisa melhorar a qualidade. Para que isso aconteça, defende a construção de "uma vanguarda pedagógica". Na visão do ministro da SAE, expressa no documento, "não há na história do Brasil ou do mundo um único exemplo de grande mudança em educação que não tenha sido liderada por um grupo coeso e vanguardista, com posição dentro do Estado ou influência forte sobre as políticas públicas."

A professora Maria Helena Guimarães Castro, diretora da Fundação Seade, resumiu uma visão recorrente ao longo do debate. "Eu concordo com os quatro grandes eixos. Eles são pontos importantes do debate. Mas o problema, como se diz, está no detalhe", disse. Uma das críticas feitas por Maria Helena, que já dirigiu o Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais (Inep), no governo de Fernando Henrique Cardoso, foi à criação de uma carreira nacional para professores. "Sou absolutamente contra. Podem haver diretrizes", afirmou.

A diretora da Fundação SM, Maria do Pilar Lacerda, que trabalhou no MEC na gestão de Fernando Haddad, afirmou sentir falta de referências no documento à inclusão de todos os brasileiros no acesso à educação. Uma das propostas é criar escolas de referência, na qual o acesso seria garantido por concorrência entre os alunos. "Não se sacode a mediocridade apenas para acomodar uma elite de talentosos. Sacode-se a mediocridade, é certo, para impedir que nossos Newtons e Darwins continuem a baixar à sepultura sem se haverem reconhecido", diz o texto da SAE.

O debate levantou a preocupação com o risco de que as vagas em tais escolas fossem em sua maioria ocupadas por alunos da classe média alta, excluindo os mais pobres, além da elitização do ensino.

Outro ponto polêmico classificado como "preconceituoso" por Pilar durante o debate foi um trecho que trata do papel da escola ao apoiar a família na educação, principalmente em situações que se "multiplicam em larga escala no Brasil", descritas no texto: "nas periferias e nos bairros pobres de nossas cidades, mais da metade das famílias costuma ser conduzida por mãe sozinha, casada ou solteira. Revezam-se os homens como companheiros instáveis. Esta mãe, pobre e geralmente negra ou mestiça, luta para zelar pelos filhos e para manter ao mesmo tempo emprego ou biscate". "Esse parágrafo dá a entender que só as famílias pobres têm problemas de apoio à educação", disse Pilar.

Paes de Barros, que conduzia a reunião, também fez um contraponto à afirmação do texto, ao citar o exemplo de mães que moram em países pobres da África e cantam para seus filhos, que se desenvolvem bem com o estímulo.

Ao fim da reunião, o ministro minimizou a ausência do MEC. "Isto é totalmente secundário do meu ponto de vista", afirmou, acrescentando que o objetivo principal é ampliar o debate ao maior número possível de atores. "As pessoas podem se reunir sem a presença do Estado e encaminhar as suas críticas". Questionado sobre se haveria dificuldade de articulação das propostas com o MEC, Mangabeira disse que a condução das políticas públicas para educação é uma decisão de governo. "A decisão é da presidenta, não é decisão deste ou daquele ministério".

Na opinião de Lina Kátia Mesquita de Oliveira, da Universidade Federal de Juiz de Fora, o documento da SAE desenha uma política de ensino altamente centralizada no governo federal, que parece avançar sobre responsabilidades de Estados e municípios em alguns momentos.

Um dos argumentos em que houve consenso entre os debatedores foi o de que nenhuma mudança terá sucesso na educação sem aprimorar a formação inicial dos professores. Bernadete Gatti, da Fundação Carlos Chagas, diz que não adianta montar centros de excelência, conforme a proposta da SAE, porque os professores chegariam lá com 'pés de barro'. "Antes precisa mudar a formação inicial do professor, e isso é alçada do MEC".