Valor econômico, v. 15, n. 3744, 28/04/2015. Opinião, p. A12

 

China afrouxa política monetária para controlar desaceleração

 

Inflação muito baixa e aperto monetário podem produzir um estrago generalizado na economia chinesa, uma das mais endividadas do mundo (248% do Produto Interno Bruto). O Banco Popular da China, que ensaiou várias vezes punir o mercado informal de crédito e conter o estouro de uma bolha imobiliária, já mudou de política e agora parece claramente inclinado a impedir que os governos locais, com dívidas equivalentes a 47% do PIB (ou US$ 4,8 trilhões), sejam tragados por compromissos que não podem honrar e arrastem consigo o setor imobiliário.

Além de um setor imobiliário superalavancado e com vendas em queda, o governo chinês enfrenta o desafio de encontrar o novo ritmo de expansão em uma economia que busca trocar seus pilares de crescimento, dos investimentos e exportações, para o consumo doméstico. Os indicadores de março mostraram que pode haver problemas na desaceleração. A produção industrial cresceu 5,6% em março em relação a março de 2014, a menor taxa desde dezembro de 2008, no auge da crise financeira. Investimentos e vendas no varejo tiveram no primeiro bimestre desempenho abaixo do previsto. Alguns analistas afirmam que o crescimento chinês atual anda na casa dos 6,5% e ainda existe, em tese, a possibilidade de haver um pouso forçado, com taxas abaixo de 6%.

A inflação de 1,4% em doze meses encerrados em março, bem abaixo da meta do BC (3,5%) aproximou do consumo a ameaça de deflação que atinge por 37 meses consecutivos os preços ao produtor. O IPC ficou negativo em 0,5% na comparação mensal. Há excesso de capacidade de produção em vários setores industriais, queda do lucro das empresas e derrubada dos preços de vendas de imóveis, que caíram 16% no primeiro bimestre em relação a 2014.

Há várias coisas que a China não pretende fazer e uma delas é um afrouxamento quantitativo. Segundo Li Keqiang, primeiro-ministro, um "QE" não é algo muito difícil de executar, "basta imprimir dinheiro". O país está colhendo os efeitos do gigantesco pacote de investimentos feito em 2008, contra a crise, que impediu o mergulho da economia, mas criou superprodução e bolhas de crédito e imóveis. O BC chinês reduziu por três vezes a taxa de juros e cortou em abril em 1 ponto percentual os compulsórios dos bancos - e em um pouco mais que isso para instituições que emprestam à agricultura e pequenas empresas.

A grande encrenca da dívida dos governos locais começou a ser atacada por um programa de troca da dívidas, de US$ 160 bilhões no início. Os governos locais contornaram até agora a dificuldade legal para se endividar mais com a criação de "veículos de financiamento" fora do Orçamento que se ligaram, em muitos casos, ao sistema bancário informal. Em consequência, parte de sua dívida paga juros bem maiores que os de mercado - algo entre 4 a 5 pontos percentuais acima do bônus chinês de 10 anos, de 3,5%, estimam analistas.

O pacote chinês, que pode não parar por aí, trocará dívida cara por outra de menor custo, estenderá o prazo de pagamento e transformará em bônus líquidos papéis de reputação duvidosa e alto risco. A intenção principal das autoridades chinesas não é ampliar a liquidez do sistema, como nas "LTROs" (operações de refinanciamento de longo prazo) do Banco Central Europeu, embora isso ocorra em certo grau, e sim disciplinar as enormes dívidas estaduais e municipais e ter maior controle sobre elas.

O socorro, porém, não será geral e irrestrito, como provam o calote recente do Boading Tianwei Group, empresa estatal fornecedora de equipamentos, e da Kaisa, incorporadora imobiliária de médio porte. "Desde o quarto trimestre do ano passado, fizemos uma sintonia fina em nossas políticas fiscal e monetária, mas esses ajustes não constituem uma política de QE. Em vez disso, foram medidas regulares, focadas, e estão dando resultados", afirmou o primeiro-ministro Li ao "Financial Times" (16 de abril).

A ideia ainda é evitar megapacotes de estímulos como de 2008, mesmo porque os problemas hoje são distintos - há claramente um excesso de capacidade produtiva. O esforço para elevar a demanda doméstica passa pelo aumento dos salários e redução dos investimentos que, ao longo do tempo, atingirão um equilíbrio e criarão uma nova dinâmica para a economia chinesa. Esses objetivos ainda estão distantes e o caminho para chegar a eles é cheio de obstáculos.