Valor econômico, v. 15, n. 3744, 28/04/2015. Empresas e Indústria, p. B3

 

 

Com escassez de crédito, Odebrecht vai investir menos

 

Por Thais Carrança e Natalia Viri | De São Paulo

 

Ana Paula Paiva/ValorEndividamento deve cair gradualmente com geração de caixa de projetos iniciados desde 2007, diz Marcela Drehmer

Em meio ao ritmo lento da economia brasileira e à escassez de crédito de longo prazo, e após um forte ciclo de diversificação dos negócios, a Odebrecht decidiu colocar o pé no freio em 2015, disse ao Valor Marcela Drehmer, a diretora financeira da holding. Além do negócio de construção pesada, pelo qual é mais conhecido, o grupo atua em 14 outras áreas de negócios, de energia a defesa, passando por saneamento e concessões de transporte.

A companhia encerrou o ano passado com lucro de R$ 497,6 milhões, praticamente estável em relação a 2013. A receita bruta cresceu 11%, para R$ 107,7 bilhões, o que fez com que passasse a Vale e ficasse atrás apenas do frigorífico JBS como a maior companhia privada por faturamento do país.

Segundo Marcela, com a escassez de recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), em meio à estratégia de aperto fiscal do governo federal, a companhia vê o mercado interno paralisado para novos aportes. "Estamos muito seletivos para novos projetos no Brasil, pois financiar a longo prazo no país é uma questão que ainda não está endereçada", disse.

"O BNDES ainda tem o desafio de por em prática os projetos do passado. Há uma preocupação do mercado se o BNDES vai honrar os 'take outs' [financiamentos de longo prazo] das operações que foram contratadas em anos anteriores", afirmou a executiva.

Mesmo no exterior, a holding está mais seletiva e só apostará em novos projetos com financiamento já equalizado. "Há incertezas nos Estados Unidos, a desaceleração da China, e já estamos vindo de uma trajetória forte de investimentos", ressaltou a diretora. Em 2014, o crescimento da receita já foi direcionado principalmente pelas operações no exterior, que subiram 21%, contra desempenho praticamente estável no Brasil. A participação do exterior no faturamento subiu de 45% para 49% e a expectativa da empresa é atingir 55% em 2017.

Apesar do cenário inóspito para novos projetos, o grupo tem metas agressivas para o próximo triênio, garantidas apenas com a evolução de projetos cujos investimentos foram contratados no passado, como parte de uma estratégia iniciada em 2007 de diversificação de portfólio para além da construção pesada. A expectativa é que o lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização (Ebitda, na sigla em inglês) suba 19% ao ano no período. Já a receita bruta - estima - deve avançar a taxa anual de 12%.

No ano passado, a geração de caixa operacional medida pelo Ebitda subiu 31%, para R$ 14,9 bilhões e margem operacional subiu de 12,9%, para 15%. A perspectiva da empresa é que a rentabilidade deva continuar subindo, como consequência das margens maiores dos novos negócios - que excluem a petroquímica Braskem e a Construtora Norberto Odebrecht (CNO), já mais consolidadas. "A margem [Ebitda] da construção é de 9% a 10%, a da Braskem, de 12%. Para os projetos, chegam a 40%, 50%", explica Marcela.

Com o início da geração de caixa a partir desses empreendimentos, o grupo espera ainda chegar ao fim de 2017 com um endividamento mais tranquilo. A expectativa é que a relação entre dívida líquida e Ebitda caia das 4,3 vezes registradas no ano passado para 3,5 vezes. A finalização neste ano de projetos como o Etileno XXI (complexo petroquímico da Braskem no México) e a hidrelétrica de Chaglla, no Peru, também deve dar folga aos desembolsos.

"Investigações da Lava-Jato não têm travado operações", afirma a diretora financeira da holding

Os investimentos, que somaram R$ 36 bilhões no triênio findo em 2014, devem ser de R$ 11 bilhões em 2015, com tendência de queda para os próximos anos, diante da conclusão de projetos. Nesse cenário, afirma Marcela, o grupo não planeja emitir dívida no mercado este ano, na medida em que os R$ 25 bilhões em caixa são suficientes para cobrir 44 de meses de vencimentos. A dívida líquida da companhia no fim do ano passado era de R$ 63,3 bilhões. "A redução gradual do endividamento é um processo natural da estratégia de negócio que adotamos nos últimos anos", argumenta.

Segundo a executiva, as denúncias envolvendo a companhia na Operação Lava-Jato, da Polícia Federal, e as investigações da Controladoria Geral da União (CGU) sobre o suposto pagamento de propina para garantir contratos em obras públicas e da Petrobras não travaram os negócios. Ela reconhece alguma apreensão dos credores e investidores, mas diz que o grupo não tem enfrentado problemas para conseguir financiamento.

"Hoje, boa parte do nosso tempo é voltada para evitar a contaminação do risco. Mas não temos tido problema em conseguir crédito. Temos uma relação muito próxima com bancos e investidores e fazemos questão de frisar que os negócios são todos separados, com empresas segregadas. Nossas auditorias internas não apontaram nenhum desvio, então estamos bastante tranquilos", ressalta. Ao contrário de outras empresas do setor, a Odebrecht não teve executivos presos, mas sofreu apreensão de documentos por agentes da Polícia Federal em sua sede, no Rio de Janeiro.

Segundo ela, a Odebrecht Óleo e Gás, que foi incluída na "lista negra" de fornecedores da Petrobras e não pode participar de novas licitações, não tem enfrentado problemas. De acordo com Marcela, os contratos de afretamento de navios-plataforma com a petroleira vencem apenas a partir de 2019. "Até lá, a situação deve estar resolvida", disse em tom de brincadeira, acrescentando que não há atrasos nos pagamentos nem tentativas de aditivos de contratos por parte da estatal.

O balanço de 2014 foi auditado pela PwC, mesma auditoria responsável pela revisão das contas da Petrobras, e veio sem ressalvas. No parecer, os auditores destacaram apenas que "até o momento, a empresa e suas controladas não têm conhecimento da propositura de qualquer processo judicial que envolva suas controladas ou quaisquer de seus representantes".

Apesar do conforto em relação às perspectivas de crescimento da holding, alguns negócios ainda causam preocupação. O principal deles é a divisão agroindustrial, que concentra os negócios no setor sucroalcooleiro. Após anos de prejuízos sucessivos, no ano passado os passivos do segmento superavam seus ativos em R$ 2 bilhões.

No ano passado, a divisão alongou dívidas, estendeu um financiamento de R$ 1 bilhão com o BNDES e demandou uma capitalização de quase R$ 900 milhões por parte dos controladores. Agora, diz Marcela, o foco é no aumento da produtividade. "Esse é o segmento com mais desafios, mas a volta da Cide [para gasolina] já deve dar mais competitividade. Este ano, os resultados já devem ser melhores", disse a executiva.

Outro negócio que vem trazendo dor de cabeça para o grupo é a Santo Antônio Energia, empresa responsável pela usina de mesmo nome em construção no Rio Madeira em Rondônia, e na qual a Odebrecht é sócia, com 18,6% do capital. A unidade foi responsável pela maior parte de uma perda de R$ 1,89 bilhão em equivalência patrimonial no balanço da holding.

Questionada sobre uma possível venda da fatia da Petrobras na Braskem, a Marcela foi evasiva. "Não há nenhuma proposta de venda. Acho que são mais os bancos querendo fazer a operação do que uma intenção da Petrobras", afirmou. Pelo acordo de acionistas, a holding, que tem 38% do capital, tem direito de preferência na compra da participação da sócia.

Vale tenta vender ativos de carvão na Austrália

 

Por Francisco Góes | Do Rio

A Vale está tentando vender os ativos de carvão que possui na Austrália, segundo fontes que acompanham o mercado internacional da commodity. O negócio, porém, não é fácil no atual momento do mercado em que os preços do carvão metalúrgico, usado por siderúrgicas, vêm em queda livre nos últimos anos. Especialistas do setor dizem que a empresa poderá buscar vender os ativos em separado e, nos casos em que não tiver sucesso, tentar fechar negociação em "bloco". No mercado, há informações de que o Barclays foi contratado como consultor pela Vale para auxiliar a empresa na transação.

A Vale tem três minas de carvão na Austrália, das quais duas, Integra Coal e Isaac Plains, estão fechadas desde 2014 e outra, Carborough Downs, continua em operação. Juntas as três minas produziram 3,3 milhões de toneladas de carvão metalúrgico no ano passado, 1,2 milhão a menos do que as 4,5 milhões de toneladas de 2013. Além dessas minas, compradas da AMCI em 2007, a Vale tem projetos novos de carvão a serem desenvolvidos na Austrália. Um deles, chamado de Eagle Downs, está andando, mas em um ritmo lento, segundo analistas do setor. Em Eagle Downs, a Vale tem a chinesa Baosteel como sócia. Há ainda o projeto Belvedere, mais difícil de ser desenvolvido no atual cenário de preços, dizem especialistas da indústria.

Uma dificuldade do mercado é calcular o valor de venda dos ativos de carvão da Vale na Austrália. A conta é complexa pois precisa considerar os valores dos ativos individualmente. Como algumas das minas estão fechadas, sem gerar receita, em tese, elas poderiam ter um valor de venda negativo. Em Integra Coal, a Vale tem 64,8% com a parte restante em mãos da Nippon Steel, JFE Group, Posco, Toyota Tsusho e Chubu Electric Power. Já em Isaac Plains a Vale tem 50% e a outra metade é da Sumitomo. Em Carborough Downs, a Vale tem 90% e o restante é de JFE e Posco.

Analistas dizem que mineradores interessados nos ativos da Vale podem olhar para "sinergias" a serem aproveitadas, o que os levaria a acreditar que os ativos têm um valor a ser recuperado no futuro. Mas o que torna o negócio difícil neste momento são as condições de mercado. Hoje, o preço do carvão metalúrgico está na faixa de US$ 87 por tonelada FOB (no porto na Austrália). É um valor muito abaixo do patamar de US$ 150 por tonelada que o carvão metalúrgico atingiu nos dois últimos anos. Há estimativas de que em 2015 os preços poderão cair ainda mais, chegar a US$ 80 por tonelada FOB Austrália. Nas projeções de analistas, os preços poderiam se recuperar chegando a US$ 120 por tonelada daqui a três anos.

"O humor do mercado não é de compra", disse um analista. Na hora de fechar uma aquisição, é preciso considerar fatores como o fluxo de caixa a ser gerado pelo ativo nos primeiros anos e investimentos que precisam ser feitos. Segundo analistas, existe o agravante que os ativos de carvão da Vale na Austrália não se encontram nos primeiros "quartis" da indústria, algo importante na análise da competitividade de uma mina, ainda mais em momento de depressão nos preços.

Um analista disse que a venda das minas de carvão da Vale na Austrália vem sendo considerada pelo mercado uma vez que trata-se de ativos de pequeno porte se comparados, por exemplo, com o projeto integrado por mina, ferrovia e porto que a mineradora brasileira desenvolve em Moçambique, na África Subsariana. Na província de Tete, noroeste de Moçambique, a Vale produziu 3,1 milhões de toneladas de carvão metalúrgico no ano passado. Mas Tete, nos planos da Vale, irá expandir sua capacidade até chegar a 22 milhões de toneladas por ano, entre carvão metalúrgico e térmico. O carvão de Moçambique é um projeto prioritário para a Vale, diferente da Austrália, disse outro analista.

Para a Vale, a venda na Austrália tornou-se importante, segundo os analistas, uma vez que os ativos australianos geram custos como manutenção das minas paradas e contratos firmes de transporte com ferrovias. Procurada, a Vale não quis se pronunciar.