Renan, paladino do trabalhador

 

O senador Renan Calheiros, presidente de um dos Senados mais caros do mundo, mais empreguistas e menos comprometidos com a defesa das finanças públicas, aproveitou as comemorações de 1.º de Maio para criticar o ajuste fiscal programado pelo governo e para propor um Pacto pela Defesa do Emprego. Tudo isso ocorreu menos de um mês depois da aprovação de um projeto orçamentário inflado no Parlamento, recheado de emendas paroquiais e com um mimo de R$ 867,5 milhões destinado ao Fundo Partidário - o triplo do valor incluído na mensagem original. O autor da triplicação, senador Romero Jucá, peemedebista como o presidente do Senado, aumentou a verba dos partidos sem enfrentar a mínima objeção de seu companheiro. Nem por isso o senador Renan Calheiros se julgou impedido de criticar a presidente Dilma Rousseff por ter sancionado a lei do Orçamento sem vetar aquela estripulia financeira.

Não se aprovará um ajuste fiscal “a qualquer preço”, prometeu o novo paladino dos trabalhadores, censurando o governo por anunciar uma arrumação nas contas públicas sem “cortar o tamanho do Estado”. O senador seria muito mais convincente em seu novo papel, como defensor de boas políticas de austeridade, se propusesse, para começar, uma reforma de costumes do Legislativo. Talvez até pudesse convencer seu companheiro Eduardo Cunha, presidente da Câmara e também peemedebista, a iniciar uma discussão semelhante entre os deputados. Como cobrar cortes do Executivo, quando cada parlamentar recebe, além dos 13 salários pagos aos demais trabalhadores, mais um salário no início e outro no fim de cada sessão legislativa?

 

Como falar em gestão eficiente de recursos quando cada senador tem direito à contratação de 11 auxiliares, a verbas para passagens aéreas, a auxílio-moradia e a 25 litros diários de combustível, entre outras vantagens? Os benefícios garantidos aos deputados, pouco diferentes daqueles proporcionados aos senadores, também vão muito além dos recursos necessários ao exercício sério e produtivo de seu mandato.

Parte significativa desses benefícios atende a conveniências estritamente privadas, como a manutenção de escritórios políticos em seus Estados. Esses recursos, assim como as verbas destinadas a partidos, atendem a interesses particulares. Partidos são entidades privadas, assim como os interesses eleitorais de cada agremiação e de seus membros. Parlamentares brasileiros, como já mostraram comparações bem elaboradas, custam aos contribuintes muito mais que deputados e senadores de países avançados e ricos, como Alemanha, França e Itália. Se a comparação envolvesse os cuidados com os projetos de orçamento, com a gestão do dinheiro público e com a defesa da estabilidade monetária, os resultados seriam igualmente desfavoráveis aos brasileiros.

Se estiver de fato interessado em cortar despesas desnecessárias, injustificáveis e até ultrajantes, o presidente do Senado terá muito assunto interno para discutir com seus colegas parlamentares. Mas a discussão terá de ser séria e as propostas deverão ir muito além de ajustes meramente cosméticos.

Se escolher esse caminho, o senador Renan Calheiros dará uma contribuição relevante ao conserto das contas públicas. Se a pregação incluir um apelo à responsabilidade no exame e na votação de projetos, com o abandono, por exemplo, de manobras para triplicar as verbas do Fundo Partidário, então se poderá falar em revolução dos costumes legislativos.

Quanto à conversa sobre meta de emprego, ninguém deve levá-la a sério. Essa ideia reaparece de vez em quando, especialmente quando se discute política monetária. O exemplo mais evidente é o do Federal Reserve, o banco central americano. Seu mandato inclui a defesa do emprego combinada com o controle da inflação. Mas a meta de inflação em economias como a americana é muito baixa - hoje próxima de 2% ao ano - e normalmente prevalece na conjugação de objetivos. Estará o senador Renan Calheiros disposto a defender uma meta de inflação realmente séria?