Para parceiro do ABC, ‘Lula está isolado’

Ricardo Galhardo

 

Nas últimas semanas o ex-sindicalista Djalma Bom, de 74 anos, braço direito do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas históricas greves de 1979 e 1980, um dos fundadores do PT e integrante da primeira leva de parlamentares eleitos pelo partido, foi às ruas para defender o governo Dilma Rousseff das ameaças de impeachment. 

Embora continue fiel a Lula e ao partido, Djalma mantém o espírito crítico dos tempos de sindicalista. Em entrevista ao Estado, concedida em seu apartamento no bairro de Pinheiros, na zona oeste de São Paulo, ele disse que Lula está cansado e isolado, que o PT se transformou em uma máquina eleitoral e que o movimento sindical perdeu a independência em relação ao partido e ao governo. Leia os principais trechos da entrevista do ex-sindicalista.

 

Laços de luta. Djalma Bom mostra foto em que está ao lado de Lula, ao conceder entrevista em sua casa, em São Paulo

Laços de luta. Djalma Bom mostra foto em que está ao lado de Lula, ao conceder entrevista em sua casa, em São Paulo

 

Na quarta-feira, a Câmara aprovou a Medida Provisória 655, que restringe direitos trabalhistas, com apoio do PT. Qual sua opinião sobre a postura do partido? 

O PT hoje é governo e automaticamente tem que ter essa compreensão de que não é mais oposição e tem responsabilidades. Essa MP provoca prejuízos à classe trabalhadora, sim, mas é muito mais honesto assumir hoje essa posição de votar com o governo do que ficar nessa geleia geral sem saber onde está situado.

 

Desde quando o PT passou a fazer parte dessa “geleia geral”?

A deformação do PT começou na Carta ao Povo Brasileiro, em 2002. Hoje, o partido não tem mais o mínimo de identidade política e ideológica.

 

De que maneira a Carta ao Povo Brasileiro deformou o PT? 

A Carta assinada pelo Lula para que ele pudesse ganhar a eleição de 2002 foi um acordo para não mexer nos grandes interesses econômicos e políticos na tentativa de adquirir o voto de confiança dos grandes banqueiros, do capital internacional e dos grandes empresários nacionais para dizer que o Lula era um cara confiável. Aí o Lula, pela sua liderança, carisma e talento de grande negociador, de pessoa inteligente e sensível, conseguiu a façanha surpreendente de ser o pai dos pobres e mãe dos ricos nos oito anos de seu governo. 

Dilma prometeu que não mexeria em direitos trabalhistas “nem que a vaca tussa”. Ela cometeu estelionato eleitoral?

Os candidatos, sejam a prefeito ou a presidente da República, têm que tomar muito cuidado com suas declarações. Se ela tivesse uma compreensão mais profunda do momento econômico, não teria feito essa declaração. Ela jamais poderia ter falado aquilo. No meu modo de entender, foi muito mais uma bravata do que uma afirmação para ganhar as eleições. 

 

Qual deve ser o papel do movimento sindical, especialmente a CUT, em relação ao governo?

Não existe uma independência do movimento sindical em relação ao PT e ao governo. O que a gente sente é que hoje o movimento sindical está muito mais integrado ao governo da companheira Dilma e ao PT, mas sem uma definição classista e ideológica. 

 

O movimento sindical não tem o papel de defender das ameaças de impeachment um governo teoricamente dos trabalhadores?

Sim. Mas pode defender mantendo a independência. No momento em que os sindicatos se jogam nos braços do governo, perdem a autonomia e deixam de defender os interesses da classe trabalhadora. Eu tenho comentado com o Lula que o movimento sindical hoje está muito mais preocupado em construir palácios. Eu não consigo entrar e me locomover na sede do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC pela grandiosidade, pela suntuosidade. Isso é uma crítica construtiva, com todo respeito à diretoria. O sindicato não tem que se preocupar em construir palácios, mas em conscientizar a classe trabalhadora, que hoje passa por uma dificuldade talvez muito maior do que na época dos nossos enfrentamentos em 1979 e 1980 contra a ditadura militar. A terceirização vai desarticular toda a legislação trabalhista. 

 

Como você avalia a situação do PT diante das denúncias levantadas pela Operação Lava Jato?

Falar só da corrupção é uma forma muito simplista de analisar o momento do PT. A crise aguda e profunda pela qual passa o partido é muito mais de identidade e ideológica. O PT precisa se reafirmar como partido classista. Ninguém dá almoço de graça. Quando alguém paga, está colocando ali seus interesses. 

 

O PT decidiu que não vai mais aceitar dinheiro de empresas. 

Tardiamente. Porque o PT jamais poderia pegar dinheiro de empresário para o financiamento de campanhas eleitorais. Quando fui candidato pela primeira vez a deputado federal, os trabalhadores nas fábricas me ajudaram. Agora é a segunda vez que um tesoureiro do PT é denunciado por corrupção (Delúbio Soares e João Vaccari Neto). Alguns afirmam que o dinheiro é legal. Eu concordo que o dinheiro pode ser legal, mas é um dinheiro imoral. Jamais poderia ter sido arrecadado pelo PT. É uma situação que traz constrangimento para a gente. 

 

Sem dinheiro de empresários Lula teria sido eleito?

Não quero afirmar se Lula seria eleito ou não. O que posso dizer é que o PT procurou a porta mais folgada para passar. Isso facilitou a eleição do companheiro Lula. Talvez algumas pessoas digam que isso é uma utopia da minha cabeça, mas a grande aliada do PT sempre foi a classe trabalhadora. O partido tem 2,5 milhões de filiados. Se cada um der R$ 10... Eu quero fazer uma proposta. Não tenho contribuído com o PT, mas podem me cobrar R$ 20 por mês para as campanhas eleitorais do partido. Estou disposto a pagar. 

 

O PT se tornou um partido igual aos outros?

Está se tornando. O que a gente percebe claramente é que o PT esqueceu as suas origens e acabou se tornando uma máquina de disputa eleitoral. O partido esqueceu que sua função é estar junto ao movimento social e à classe trabalhadora. Aí está a grande deformação. Hoje, quem manda no PT, em qualquer diretório, são os parlamentares ou seus assessores. Deveria haver normas para que isso não acontecesse, como o direito a apenas uma eleição no respectivo cargo. Hoje, tem gente que está no quinto mandato. Isso fere a democracia interna porque quem tem mandato impede que outra pessoa ocupe aquele espaço. 

 

Lula tem criticado essas deformações do PT, mas se beneficiou dessa estrutura durante seu governo. Ele negligenciou o PT?

Não quero dizer isso. Os fatos foram se sucedendo e Lula foi arrastado para essa situação. Ainda bem que ele está preocupado com isso. Antes tarde do que nunca. 

 

Com todos os protestos contra o PT, Lula ainda pode voltar a ser presidente da República?

O carisma e a liderança do Lula não criaram chance nem oportunidade para que pudesse aparecer outra grande liderança no PT. Sinto ultimamente o Lula um pouco cansado. Estive no Primeiro de Maio e a voz do Lula me assustou muito. O Lula que costuma fazer discurso de 50, 60, até 80 minutos não conseguiu falar mais do que 20 minutos. Isso é preocupante. Para mim, em 2018, o PT deve se preocupar com uma nova candidatura. O Lula não precisa ser presidente para o PT ganhar a eleição. Ele tem a liderança para indicar um candidato. Mas para isso o PT precisa fazer uma análise de seus descaminhos. 

 

Lula ficou mais acessível aos antigos companheiros depois que saiu do governo?

Ele deixou de realizar algumas práticas que tinha. Apesar das dificuldades, no começo do mandato, ele reunia o grupo de metalúrgicos lá no bar da Rosa, dentro do sindicato, para conversar, saber o que estávamos achando e tomar algumas decisões. Lula é muito intuitivo. Sinto por parte do companheiro Lula um certo isolamento. Vejo que ele precisa restabelecer esse contato de tomar uma cachaça, bater um papo, abraçar as pessoas. Lula é um cara muito carinhoso. Isso faz parte da qualidade humana que ele tem, e existe esse distanciamento. 

 

Você andava afastado do PT. O que o motivou a voltar às atividades do partido?

Foi uma coisa muito concreta. A direita está ocupando o espaço nosso, da classe trabalhadora, nas ruas e nas praças. Automaticamente, quando eu me afasto dessas manifestações (como a de Primeiro de Maio), acabo dando o direito para que outra pessoa que não tem a ideologia que eu defendo ocupe o meu espaço. A partir daí, me sinto na obrigação de estar lá.