O globo, n. 29878, 27/05/2015. Economia, p. 21

Sem sigilo com recursos públicos

CAROLINA BRÍGIDO, MARTHA BECK, ELIANE OLIVEIRA E LUCIANNE CARNEIRO

Supremo determina que BNDES detalhe ao TCU operações financeiras de R$ 7,5 bi com JBS

“Por mais que se diga que o segredo é a alma do negócio, quem contrata com o poder público não pode ter segredos” Luiz Fux Ministro do STF e relator do caso

O Supremo determinou que o BNDES informe ao TCU detalhes de financiamentos de R$ 7,5 bilhões ao JBS Friboi. O banco alegava sigilo bancário para não repassar os dados. A decisão do STF cria precedente. O relator do caso, ministro Luiz Fux, argumentou que “quem contrata com o poder público não pode ter segredos”. -BRASÍLIA, RIO E SÃO PAULO- O Supremo Tribunal Federal (STF) determinou ontem que o BNDES informe detalhes de operações financeiras de R$ 7,5 bilhões com o grupo JBS/Friboi, processador de carne. As informações devem ser repassadas ao Tribunal de Contas da União (TCU) para subsidiar uma auditoria. O banco de desenvolvimento se recusava a repassar os dados, alegando que a medida desrespeitaria o sigilo bancário do grupo. Os ministros concordaram que, como se trata de dinheiro público, o financiamento precisa ser submetido a controle externo. A decisão abre caminho para que outros processos recebam o mesmo julgamento, e o próprio BNDES diz que estenderá o entendimento do tribunal sempre que for solicitado pelo TCU.

VANDERLEI ALMEIDA/AFP/4-7-2011Avaliação. BNDES: para especialistas, banco deve detalhar critério de empréstimos

A presidente Dilma Rousseff vetou, na última sexta-feira, artigo de uma lei que proibia o sigilo de empréstimos e financiamentos concedidos pelo BNDES. Na avaliação do STF, as operações do banco devem ser transparentes. O julgamento ocorreu na Primeira Turma do tribunal e foi concluído com três votos a um. O relator, ministro Luiz Fux, defendeu a transparência em operações com dinheiro público:

— Por mais que se diga que o segredo é a alma do negócio, quem contrata com o poder público não pode ter segredos, especialmente se a divulgação for necessária para o controle dos gastos dos recursos públicos.

Avaliação similar foi feita pelo ministro Marco Aurélio Mello:

— Não podemos imaginar que, para fiscalizar recursos públicos, dependa o TCU da burocratização na obtenção das informações. A ministra Rosa Weber completou: — A transparência há de permear a gestão da coisa pública, ninguém diverge sobre isso.

O ministro Luís Roberto Barroso ponderou que o BNDES poderia deixar de enviar ao TCU informações específicas, que poderiam comprometer o desempenho da empresa no mercado financeiro. Ele ressaltou que os dados repassados ao TCU não poderiam ser divulgados ao público.

A ação foi proposta pelo BNDES. Segundo a instituição, as operações devem ser mantidas em sigilo, porque a divulgação violaria o sigilo bancário e empresarial do grupo JBS/Friboi. O banco argumenta que o TCU não tem poderes para determinar a quebra do sigilo bancário da empresa.

Alegando que a medida poderia resultar em prejuízo à JBS/Friboi perante o mercado financeiro, o BNDES não enviou ao TCU o saldo das operações de crédito, o rating de crédito, a estratégia de hedge do grupo e sua situação cadastral no banco. A defesa do BNDES argumentou que há “necessidade de que seja estabelecida uma relação de mútua confiança entre o cliente e a instituição financeira”. O banco, portanto, teria o dever de não divulgar os dados sigilosos a terceiros.

— Nada há nos autos que comprove que o fornecimento das informações possa ensejar instabilidade financeira e impacto desastroso no mercado — contestou Fux.

DECISÃO DÁ SEGURANÇA JURÍDICA, DIZ BANCO

Anteontem, ao comentar o veto de Dilma, o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, disse que há certa confusão quando se fala em sigilo. Ele enfatizou que as operações de crédito do banco são públicas e, a curto prazo, o BNDES aumentará o volume de informação a respeito dos projetos:

— Quando o banco analisa um projeto que, eventualmente, vira um contrato, a empresa nos fornece dados da sua intimidade financeira.

Para a presidente da Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas do Brasil (ANTC), Lucieni Pereira, não pode haver sigilo sobre as operações do BNDES, já que elas têm impacto significativo sobre as contas públicas. Ela lembra os aportes do Tesouro Nacional no banco, que subiram de 0,59% da dívida mobiliária federal (em títulos) em 2008 para 15,15% em 2014. Eles ajudaram a elevar a dívida bruta, que subiu de R$ 1,8 trilhão para R$ 3,4 trilhões no período.

Especialistas defendem o aprimoramento das regras de transparência do banco e uma comunicação detalhada dos financiamentos. Para alguns, os critérios e as razões para a concessão dos empréstimos devem ser mais claros, enquanto outros veem espaço até para a divulgação de informações específicas de operações individuais, como taxas de juros e prazo de pagamento.

A clareza nos critérios para a concessão dos financiamentos é o principal aspecto que deve ser ampliado quando se trata da transparência no BNDES, na avaliação do professor do Insper Sergio Lazzarini:

— O BNDES deve explicar melhor os motivos de os empréstimos serem direcionados àquelas empresas e o resultado esperado. Em geral, as respostas são vagas, precisamos de detalhes. Mais do que escancarar uma operação em particular, os critérios devem ser claros. Pode ter confidencialidade de contratos, mas não de critérios.

Para Mansueto de Almeida, consultor e especialista em contas públicas, o banco deve divulgar condições detalhadas de financiamento para casos individuais, como taxas de juros, empréstimos e prazo de pagamento:

— O BNDES é um banco público, e as empresas têm acesso a condições melhores de financiamento. A empresa pode achar que, estrategicamente, não é interessante que as condições sejam divulgadas. Mas então deve lançar debêntures (títulos de dívida) ou recorrer a outra forma de financiamento.

Presidente do BNDES entre março de 2006 e maio de 2007, Demian Fiocca avalia que o sigilo bancário é necessário para evitar a divulgação de informações estratégicas a concorrentes:

— O BNDES tem procedimentos internos muito sólidos. Novas normas podem trazer mais burocracia e acabar alongando o processo de decisão.

O BNDES disse, em nota, que a decisão do STF dará segurança jurídica para que o banco forneça informações protegidas por sigilo bancário ao TCU. “Se a questão não fosse analisada pela mais alta Corte do país, a entrega pelo BNDES de informações ao TCU poderia gerar questionamentos legais contra o banco”. O banco informa que vai acatar a decisão, abre mão de recurso, estendendo o entendimento sempre que solicitado pelo TCU. Procurado, JBS/Friboi disse que não comentaria.