Um PT em crise existencial debate seu futuro

 

Com dúvidas sobre seu futuro, arrependido de atitudes do passado e certo de que está sendo traído no presente. De acordo com as teses apresentadas pelas correntes internas do PT para seu 5º Congresso, previsto para ocorrer no mês que vem, o partido vive uma crise existencial.

Os documentos são unânimes no diagnóstico de que a legenda se encontra numa encruzilhada e que passa pela maior crise de sua história. A chapa majoritária Partido que Muda o Brasil (PMB), do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, chega a alertar: “os partidos não são eternos”.

No encontro, 800 delegados, divididos de acordo com a votação de cada chapa na eleição interna de 2013, vão definir um documento com resoluções, tiradas a partir das teses, que vão nortear a vida petista nos próximos anos. Podem, por exemplo, mudar o processo de escolha dos dirigentes, como defendem todas as correntes menos a PMB. O Congresso, marcado para ocorrer entre os dias 11 e 13 de junho em Salvador, é o quinto do partido em 35 anos.

Os sete documentos registrados para o congresso mostram a perplexidade dos petistas diante do momento. Mantêm queixas aos inimigos de sempre (as forças conservadoras e a mídia), mas faz mea-culpa diante dos caminhos escolhidos nos últimos anos. A PMB, que terá 53,6% dos delegados no encontro, fala em “necessidade de uma contraofensiva política e ideológica para superar a crise de identidade que estamos atravessando”. Ressalta que, para isso, o congresso, que se realiza em condições “políticas excepcionais”, não pode ser “um ritual burocrático”.

A mensagem ao Partido, segundo maior grupo, com 20,5% dos delegados, avalia que “a construção do PT está ameaçada pela política e cultura sem utopia e sem ética de um capitalismo em crise”. A chapa Partido para Todos e na Luta, terceira força interna e que terá 14,3% dos delegados, chega a diagnosticar que a “situação é dramática”, com base em pesquisa Datafolha, divulgada em março que mostra que o partido atingiu o mais baixo índice de simpatizantes desde 1989: só 9%.

As críticas ao ajuste fiscal da presidente Dilma Rousseff também são comuns em todas as correntes. A PMB é mais cuidadosa ao analisar as medidas, mas não deixa de destacar que “o problema é que o peso tenha recaído mais sobre os trabalhadores do que outros setores das classes dominantes”. Diz que o papel do partido é “apoiar o governo e, ao mesmo tempo, empurrá-lo para que cumpra o programa para o qual foi eleito”.

Nas demais chapas, o tom das críticas às medidas é mais duro. “O governo Dilma se iniciou com uma clara inflexão conservadora, contraditória com o programa eleito”, diz a Mensagem. A Partido para Todos cobra o cumprimento do programa eleitoral.

ELEIÇÕES INTERNAS DIRETAS SÃO QUESTIONADAS

A defesa do fim do processo eleitoral direto, conhecido como PED, de escolha dos dirigentes, é um tema comum a seis das setes teses apresentadas pelas correntes petistas para o congresso do partido. Apenas a majoritária PMB não fala em mudar o sistema de escolha dos dirigentes da sigla, apesar de também apontar problemas no modelo vigente.

Além desse questionamento, a Mensagem ao Partido, a segundo maior chapa, defende a necessidade de trocar a direção partidária. Os integrantes da Executiva, eleitos em 2013, têm mandato até 2017.

Nas críticas às eleições diretas, que permitem que todos os filiados participem do processo de escolha dos dirigentes, as correntes argumentam que o processo resulta em despolitização e estimula o uso de recursos financeiros com filiações em massa. A Articulação de Esquerda, quarta corrente interna com 5,3% de delegados no congresso, chega a dizer que o sistema reproduz práticas como a “compra de votos”. Em caso de mudança no sistema, a escolha dos dirigentes se daria por meio de delegados apontados pelos filiados.

 

Apesar de seus dirigentes defenderem a manutenção das votações diretas, a PMB reconhece em sua tese: “os processos eleitorais internos são frequentemente atravessados por distorções políticas e éticas.” A manutenção do PED, porém, não é unânime dentro do grupo. O ministro Patrus Ananias (Desenvolvimento Agrário), que faz parte da PMB, defendeu em artigo publicado no site do PT o fim do sistema.

— Essa experiência de eleições diretas faz com que o partido se oxigene, mas tem que ser precedida de um profundo debate político. Vamos propor que, antes das eleições, ocorram debates em todos os municípios — disse Alberto Cantalice, integrante da PMB e vice-presidente nacional do partido, ao descartar a possibilidade de mudar a direção.

O dirigente argumenta que não há tempo de fazer uma nova eleição. O processo demoraria oito meses e inviabilizaria a organização do partido para as eleições municipais do ano que vem.

— Essa direção tem legitimidade porque foi eleita em processo que teve a participação de quase 500 mil filiados — afirmou Cantalice.

Membros da Mensagem dizem que a renovação que o partido pretende obter em seu congresso só será possível com um novo comando. A tese do grupo fala em necessidade de dar “uma sacudida da rotina”.

O ex-ministro José Dirceu, da PMB, também já defendeu em seu blog a troca da direção.

AS CORRENTES DO PARTIDO:

Partido que Muda o Brasil (53,6%)

Principal liderança: Lula

- Assumir responsabilidades e corrigir rumos

- As denúncias de corrupção golpearam a imagem do partido. Os partidos não são eternos

- O peso do ajuste recaiu mais sobre os trabalhadores do que sobre as classes dominantes

- O PT tem de se reinventar

- Os processos eleitorais internos são frequentemente atravessados por enormes distorções políticas e éticas

Mensagem ao Partido (20,5%)

Principal liderança: Tarso Genro

- Houve uma cisão da base petista, em particular com a escolha do ministro da Fazenda

- A convivência com a corrupção mina a identidade socialista do PT - Filiados com função dirigente que virem réus ou respondam a inquérito criminal por corrupção devem ser afastados

- Obter acordo entre correntes para formar nova direção

- Fim do modelo de eleição de direção por voto direto dos filiados

Partido para Todos e na Luta (14,3%)

Principal liderança: Marco Maia

- O PT está diante de uma encruzilhada histórica

- As políticas implementadas até hoje correm risco

- Práticas em desacordo com a ideologia petista, inclusive os desvios éticos, atravessam a maioria das tendências

- A situação do partido é dramática

- Defesa do fim do processo interno de eleição direta, em que votam os filiados do partido

Articulação de Esquerda (5,3%)

Principal liderança: Valter Pomar

- O PT vive a maior crise de sua história

- A crise do PT decorre, simultaneamente, de suas realizações e de suas limitações

- Alterar a linha do governo

- O partido não está à altura dos tempos que vivemos

- Criar uma corregedoria interna que se antecipe na descoberta de corruptos infiltrados no partido

- Fim do processo interno de eleição direta

Militância Socialista (3,4%)

Principal liderança: Renato Simões

- Alguns petistas se acomodaram diante das dificuldades e, em vez de priorizar nossas bandeiras históricas, passaram a exercer mandatos pragmáticos

- O “lulismo” foi baseado em acordo que manteve os privilégios da elite

- PT precisa reconhecer que não deu atenção devida ao tema do enfrentamento da corrupção

- Rever o processo interno de eleição direta

Diálogo e Ação Petista (1,4%)

Principal liderança: Markus Sokol

- O PT está em risco - O plano Levy põe em risco a sobrevivência do partido

- O PT não pode continuar uma sigla de gabinete e burocratizada

- O processo de eleição direta interno é um ritual viciado

 

Vice-presidente do PT diz que Tarso não toma decisões pelo partido no Rio

Para Cantalice, mesmo com a chegada do ex-governador gaúcho no estado, comando do PT permanece com diretório

POR MARCELO REMIGIO
 

RIO - O vice-presidente nacional do PT, Alberto Cantalice, afirmou neste sábado que o diretório regional do partido no Rio receberá de braços abertos o ex-governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro. No entanto, o petista gaúcho não dará o tom político a ser seguido pela legenda no estado. Cantalice defendeu que decisões, como o rompimento da aliança com o PMDB fluminense, cabem ao diretório estadual. O dirigente nacional participou nesta manhã do 5º Congresso Estadual do PT, Ginásio do Sindicato dos Metalúrgicos do Rio, em Benfica, na Zona Norte do Rio, que reuniu cerca de 400 militantes.

- O Rio de Janeiro é um estado generoso, recebeu companheiros de outros lugares, como o senador Lindbergh Farias, que é da Paraíba, e vai receber também o Tarso Genro. Mas chegar e querer dar o tom político? Isso, não. Isso cabe à direção regional. Ele poderá ajudar, é uma liderança nacional. Agora, quem vai definir a política no Rio somos nós - afirmou Cantalice, que é do Rio, ao comentar a proposta de Tarso de criar uma frente de esquerda para concorrer à prefeitura da capital e romper a aliança PT-PMDB: - Essa posição de rompimento com os peemedebistas é de uma minoria no diretório estadual. Participamos dos dois governos do prefeito Eduardo Paes (na capital) e temos três secretarias. Como justificar a nossa saída? - indaga.

Tarso promoveu na noite de sexta-feira, no Rio, uma plenária para discutir a criação da frente de esquerda, tendo como meta o fortalecimento da legenda nas eleições de 2018. A reunião teve o apoio e a participação do senador Lindbergh Farias e do deputado federal Alessandro Molon. Eles defendem o rompimento imediato com o PMDB. Lindbergh, que foi derrotado pelo governador peemedebista Luiz Fernando Pezão nas eleições do ano passado para o Palácio Guanabara, é um dos mais críticos à aliança. Integrante da mesa de discussões do congresso, o senador acusou o diretório regional de defende uma parceria com um partido que faz chantagem e mantém como refém a presidente Dilma:

- Como poderemos ficar ao lado de nomes como o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, e a família Picciani (Jorge e Leonardo), que são quem chantageiam e comandam a pressão sobre o governo Dilma? Não quero sair ao lado deles na foto - contestou o senador.

Partidários da proposta de Tarso distribuíram copia do manifesto sobre a frente de esquerda definido na plenária.

Contrário a Lindbergh, o presidente Regional do PT, Washington Quaquá, prefeito de Maricá, voltou a defender, nesta manhã, a união com o PMDB. Segundo ele, o partido é necessário para a governabilidade do governo Dilma e que, no Rio, o prefeito Eduardo Paes tem sido um fiel aliado à presidente. Quaquá ironizou a iniciativa de Tarso de querer impor rumos políticos no estado e afirmou quer a base do governo Dilma precisa ser repensada:

- Não estou pensando nisso agora (eleições municipais) e não estou preocupando com a chegada do Tarso Genro. Estou até me divertindo... - afirmou, para completar, segundos depois, a frase: - ...com o debate.

As eleições municipais, a crise política, o ajuste fiscal promovido pela presidente Dilma e cortes no Orçamento, além das denúncias de corrupção envolvendo o PT, foram temas debatidos no encontro. Foi colocada a necessidade do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltar às ruas para recuperar o apoio ao PT de setores populares. O deputado estadual Carlos Minc alertou para falhas do PT em atender aos prefeitos do partido no estado, e alertou para o risco de a legenda reduzir o número de prefeituras. Para ele, o partido “não tem conversado com os prefeitos”. Hoje, o PT tem 11 prefeituras. Já a deputada federal Benedita da Silva afirmou que o partido terá dificuldades nas próximas eleições, em função de problemas na economia, o que fez a oposição se organizar e conseguir o apoio de setores da sociedade que antes acompanhavam a legenda.