Hora de revisão no Mercosul

 

O Artigo 47 do Protocolo de Ouro Preto — documento firmado em dezembro de 1994 visando a sedimentar os passos para a formação de uma união aduaneira e consolidar o mercado comum idealizado pelo Tratado de Assunção — é bastante claro e incisivo para a atual situação do Mercosul. A íntegra do dispositivo reza: “Os Estados-Partes devem convocar, quando julgarem necessário, uma conferência diplomática para avaliar a estrutura institucional do Mercosul estabelecida pelo presente protocolo e as funções específicas de cada um dos seus órgãos.”

Nada mais claro e oportuno no momento em que o bloco atravessa uma crise institucional e operacional acumulada nos últimos dez anos e que tem provocado uma inversão no processo de integração programado. São inúmeros os descumprimentos das obrigações básicas dos Estados-Partes no processo, a ponto de o bloco sequer ter alcançado uma área de livre comércio, embora não haja cobrança de tarifas aduaneiras. Estima-se que a tarifa externa comum esteja perfurada (não adotada por todos) perto de 50%, não foi possível aprovar o código aduaneiro comunitário e mais da metade dos atos legais não é internalizada nos respectivos ordenamentos jurídicos. A adesão forçada da Venezuela só complicou o processo e o virtual ingresso da Bolívia só acrescentará novos entraves coletivos, reforçando o conceito de que o Mercosul derivou de seu objetivo básico de integração comercial e produtiva para uma visão político-ideológica retrógrada.

O início do corrente ano marca uma tentativa de rever esse processo, partindo da insatisfação dos governantes uruguaios pelo imobilismo do bloco e da constatação brasileira da falta de diversificação de sua pauta exportadora de bens industrializados nos principais mercados mundiais. Os novos governantes desses dois países postulam uma liberdade comercial mais ampla, que contorne a obrigatoriedade contida na Decisão CMC 32/2000, de proibir negociações individualizadas dos sócios com terceiros países ou blocos não regionais.

Sobre assunto politicamente espinhoso parece haver uma luz no fim do túnel para contorná-lo. Conceituado organismo uruguaio de análise jurídica sobre relações comerciais internacionais, ao analisar o relacionamento externo do Mercosul, chegou a duas conclusões possivelmente irrefutáveis: a) a Decisão CMC 32/2000 não tem validade jurídica porque não foi internalizada por qualquer dos Estados-Partes; b) na atualidade, os Estados-Partes mantêm suas respectivas independências em matéria de política comercial, ou seja, têm capacidade jurídica de negociar e subscrever acordos preferenciais de comércio com terceiros países de forma individual, pelo fato de não ter sido formalmente adotada no bloco uma política comercial conjunta própria de um mercado comum. São argumentos jurídicos consistentes, que deveriam merecer atenção prioritária dos países membros na próxima reunião de cúpula do bloco, marcada para o início de julho, em vez de repetir as inúmeras baboseiras que têm poluído os últimos encontros.

Mais ainda, seria uma excelente oportunidade de o Brasil encerrar a presidência pro tempore exercida neste semestre, assumindo o comando efetivo e democrático de reavaliação de um processo prestes a arruinar-se por completo.

 

Mauro Laviola é vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil