CVM julga processo que pode criar precedente sobre estatais

 

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) julga nesta terça-feira um processo que pode se tornar um precedente para casos em que há conflito de interesses em sociedades de economia mista — aquelas onde há coexistência de capital estatal e privado. A xerife do mercado de capitais acusa a União, acionista controlador da Eletrobras, de suposto abuso do direito de voto e de conflito de interesses na aprovação da renovação antecipada das concessões da empresa, em 2012.

— O julgamento é um divisor de águas na questão de como será o tratamento das sociedades de economia mista. É importante não apenas para o setor elétrico, mas para deixar claras as regras de investimento como um todo — disse o diretor executivo do Grupo Safira Energia, Mikio Kawai Jr.

 

Em 2012 o governo, buscando reduzir as tarifas de energia elétrica, editou a medida provisória (MP) 579, que previa a renovação antecipada das concessões das distribuidoras. Em troca, estas reduziriam as tarifas. Nem todas aderiram, mas a Eletrobras, em assembleia, aprovou o plano, com voto a favor da União. Só que as distribuidoras que aderiram acabaram amargando fortes prejuízos em 2014.

O processo da CVM apura se houve responsabilidade da União pelo descumprimento da Lei de Sociedades Anônimas. O artigo 115 prevê que o voto do acionista seja no interesse da companhia. Caso resulte em dano à empresa ou a outros acionistas, ele poderá ser considerado abusivo. Se houver conflito de interesses, o acionista não poderá votar.

RELATORA VÊ POLÊMICA

Em junho de 2014, a União propôs à CVM celebrar um termo de compromisso: realizaria um evento com um tema de interesse do mercado de capitais e a presença do ministro da Fazenda. A autarquia não aceitou e deu continuidade ao processo.

Em seu voto na época, a diretora da CVM Luciana Dias, relatora, defendeu que o processo fosse a julgamento “para orientar a prática do mercado em casos semelhantes”. Segundo ela, “a tensão entre interesses públicos e privados que se encerram (nas sociedades de economia mista) continua um ponto bastante polêmico”. Para Luciana, o processo permitirá que a CVM se pronuncie “sobre os limites da atuação do Estado enquanto acionista controlador de sociedades de economia mista no que diz respeito ao direito de voto nas assembleias gerais”.

— O resultado (do julgamento) vai ser muito importante para dizer ao mercado o que é comprar ações de empresas estatais, se os investidores que acreditam nesses papéis têm proteção ou não — afirmou o presidente da Associação de Investidores no Mercado de Capitais (Amec), Mauro Rodrigues da Cunha.

VALOR DA MULTA É BAIXO

Caso seja condenada, a União pode pagar multa de até R$ 500 mil, 50% do valor da operação irregular ou três vezes o montante da vantagem econômica obtida — o valor que for maior. Para o sócio-diretor da consultoria GV Energy & Associados Pedro Machado, o julgamento é importante, mas a multa é pequena diante dos desequilíbrios observados no setor:

— A multa máxima é muito pequena perto dos efeitos reais da MP 579 não só para a Eletrobras como para o setor elétrico como um todo.

O processo foi aberto após duas reclamações de minoritários: Eduardo Duvivier Neto e o fundo norueguês Skagen. Para o representante de Duvivier, o advogado Rafael de Moura Rangel Ney, do Lobo & Ibeas, houve abuso de poder.

Procurada, a Eletrobras informou que não iria se pronunciar antes de haver uma decisão. Segundo a companhia, representam a União em seu Conselho de Administração os ministérios do Planejamento e de Minas e Energia, o BNDES e a Secretaria do Tesouro Nacional. O BNDES não quis comentar. Minas e Energia, Planejamento e Tesouro não retornaram até o fechamento desta edição. Já a Advocacia-Geral da União informou que vai apresentar sua defesa durante o julgamento. Parecer de 2013 sustentou não haver indício de crime.