Comissão é enterrada sem votar relatório após meses de debate

 

 A comissão especial que discute a reforma política foi enterrada nesta segunda-feira sem a votação do relatório final produzido após 4 meses de discussões. Com a pressão do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e de seus aliados, a reunião marcada para o início da tarde foi adiada e, mais tarde, os parlamentares foram avisados de que fora cancelada. O relator Marcelo Castro (PMDB-PI) foi destituído, e o presidente da comissão, Rodrigo Maia (DEM-RJ), indicado por Cunha para relatar a reforma direto no plenário.

 

Cunha e Maia têm posição comum a favor do distritão, segundo o qual os candidatos mais votados são eleitos sem que seja levado em conta os votos nos partidos. E ressurgiu outra possibilidade que havia sido sepultada há anos, o chamado distritão misto, no qual metade das vagas é escolhida pelo distritão, e a outra, por voto em lista partidária fechada. A apresentação do relatório está prevista para as 11h desta terça-feira

No início da noite, Cunha comandou reunião de líderes para definir a votação da reforma diretamente no plenário da Casa a partir desta terça-feira, ignorando o relatório da comissão. Ficou definido que a votação será em grupos, nesta ordem: sistema eleitoral, financiamento de campanha, manutenção ou não da reeleição, tempo dos mandatos, coincidência das eleições, cota para mulheres, fim das coligações proporcionais, cláusula de barreira, voto obrigatório e dia da posse do presidente da República.

A decisão de cancelar a reunião da comissão mista gerou protestos. A justificativa oficial foi de que a reunião havia sido cancelada por “acordo entre os líderes”. No entanto, a informação foi contestada pelo PT e pelo PSOL.

— Não fui consultado. Não concordo com o cancelamento da reunião, tudo que eu sonhava era ter o relatório. Não foi com minha anuência, eu não participei dessa decisão — disse o líder do PT, Sibá Machado (AC).

— Explicam que a extinção da comissão foi decisão dos líderes. O do PSOL seguramente não foi consultado e não compactuaria com este golpe — disse o líder do PSOL, Chico Alencar (RJ).

Alguns deputados foram protestar na sala onde o encontro da comissão especial deveria ocorrer. O relator Marcelo Castro atacou a decisão e disse que o cancelamento foi infundado.

— Não fizemos um relatório para agradar ou desagradar ninguém. Todo o acúmulo de conhecimento adquirido em três meses de trabalho na comissão será substituído por um documento construído em cinco minutos no plenário. Suspender a sessão 10 minutos antes do início foi uma completa falta de respeito — queixou-se.

O presidente da Câmara chegou a desautorizar Marcelo Castro e defender sua saída da relatoria quando o piauiense alegou que votaria contra seu próprio relatório, feito sob pressão da cúpula do PMDB. Outro ponto de discordância entre Eduardo Cunha e o relatório produzido na comissão é sobre o financiamento das campanhas. Cunha defende que haja financiamento privado com doações das empresas a partidos e a candidatos. No relatório, Marcelo Castro define que as empresas só poderão doar aos partidos.

Pela tarde, deputados que integraram a comissão especial reclamaram da manobra que jogou por água abaixo o trabalho do colegiado. Henrique Fontana (PT-RS) acusou Eduardo Cunha de agir de forma “ditatorial”.

— De uma forma um tanto ditatorial, ele diz que a intenção dele é trazer a reforma política direto para o plenário. Ele é defensor do distritão e do aprofundamento do financiamento empresarial das campanhas, mas não pode usar a Presidência da Casa para impor a sua vontade. Impedir a comissão de votar para depois avocar para o plenário e, além disso, estabelecer uma ordem de votação de acordo com interesse próprio do presidente da Casa, isso não é aceitável — disse Fontana.

Pouco antes de ter início a reunião do colégio de líderes, em que os deputados fizeram os últimos acertos para a votação a partir de hoje, Eduardo Cunha disse que o relatório produzido na comissão estava em “dissonância” com o que a maioria desejava votar. Cunha não descartou, no entanto, que a Câmara acabe a análise da reforma política sem aprovar qualquer mudança nas regras atuais, já que é preciso ao menos 308 votos para isso.

— A reforma pode sair ou pode não sair. Se não for aprovado nada, significa que a maioria dos deputados está satisfeito como está. Vai acabar com essa hipocrisia de ficar pregando reforma política — afirmou Cunha.