Valor econômico, v. 15, n. 3741, 23/04/2015. Política, p. A9

PMDB e oposição na Câmara unem-se para impor nova derrota ao governo

 

Por Raphael Di Cunto e Vandson Lima | De Brasília

 

Gustavo Lima/Câmara dos DeputadosDeputados exibem cópias gigantes de carteiras de trabalho durante votação dos destaques ao projeto de terceirização

Em articulação do PMDB e da oposição para evitar a discussão em separado dos temas mais polêmicos do Projeto de Lei (PL) 4.330/04, a Câmara dos Deputados aprovou ontem, por 230 votos a 203, uma emenda aglutinativa que permite a terceirização para todos os setores de uma empresa, reduz o período de 'quarentena' entre a demissão de um funcionário no regime de CLT e a contratação dele como pessoa jurídica (PJ) e estabelece uma regra para recolhimento de encargos trabalhistas contrária aos interesses do Ministério da Fazenda.

A emenda aglutinativa derrubou os destaques que tratavam de assuntos correlatos, como o requerimento do PT para proibir a terceirização da atividade-fim (que caracteriza o objetivo principal da empresa). O partido defende a manutenção da jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que só permite contratar mão de obra terceirizada para as atividades-meio, como limpeza e segurança, com o argumento de que a terceirização irrestrita diminui os direitos dos trabalhadores.

Os ministros da Fazenda, Joaquim Levy, e da articulação política tentaram ao longo do dia um acordo com a base e oposição, mas a emenda do PMDB foi apoiada por PTB, PP, DEM, SD, PPS e PSDB. Contrários ficaram PT, PRB, PDT, PCdoB, Pros, PV, PSOL e parte do PSB, que foi cobrado pela direção nacional a mudar de posicionamento. Com exceção de PT e PCdoB, porém, todas as bancadas tiveram divisões na votação.

A mudança de postura do PSDB, que na semana anterior ficou dividido sobre a terceirização da atividade-fim por pressão de eleitores nas redes sociais, foi preponderante para a vitória da emenda. Aliados ao PT, os tucanos tinham levado ao adiamento da votação, mas, na volta do feriado, o líder do partido decidiu orientar favoravelmente à emenda, o que levou a bancada a dar 33 votos pela aprovação contra 10.

O deputado Alfredo Kaefer (PSDB-PR) contabilizou nove votos na bancada que eram favoráveis à proibir a terceirização da atividade-fim e mudaram ontem. "Se fosse na semana passada teríamos perdido", disse. Segundo tucanos, a mudança ocorreu pela defesa do projeto feita pelo senador Aécio Neves (PSDB-MG) e da campanha publicitária lançada por entidades empresariais em jornais, revistas e na TV para tentar mudar a imagem negativa do projeto na sociedade. "Os empresários perceberam que estavam perdendo a batalha da comunicação e passaram a defender o projeto", afirmou Kaefer.

Com a emenda, será permitido contratar serviços terceirizados para todos os setores de empresas privadas. Para a administração pública, autarquias e sociedades de economia mista, como Petrobras, continua valendo a súmula do TST, que proíbe a terceirização da atividade-fim.

A versão final do texto também autoriza a subcontratação de serviços pelas terceirizadas, a chamada quarteirização, e que associações, sociedades, cooperativas, fundações e empresas individuais possam ser contratadas para prestar serviços para as empresas. "É um desastre para os direitos dos trabalhadores", criticou o vice-líder do PT, Alessandro Molon (RJ).

O governo saiu derrotado em duas mudanças que tentou fazer no texto. Uma era para restringir a "pejotização", ou seja, a demissão de funcionários com carteira assinada para recontratá-los como pessoas jurídicas. Com receio do impacto que esta mudança teria na Previdência Social, Levy tinha fechado um acordo para proibir a contratação de um PJ que tivesse trabalhado nos 24 meses anteriores para a empresa, mas o prazo foi reduzido ontem para 12 meses.

A outra mudança era para evitar a perda de arrecadação caso as terceirizadas, que têm mais dificuldades de caixa, deixassem de pagar os encargos trabalhistas e impostos. A Fazenda sugeriu que as contratantes recolhessem parte da fatura dos serviços para fazer estes pagamentos no lugar das terceirizadas, mas não chegou a consenso com o relator do projeto, deputado Arthur Maia (SD-BA), PMDB e oposição.

A emenda do governo era para que a contratante retivesse uma alíquota de 11% sobre a fatura dos serviços em que a mão de obra representasse mais de 50% do valor do contrato para pagar os encargos trabalhistas dos funcionários da terceirizada e de 5,5% nos outros casos. Para Maia, a Fazenda visava aumentar sua receita ao prever que os valores pagos a mais só seriam restituídos um ano após a cobrança.

O relator apresentou uma proposta alternativa, aprovada pelo plenário, para que a contratante recolha 20% da folha de salários da contratada e faça os pagamentos dos encargos trabalhistas dos funcionários terceirizados. Maia afirma que isso garantirá a receita do governo, sem aumentar a carga tributária. Já Levy, em reuniões com parlamentares, disse que levaria à perda de arrecadação, mas não estimou valores.

Em contrapartida, foi acatada a sugestão do governo para manter a cobrança antecipada dos imposto de renda, CSLL, PIS/Pasep e Cofins, além de garantir que a empresa contratante será solidária em processos judiciais caso a terceirizada deixe de pagar encargos trabalhistas. O PL prevê ainda que a contratante fiscalizará a terceirizada e fará uma reserva de 4% do valor do serviço para quitar dívidas com os empregados.

Aprovado ontem na Câmara, o texto segue para o Senado Federal, cujo presidente, Renan Calheiros (PMDB-AL), já defendeu mudanças no projeto e alertou que não terá pressa para votar. "A regulamentação não pode ser ampla, geral e irrestrita. Se atingir 100% da atividade-fim, estará condenando as pessoas à supressão de direitos trabalhistas e sociais", disse ontem.

O impasse em torno do PL 4330/04 contaminou a tramitação de outras matérias no Congresso Nacional. A Medida Provisória 665, cujo parecer deveria ter sido votado ontem, teve a sessão suspensa. Para o relator, senador Paulo Rocha (PT-PA), as divergências entre partidos da base e as centrais sindicais levaram a desentendimentos sobre outros projetos. (Colaboraram Bruno Peres, Andrea Jubé e Letícia Casado)

Terceirização pode custar mais às empresas, diz Pastore

 

Por Camilla Veras Mota | De São Paulo

A regulamentação da terceirização proposta pelo projeto de lei 4330 não aumentará o desemprego, não retirará direitos dos trabalhadores e tornará a contratação dessa modalidade de prestação de serviços muito mais cara às empresas, na avaliação do economista José Pastore, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP).

Para Pastore, a abertura de um fundo de reserva para emergências, a necessidade de uma burocracia de fiscalização permanente das contratadas, a ampliação de refeitórios para terceirizados e outras exigências contidas no texto elevarão o custo atual do trabalho terceirizado.

"Se de um lado [as empresas] ganham segurança, terão de outro uma terceirização mais cara e pensarão duas vezes antes de substituir por trabalhadores terceirizados aqueles que já são fixos, cujo trabalho e custo já lhes são conhecidos", disse o professor ontem, em bate-papo promovido pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) em uma rede social.

Respondendo a perguntas de internautas, Pastore disse acreditar que a aprovação da lei provocará expansão "muito moderada" da terceirização e que a diferença salarial que hoje existe entre os funcionários contratados diretamente e aqueles admitidos por meio de outras empresas é decorrência da "lei da oferta e da procura". "Quando a economia se aquece, as empresas contratam mais e os salários e benefícios sobem. Quando a economia se desaquece, o contrário acontece".

O economista defendeu que o PL amplia os direitos dos terceirizados, garantindo-lhes, além do que está previsto na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a utilização da infraestrutura da empresa contratante - refeitórios, ambulatórios e serviços de transporte -, e aumenta sua segurança contra eventuais inadimplências das terceirizadas, já as tomadoras de serviço deverão fiscalizar o cumprimento das obrigações trabalhistas por parte da contratada.

A terceirização, afirmou, faz parte da "divisão do trabalho na produção moderna", em que "cada um faz o que sabe fazer melhor, para que a tarefa saia bem feita e a um preço acessível".