Valor econômico, v. 15, n. 3741, 23/04/2015. Política, p. A9

Divergência entre Temer e PMDB leva a recuo do vice

 

Por Raymundo Costa e Assis Moreira | De Brasília e Madri

 

Edilson Rodrigues/AgĂȘncia SenadoRenan: "A presidente fez o que havia de pior. Sancionou um aumento incompatível com o ajuste e disse que vai contingenciar"

Pilhado no centro da decisão que triplicou o valor da verba orçamentária para os partidos, o PMDB protagonizou suas primeiras trapalhadas no comando da coordenação política do governo. Tudo começou em Lisboa, onde o vice-presidente Michel Temer disse que a presidente Dilma Rousseff poderia contingenciar os recursos do fundo, mas depois teve de recuar. Por fim, o mesmo Temer declarou que o PMDB abriria mão de um percentual de sua cota, para ajudar no ajuste fiscal, mas novamente teve de voltar atrás ao esbarrar em resistências no partido. Em nota oficial o PMDB apenas afirma que "não usará" parte dos recursos, um artifício semântico para justificar, mais tarde, o recebimento do dinheiro.

Na origem do bate-cabeça pemedebista está a sanção da presidente ao Orçamento de 2015, que prevê a dotação de R$ 867,5 milhões para os partidos políticos. A quantia é três vezes maior que a proposta inicial do governo. O valor foi fixado pelo relator-geral Romero Jucá (PMDB-RR) sob a justificativa de provocar o debate sobre o financiamento público das campanhas. Na prática, segundos líderes pemedebistas, uma precaução do senador contra a esperada queda nas doações aos partidos, em virtude da Operação Lava-Jato. Aprovado pelo Congresso, os recursos para o Fundo Partidário foram mantidos com a sanção da lei, sem vetos, pela presidente.

Constitucionalista reconhecido, Temer tropeçou ao dizer que a presidente poderia contingenciar os recursos. O dinheiro destinado aos partidos não pode ser contingenciado, segundo a lei. O objetivo é proteger os partidos de oposição ou as pequenas siglas de eventual retaliação do Executivo. O contingenciamento também é mal visto no Congresso porque em geral é usado pelo Palácio do Planalto para pressionar parlamentares. A reação a Temer expôs a divisão do próprio PMDB. Na volta do feriado, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), criticou a sugestão, mas atacou a presidente Dilma em vez de Temer.

"Ela [Dilma] sem dúvida nenhuma escolheu a pior solução", disse. "A presidente fez o que havia de pior. Sancionou um aumento incompatível com o ajuste [fiscal] e disse que vai contingenciar. Fez as duas coisas ao mesmo tempo e errou dos dois lados". Segundo Renan, a presidente "deveria ter vetado [o aumento], como muitos pediram. Aquilo foi aprovado no meio do Orçamento sem que houvesse um debate suficiente". A proposta original da lei orçamentária previa R$ 289,5 milhões para os partidos.

O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), também se manifestou na contra-mão do vice. "Não mergulhei no assunto, mas acho que nem vetar ela poderia, porque se vetasse ia ter que vetar a rubrica inteira, ia deixar os partidos sem recurso nenhum", afirmou. Na realidade, Dilma poderia vetar e depois editar uma medida provisória estabelecendo um valor menor ou até a proposta inicial. A vice-presidência divulgou depois uma nota na qual Temer "esclarece que buscou contribuir com o debate sobre as medidas para a redução de despesas em benefício do ajuste fiscal".

Em entrevista mais cedo ao Valor PRO, em Madri, onde cumpria agenda oficial, o vice-presidente reconheceu que não seria possível o contingenciamento, mas o PMDB abriria mão de uma parte do acréscimo a que teria direito a receber. Não era propriamente o que estava combinado com os dirigentes partidários. O presidente da Fundação Ulysses Guimarães, Moreira Franco, e o tesoureiro Eunício Oliveira (PMDB-CE), defendem que o corte deveria ser combinado com todos os partidos. O estatuto do PMDB também prevê repasse automático da verba destinada aos diretórios regionais, que precisariam ser ouvidos. Por isso a nota oficial não diz que o partido devolverá ou não receberá, apenas que "não usará parte dos recursos acrescidos ao fundo partidário", no Orçamento de 2015, como forma de colaborar com o esforço de corte de gastos para a reprogramação da economia brasileira".

Na avaliação de líderes pemedebistas, o episódio é um desgaste desnecessário para o partido que tenta resgatar a credibilidade da articulação política do governo. Ao dizer que a presidente poderia contingenciar os recursos, o vice reconheceu que a sigla exagerou ao triplicar a verba e jogou o PMDB numa agenda negativa - doações de campanha - que é do PT. (Colaboraram Bruno Peres, Raphael Di Cunto e Vandson Lima)