Valor econômico, v. 15, n. 3742, 24/04/2015. Brasil, p. A2

 

Valor econômico, v. 15, n. 3742, 24/04/2015. Brasil, p. A2

 

A dose de desemprego para baixar a inflação

 

Por Alex Ribeiro

Quem esteve nas apresentações do Banco Central a investidores durante a reunião de primavera do Fundo Monetário Internacional (FMI) em Washington, no fim de semana, entendeu o recado de que o mais importante para o combate à inflação é a ação de política monetária.

O mercado esperava uma sinalização mais explícita do próximo passo do Banco Central, na reunião de seu Comitê de Política Monetária (Copom) da semana que vem. Hoje, as apostas pendem para uma alta de 0,5 ponto percentual na taxa Selic.

Mas a sinalização geral foi dada. Dirigentes do BC falaram em "determinação" e reiteraram que "a política monetária está e continuará vigilante para assegurar a convergência da inflação à meta até dezembro de 2016" e que "o BC considera que os progressos alcançados até agora ainda não são suficientes".

Mercado pode estar exagerando custos para cumprir a meta

Para além das questões monetárias mais imediatas, o Banco Central apresentou, em Washington, novos argumentos que sustentam a sua tese de que é possível colocar a inflação na meta de 4,5% em dezembro de 2016.

Numa palestra organizada pelo J. P. Morgan, o diretor de Política Econômica do BC, Luiz Awazu Pereira, procurou defender o ponto de vista de que talvez não seja necessária a correção do mercado de trabalho imaginada por muitos analistas econômicos para fazer a inflação chegar à meta.

A relação entre o desemprego e a inflação é amplamente ratificada nas pesquisas internacionais, mas no Brasil há controvérsia. Há bons estudos que não encontraram relação entre uma coisa e outra. Economistas de linha heterodoxa dizem que, no Brasil, o que baixa a inflação é apenas a taxa de câmbio, não o desemprego e a recessão.

A visão corrente entre os analistas do mercado é que seria necessário um brutal aumento da taxa de desemprego acima do que os economistas chamam de taxa natural de desemprego (Nairu, na sigla em inglês) para que o índice de preços responda e caia para 4,5%.

Awazu sugeriu que a metodologia usada por economistas do setor privado para medir o coeficiente de transmissão do desemprego para a inflação pode estar subestimando o real impacto dessa variável. Normalmente, os analistas usam uma forma agregada de curva de Phillips (uma equação que basicamente relaciona os fatores que aceleram e desaceleram a inflação) que mede o impacto do aumento do desemprego no índice de preços cheio.

Como contraponto, Awazu exibiu um recente trabalho de discussão de dois economistas do BC, Sergio Afonso Lago Alves e Arnildo da Silva Correa, com o titulo "Um Conto de Três Hiatos: Desemprego, Utilização da Capacidade Instalada da Indústria e Produto".

O que esse estudo faz é desagregar a curva de Phillips, medindo os impactos do desemprego sobre a inflação de não comercializáveis, como serviços, que são intensivos em mão de obra. E também o impacto do nível de utilização da capacidade instalada da indústria na inflação de bens comercializáveis.

Sua conclusão é que o efeito da alta de desemprego na inflação é bem mais forte do que o apontado pelos modelos tradicionais usados pelos economistas. Nele, são apresentados alguns números que, mais do que uma previsão acurada do futuro, devem ser tomados como uma ilustração: um aumento de um ponto percentual na taxa de desemprego leva a uma queda de 0,31 ponto percentual na taxa de inflação trimestral de bens não comercializáveis. São valores médios, com o grau de incerteza típico de quando se trabalha com probabilidades, por isso talvez fosse mais preciso afirmar que haveria uma queda na inflação trimestral de 0,17 a 0,45 ponto.

Outra discussão relevante é o quanto seria, hoje, essa Nairu, ou taxa de desemprego a partir da qual a inflação começa a ceder. Um dos cálculos apresentados no estudo de Alves e Correa (que não pretende ser definitivo e faz uma série de ressalvas aos resultados) sugere que a Nairu saiu do patamar entre 11% e 12% em fins dos anos 1990 para 6,3% no fim de 2012.

O arroz com feijão do mercado é calcular a Nairu com procedimentos como filtros HP, que basicamente procuram mostrar uma tendência suave a partir de dados estatísticos mais voláteis. A crítica recorrente a esse instrumental é que ele não captura mudanças de tendência. Essas medidas podem estar dando uma impressão enganosa do valor atual da Nairu. Modelos um pouco mais sofisticados usados pelo BC indicam que podemos estar bem perto da Nairu do que uma boa parte dos analistas acreditava.

E também há a questão sobre as medidas tradicionais do mercado de trabalho. A taxa de desemprego subiu a 5,9% em fevereiro, 0,8 ponto percentual maior do que a do mesmo mês de 2014. Já os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), divulgados ontem, registraram a criação de 19.282 empregos formais em março, puxados pelo setor de serviços, superando positivamente as expectativas da maior parte dos analistas econômicos.

O Banco Central tem chamado a atenção para o fato de que, nas condições atuais, a taxa de desemprego, sozinha, não é capaz de mostrar a evolução das condições do mercado de trabalho. Num boxe do relatório de inflação, são listados outros indicadores que ajudam a medir o pulso do mercado. Um deles é a proporção de trabalhadores que oferecem a sua mão de obra no mercado (a chamada População Economicamente Ativa, PEA), que voltou a crescer de forma mais alinhada com a expansão da população com idade para trabalhar (a População em Idade Ativa, a PIA). Mantida essa tendência, pode haver "pressão adicional sobre a taxa de desemprego".

O Banco Central tem apresentado uma lista de argumentos para sustentar a tese de que a inflação cairá para 4,5% em 2016, como o descarte estatístico da alta de preços administrados, o menor repasse cambial e pelo aperto nas políticas monetária e fiscal.

O desemprego é uma variável chave porque muitos analistas acham que os custos para baixar a inflação são muito altos para um governo com baixa popularidade.

Alex Ribeiro é repórter especial. Hoje, excepcionalmente, deixamos de publicar a coluna de Claudia Safatle

E-mail: alex.ribeiro@valor.com.br