Valor econômico, v. 15, n. 3742, 24/04/2015. Brasil, p. A2

 

Mudanças no Carf preveem salário para advogados e redução de turmas

 

Por Zínia Baeta e Laura Ignacio | De São Paulo

 

Claudio Belli/ValorLuiz Peroba Barbosa: ideal seriam datas e horários rígidos para as sessões

As novas regras de funcionamento do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) devem ser levadas a consulta pública entre segunda e terça-feira da próxima semana. O grupo de trabalho, formado por representantes do Ministério da Fazenda, que elabora uma nova redação para o regimento interno do órgão deve finalizar o texto hoje e encaminhá-lo para aprovação do ministro da Fazenda, Joaquim Levy.

O órgão passa por uma reformulação desde que a Polícia Federal anunciou a Operação Zelotes, que investiga a venda de decisões por conselheiros em discussões bilionárias com o Fisco.

A principal alteração proposta pelo grupo é a previsão de remuneração aos conselheiros que representam os contribuintes. Atualmente, os advogados que integram o Carf recebem apenas diárias pelo deslocamento a Brasília, onde ocorrem os julgamentos. Nesse caso, eles poderão receber um salário fixo (hoje há um projeto de lei que tramita no Congresso que propõe pagamento de R$ 20 mil mensais) ou remuneração por comparecimento às sessões de julgamento. Se a ideia prosperar, o mais provável é que o pagamento ocorra por participação nas sessões, conforme fontes ouvidas pelo Valor. Isso porque a remuneração mensal de salário dependeria de aprovação de lei, o que poderia demorar.

Apesar de a proposta do novo regimento não prever a exclusividade de atuação dos conselheiros no Carf, a interpretação de fontes da Fazenda é que a partir do momento em que o representante do contribuinte for remunerado, teria status de agente público e, portanto, não poderia exercer livremente a advocacia. O argumento encontraria fundamento no artigo 28 do Estatuto da OAB - lei que regulamenta a profissão. O dispositivo diz ser incompatível com a advocacia o exercício da "função de julgamento em órgãos de deliberação coletiva da administração pública direta e indireta".

Ricardo Toledo, presidente da Comissão de Direitos e Prerrogativas da OAB-SP, entende, porém, que o artigo 28 do estatuto da entidade não se encaixaria na situação dos julgadores do Carf. Segundo ele, hoje há advogados que atuam nos Tribunais Regionais Eleitorais ou em tribunais administrativos estaduais. Segundo ele, no caso do Carf, a incompatibilidade seria parcial, e o conselheiro não poderia patrocinar causas no órgão.

O tributarista Pedro Miranda Roquim, sócio do Guedes Nunes Oliveira Roquim, acredita que uma possível exclusividade fará com que o Carf perca "grandes cabeças", que talvez não queiram deixar de advogar temporariamente. No entanto, no longo prazo, poderia levar bons tributaristas a atuarem no Carf, porque, ao deixarem o órgão, seriam bem-vistos no mercado, como ocorre com quem atua na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), por exemplo.

Outra novidade que poderá ser implementada é a quarentena. Ao deixar o órgão, os advogados deverão ficar um tempo sem exercer o ofício no Carf. O prazo de afastamento é ainda discutido pelo grupo.

A ideia também é reduzir o número de conselheiros que compõem o órgão (contando que alguns devem ser afastados em razão da Operação Zelotes), assim como o total de turmas, que passaria de três para duas. Por outro lado, o número de julgadores por turma aumentaria, passando de seis para oito. "Se há mais conselheiros em uma turma, eles ficam menos suscetíveis à corrupção", diz uma fonte. Com a medida, as turmas especiais deixariam de existir - que julgam valores mais baixos.

Outra mudança refere-se ao número de indicados por vaga pelas confederações. Passariam de três para seis. Do total, o ministro da Fazenda escolherá um nome.

Para tributaristas que atuam no Carf, seria interessante a adoção de medidas que deem maior transparência ao órgão. Dentre as sugestões do advogado Luiz Roberto Peroba Barbosa, do Pinheiro Neto Advogados, estão uma maior antecedência na publicação da pauta de processos a serem julgados e o estabelecimento de datas e horários rígidos para os julgamentos. "A informalidade atual é inadequada para um órgão julgador tão importante para a sociedade", diz.

Para o tributarista Hamilton Dias de Souza, deveriam ser fixadas regras para visitas a conselheiros, por advogados dos contribuintes e procuradores, para a entrega de memoriais (documento com dados e argumentos extras sobre tema a ser julgado). Ele também propõe que os presidentes das câmaras não sejam apenas representantes do Fisco, mas dos contribuintes, alternadamente. São os presidentes que definem o julgamento em caso de empate.