O globo, n. 29876, 25/05/2015. País, p. 4

Dilma sobre impeachment: ‘A mim não atemorizam’

MARIA LIMA E LUIZA DAMÉ

A jornal mexicano, presidente diz que tema é ‘mais luta política’

Em entrevista ao jornal mexicano “La Jornada”, a presidente Dilma Rousseff afirmou que os pedidos de impeachment não a atemorizam: “É uma mistura de espada política e drama que querem impor ao Brasil”. - BRASÍLIA- A presidente Dilma Rousseff negou qualquer temor sobre a possibilidade de impeachment, em entrevista concedida ao jornal mexicano “La Jornada” e publicada ontem, na véspera de sua primeira visita como chefe de estado ao México. Dilma afirmou que ameaças de impeachment foram recorrentes nos governos dos ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e de Luiz Inácio Lula da Silva.

GIVALDO BARBOSA /20-05-2015Estatal. Dilma: “Se Seleção é a pátria de chuteiras, Petrobras é a pátria com as mãos sujas de óleo”

— O problema do impeachment é sem base real, e não é um processo, e não é algo, vamos dizer assim, institucionalizado. Tem um caráter muito mais de luta política — afirmou a presidente. — É muito mais esgrimido como uma arma política. Uma espécie de espada política, mistura de espada e de drama que querem impor ao Brasil. Agora, a mim não atemorizam com isso. Eu não tenho temor disso, respondo pelos meus atos. E tenho clareza dos meus atos — acrescentou.

Ao ser indagada se as iniciativas de impeachment eram uma atitude da “direita radical”, Dilma respondeu que, de uma certa forma, outros presidentes passaram por esse processo:

— (Fernando) Collor foi tirado. O Itamar (Franco) eu não lembro, acho que não. Mas estou falando dos últimos tempos. Vira e mexe tem essa.

Ao falar dos tempos em que foi presa e torturada, Dilma afirmou que a pressão de seus carcereiros era muito pior de suportar do que a pressão política que enfrenta hoje:

— A dor oprime, ela corrói, ela humilha, ela degrada. A dor degrada. Então, resistir é algo muito difícil. Não faz de ninguém herói, faz das pessoas só isso: gente.

Na abertura da entrevista, o jornal cita que Dilma e Lula se reuniram na última sexta-feira, “presumivelmente para abordar a situação política conturbada”. E aborda a diplomacia do país, mais voltada para a América Latina.

— O Brasil estava de costas para seus vizinhos e para seu continente, e achava que tanto a Europa quanto os Estados Unidos eram com quem nós devíamos nos relacionar. Não que não devamos, pelo contrário, devemos. Mas nós temos um compromisso com a América Latina e com a África — disse Dilma, ao ressaltar que sua visita abre nova relação com o México.

PETROBRAS COMPARADA À SELEÇÃO

Ao falar sobre Petrobras, Dilma afirmou que há um grande interesse na vinda da estatal petroleira mexicana Pemex, mas que não há possibilidade de mudanças nas regras brasileiras de partilha. Sobre os escândalos envolvendo a Petrobras, a presidente afirmou que o problema estava limitado a quatro ex-diretores.

— A Petrobras tem 90 mil funcionários, quatro funcionários foram e estão sendo acusados de corrupção. Muito provavelmente, ninguém pode falar antes de serem condenados, mas todos os indícios são no sentido de que são responsáveis pelo processo de corrupção — disse Dilma, defendendo a importância estratégica da empresa para o país e recorrendo a uma expressão do dramaturgo Nelson Rodrigues para defini-la:

— Sempre disse o seguinte: se a Seleção Brasileira é a pátria de chuteiras, a Petrobras é a pátria com as mãos sujas de óleo.

Sobre investimentos na construção do Porto de Mariel, em Cuba, Dilma destacou que não se tratava de uma política do BNDES, mas sim, do governo brasileiro.

— A oposição brasileira, antes dos Estados Unidos reatar relações com Cuba, era extremamente cáustica a respeito deste financiamento que nós fizemos. Nós achamos que o processo de evolução das relações democráticas em Cuba passa por apostar na abertura, no investimento, passa por apostar na relação comercial entre Estados Unidos e Cuba — defendeu.

A presidente considerou ainda que há um exagero nas notícias sobre instabilidade política na América do Sul, notadamente na Venezuela, onde ela diz não acreditar numa saída violenta.

— O quadro de instabilidade na América do Sul está completamente exagerado. Sabe por quê? Eu não acredito que a democracia engendre situações de paz dos cemitérios. A democracia engendra manifestações de rua, reivindicações, a expressão de descontentamento. Na América Latina temos de cuidar muito disso, porque a raiz golpista sempre perpassa a cultura política dos países.

Questionada se México e Brasil vão inaugurar um novo eixo político-diplomático, “mariachi-bossa nova”, Dilma brincou que estava mais para “tequila-caipirinha”. E mostrou curiosidade sobre outras bebidas típicas mexicanas.

OPOSIÇÃO CONTESTA ENTREVISTA

O líder do DEM na Câmara, Mendonça Filho (PE), disse ontem que o quadro político envolvendo Dilma é diferente do cenário de seus antecessores. Segundo ele, quando o PT, na época oposição, pediu o impeachment do tucano Fernando Henrique Cardoso, não havia embasamento. Hoje, para o parlamentar, as pedaladas fiscais (uso de dinheiro de instituições oficiais para cobrir gastos do governo), contrariando a Lei de Responsabilidade Fiscal, respaldariam um processo.

— Ao negar (que tema o impeachment), a presidente está no seu papel, mas ela vive um momento político adverso. Há no país um clima de animosidade e de rejeição ao governo dela por causa do estelionato eleitoral — argumentou.

Amanhã, os partidos de oposição vão entrar com uma representação na Procuradoria Geral da República pedindo a investigação da presidente por crime comum, por causa das pedaladas fiscais. Caberá à Procuradoria decidir se pede abertura de inquérito contra Dilma ou não.