Valor econômico, v. 15, n. 3742, 24/04/2015. Brasil, p. A8

 

Terceirização opõe Renan e Cunha

 

Por Vandson Lima e Raphael Di Cunto | De Brasília

Companheiros de PMDB, os presidentes do Senado, Renan Calheiros (AL), e da Câmara, Eduardo Cunha (RJ) subiram o tom na disputa pela orientação às normas do projeto que regulamenta a terceirização nas relações de trabalho. Diante da ameaça de Cunha de reverter mudanças que o Senado eventualmente faça no texto - a palavra final sobre a matéria é da Câmara, já que o projeto foi proposto por um deputado -, Renan, que se diz contrário à permissão da terceirização de todas as atividades das empresas e classificou a mudança como uma "pedalada no direito do trabalhador", foi aos microfones avisar que não vai ter "muita pressa" na tramitação da matéria, que ficou por 11 anos na Câmara.

Cunha voltou à carga e, como já tinha dito a empresários no feriado, ameaçou atrasar a análise de projetos do Senado que estejam sob sua salvaguarda, como a convalidação de incentivos fiscais concedidos pelos Estados. A proposta está na Comissão de Finanças e Tributação (CFT) e é relatada pela deputada Soraya Santos (PMDB-RJ), aliada de primeira hora de Cunha.

 

http://www.valor.com.br/sites/default/files/crop/imagecache/media_library_small_horizontal/0/5/416/272/sites/default/files/gn/15/04/arte24pol-101-terceiriza-a9.jpg

"Ter pressa na regulamentação significa, em outras palavras, regulamentar a atividade-fim e isso é um retrocesso. É uma pedalada no direito do trabalhador", disse Renan. "Não podemos regulamentar, sob hipótese nenhuma, a atividade-fim. Temos de regulamentar os terceirizados existentes. Isso é uma inversão, uma involução, significa revogar a Constituição e os direitos e garantias individuais e coletivas."

Questionado sobre o embate com Cunha em torno do tema, Renan observou que o PMDB precisa ter "responsabilidade" com as posições assumidas. "O PMDB não pode concordar com nada que revogue a CLT, que signifique retrocesso."

Se na Câmara o PMDB esteve unido à oposição para evitar a discussão em separado de questões polêmicas contidas no projeto, no Senado a sigla deverá estar mais alinhada às posições da base governista e, especificamente, do PT.

"É fundamental a proteção ao trabalhador. A terceirização é importante, ela moderniza o país, mas não pode ocupar o espaço da atividade-fim de qualquer empresa", afirmou o líder do PMDB no Senado, Eunício de Oliveira (CE).

O líder do PT, senador Humberto Costa (PE), ressaltou que "no Senado a correlação de forças partidárias é diferente [da Câmara]. O projeto da forma como foi aprovado na Câmara não passará. "Vamos impedir a terceirização nas estatais, nas atividades-fim e vamos garantir as receitas da Previdência e do FGTS".

O PSB, segundo seu líder João Capiberibe (AP) tem posição fechada contra o projeto que regulamenta a terceirização. "Para nós está claro que essa proposta, como está, só favorece os empresários". Omar Aziz (AM), líder do PSD, seguiu a mesma linha. "Não estou seguro de que o projeto proteja o trabalhador mais pobre". Da oposição, apenas o líder do DEM, Ronaldo Caiado (GO), se manifestou. "O Senado vai precisar de tempo para avaliar e discutir". O senador disse não ter posição definida sobre a terceirização das atividades-fim.

O vice-presidente, Jorge Viana (PT-AC), avaliou que "seguramente a matéria deve tramitar por, pelo menos, quatro ou cinco comissões". Além das obrigatórias, como a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e a Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), o projeto deverá ser requisitado pelos integrantes de outras comissões, como Assuntos Sociais (CAS) e até mesmo Direitos Humanos (CDH). "Vamos ter calma, analisar o projeto com profundidade. Este é o compromisso do líder do PMDB, não vamos permitir açodamento", disse Eunício.

Em jantar na quinta-feira com Eduardo Cunha, a presidente Dilma Rousseff demonstrou preocupação com a retirada do texto de regras para a contratação de prestadores de serviços na administração pública direta e indireta e em empresas de economia mista. A administração pública direta e indireta foi retirada do projeto por destaque do PSDB. A presidente deve mobilizar sua base para reincluir o texto no Senado.

Sem a inclusão no texto, as regras para os contratos de terceirizadas com órgãos públicos e empresas de economia mista continuam as estabelecidas pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST). Ao retirar a administração pública do projeto, a oposição visava evitar que fosse possível contratar terceirizadas para as atividades principais do governo e de empresas como a Petrobras, o que acabaria com os concursos públicos e aumentaria as indicações políticas.

Na quarta-feira, a Câmara aprovou emenda para que os trabalhadores terceirizados que prestarem serviços para a administração pública direta e indireta tenham os mesmos direitos previstos no projeto, mas deputados acreditam que este trecho não ficou claro e pode gerar disputas jurídicas.

Ontem, Cunha afirmou que pretende discutir as regras para contratação de terceirizados pelos governos, prefeituras e empresas públicas em uma revisão da Lei de Licitações realizada em comissão da Câmara.