O globo, n. 29876, 25/05/2015. País, p. 4

Executivo pode perder benefícios da delação

JAILTON DE CARVALHO
 

Procuradores da Lava-Jato suspeitam que empresário mentiu para proteger Cunha

Em depoimento, Alberto Youssef disse que Júlio Camargo foi pressionado pelo presidente da Câmara a pagar propina a ele e a outros políticos do PMDB

-BRASÍLIA- Procuradores da Operação Lava-Jato vão pedir a anulação dos benefícios da delação premiada do empresário Júlio Camargo se, no decorrer das investigações, confirmarse a suspeita de que ele mentiu para proteger o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Em recente depoimento sobre o caso, Camargo rebateu declarações do doleiro Alberto Youssef e negou que tenha sido pressionado por Cunha a pagar propina ao lobista Fernando Soares, o Fernando Baiano, suposto operador do Petrobras.

— O acordo de delação premiada pode ser rompido e ele ( Júlio Camargo) perderá os benefícios caso tenha mentido — disse ao GLOBO uma das autoridades do caso.

Em um depoimento da delação premiada no início deste ano, Youssef disse que Júlio Camargo foi pressionado por Eduardo Cunha a pagar propina a ele e a outros políticos do PMDB. O suborno estaria vinculado a um contrato de afretamento de navios entre a Petrobras e a Samsung. Para forçar a retomada de pagamentos que teria sido interrompida num determinado momento, Cunha teria apresentado requerimentos de informação contra a empresa Mitsue e contra o próprio Camargo na Comissão de Fiscalização e Controle da Câmara.

Chamado para falar sobre o caso em novo depoimento ao Ministério Público Federal, Camargo negou ter sido pressionado por Cunha. Para procuradores, as explicações do empresário são inconsistentes. Numa busca no Centro de Informática da Câmara, procuradores encontraram o registro do requerimento de informações mencionado por Youssef. O documento, assinado pela ex-deputada Solange Almeida (PMDB-RJ), aliada de Cunha, tem a indicação de que foi emitido com a senha do presidente da Câmara.

Pelas investigações do Ministério Público Federal, Camargo pagou US$ 53 milhões a Baiano e ao ex-diretor da área Internacional da Petrobras Nestor Cerveró, entre outros, para viabilizar dois contratos de afretamento de navios da Samsung Heavy Industries CO com Petrobras. Um contrato de US$ 586 milhões, para exploração de petróleo em águas profundas na África; e outro de US$ 616 milhões para perfuração também em águas profundas no Golfo do México. Camargo atuava como representante da Samsung nas negociações.

Num dos depoimentos da delação, o executivo disse ainda que pagou R$ 12 milhões ao exdiretor de Serviços Renato Duque e ao ex-gerente de Engenharia Pedro Barusco em negociação sobre a Refinaria Araucária. Para o Ministério Público Federal, as informações fornecidas por Camargo e confirmadas pelas investigações adicionais permanecem válidas. Mas, caso se comprove que ele omitiu ou mentiu em parte dos depoimentos, o executivo perderá os benefícios, que envolvem redução de pena de prisão.

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Corrupção será abordada pelo PT em congresso do partido

SÉRGIO ROXO
 

Teses de todas as correntes admitem responsabilidade da sigla;
Rui Falcão vê ‘falhas’

-SÃO PAULO- No momento em que o PT é acusado pelos investigadores da Operação Lava-Jato de ter recebido propina de empresas fornecedoras da Petrobras por meio de doações oficiais de campanha, a corrupção é abordada em todas as teses das correntes do partido que serão apresentadas no Congresso da legenda no mês que vem, em Salvador.

Apesar de o discurso de perseguição por parte da imprensa ter sido mantido, os documentos admitem responsabilidades da direção da sigla.

“As denúncias de corrupção — verdadeiras ou não — acabaram por golpear duramente a imagem do partido. Não podemos diluir nossas próprias responsabilidades na geleia geral em que se transformou grande parte do mundo político brasileiro”, afirma a tese do grupo majoritário Partido que Muda o Brasil (PMB), do qual faz parte João Vaccari Neto, ex-tesoureiro do PT, preso desde o dia 15 de abril.

O documento ainda acrescenta ser necessário o partido sair das “páginas policiais dos jornais”. A Mensagem ao Partido, outro grupo, destaca que a “corrupção ou conivência com a corrupção mina a própria identidade socialista do PT”. “Se antes era possível acusar um grupo ou uma corrente interna do PT por protagonizar as principais distorções que experimentamos no último período, hoje práticas que estão em desacordo com nossa ideologia, inclusive desvios éticos, atravessam a maioria das tendências”, diz a Partido para Todos.

Para o cientista político Cláudio Couto, professor da FGV, o reconhecimento de erros é benéfico para o partido.

— Finalmente, o partido faz uma autocrítica. Acho que isso começou a aparecer até pela piora das avaliações. Vai ficando cada vez mais complicado fingir que nada está acontecendo e que tudo é fruto de uma conspiração — avalia.

RECUPERAR CREDIBILIDADE

Como resposta à corrupção, as teses petistas indicam, como já havia sido discutido em reunião pelo diretório nacional, que o partido deve proibir o recebimento de doações de empresas. Há divergências se o veto deve ser restrito aos diretórios ou também aos candidatos.

Em carta com suas avaliações, o presidente do PT, Rui Falcão, diz que o fim das doações serviria para “recuperar a credibilidade da política”. O dirigente diz que o partido sofre um massacre político e midiático por causa de seus acertos sociais, mas que falhas e insuficiências políticas não podem ser ignoradas.

Outro ponto comum nas teses petistas é a necessidade de construção de uma frente de esquerda, apoiada por partidos e principalmente movimentos sociais.