Valor econômico, v. 15, n. 3742, 24/04/2015. Política, p. A10

 

Discutindo a relação com Dilma e aliados

 

Por Raquel Ulhôa

Aliado incerto para o governo, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), começa a ser criticado por aliados próximos pela atuação pautada por projetos pessoais, muitas vezes sem considerar interesses do partido e de correligionários. Para um dirigente do PMDB, ele está perdendo "o senso da medida" e a "noção de jogo coletivo".

Na quarta-feira, críticas de Renan à presidente Dilma Rousseff - por não vetar dispositivo do Orçamento da União que amplia o fundo partidário e por anunciar depois que os recursos poderiam ser contingenciados - causaram desconforto. Afinal, foi o pemedebista Romero Jucá (RR), como relator, o responsável pelo aumento da verba. E o fez atendendo à maioria dos partidos.

A crítica de Renan também atingiu o vice-presidente, Michel Temer, presidente do PMDB. Foi Temer quem falou sobre a possibilidade de contingenciamento. Depois recuou, alertado por Jucá da proibição legal.

Poder de Renan incomoda até PMDB

Na mesma entrevista, causou incômodo a defesa feita por Renan a mudanças no projeto que regulamenta a terceirização das empresas. Colegas de partido consideraram uma "precipitação", porque o texto nem havia sido aprovado na Câmara e o assunto não foi discutido na bancada. Uma das principais reclamações é que o presidente do Senado toma decisões e anuncia posições sem consultar a bancada.

Renan é definido por um amigo como "o mais profissional e frio de todos os políticos". Para alguns, age de forma "ciclotímica". Às vezes, é difícil prever se conduzirá uma votação atendendo aos interesses do governo ou não. Segundo diagnóstico de parlamentares do PMDB, atua para ampliar a força do Congresso, de olho na tutela da presidente e - principalmente - na consolidação do próprio poder político.

Recentemente, após um afastamento, o senador disse a aliados estar em um processo de "DR dupla" (discussão da relação com Dilma Rousseff). As últimas conversas não foram boas. Em uma delas, negou-se a apoiar a saída de Vinícius Lages do Ministério do Turismo e sua nomeação para outro cargo. E mostrou resistência no Senado à indicação do jurista Luiz Edson Fachin para o Supremo Tribunal Federal (STF). Ele estaria "azedo", porque suas posições foram desconsideradas.

No caso de Lages, aliados avaliam que Renan "esticou a corda demais". A vaga era da Câmara e o ex-presidente Henrique Alves (PMDB) sempre foi a opção de Dilma. A resistência de Renan causou desgaste ao ex-deputado.

No caso de Fachin, os senadores concordam com a previsão de dificuldades para aprovação no Senado. Renan alertou a presidente de que qualquer nome com "DNA petista" enfrentaria resistência. Mais do que o apoio a Dilma na campanha de 2010, as ligações do jurista com o MST são vistas com desconfiança entre os senadores, apesar do apoio do tucano Álvaro Dias (PR), relator da indicação. Renan sugeriu Bruno Dantas, ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) ligado a ele. A favor de Dantas contaria a proximidade com o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski. Foi considerado um bom nome, mas para o futuro.

Num Senado sem líder do governo, que pudesse conduzir as negociações em nome do governo, com credenciais e força política, Renan é o dono da pauta e dos acordos. Um risco ao Planalto. A sorte de Dilma é que não há projetos polêmicos de interesse do governo na pauta.

Senadores da base reclamam da "total desarrumação e descoordenação" na tramitação dos projetos e cobram de Dilma rapidez na escolha do líder, que deve ser do PT, já que o PMDB ganhou a coordenação política - para Temer.

Houve dia em que seis ministros passaram pelo gabinete da presidência do Senado. Joaquim Levy (Fazenda) foi o mais frequente. Na quarta-feira, no entanto, Renan não o recebeu. Levy estava na Câmara e queria ir ao Senado conversar sobre o projeto de José Serra (PSDB-SP), que libera aos entes federados sacar recursos de depósitos judiciais. Está preocupado com o impacto nos bancos oficiais.

Renan fizera defesa entusiasmada da proposta e queria incluí-la como emenda ao projeto que trata da mudança do indexador da dívida de Estados e municípios com a União, que estava na pauta de votação. Aliados atribuíram a pressa à intenção de beneficiar o filho, o governador de Alagoas, Renan Filho.

O presidente do Senado também estava contra outra ideia de Levy: deixar em aberto o prazo para a entrada em vigor do novo indexador das dívidas. Pelo acordo inicial, a nova regra passa a vigorar em 1º de fevereiro de 2016. Não vingou a tentativa de senadores do PT de deixar no texto que a vigência seria a partir desta data.

A votação do projeto do indexador acabou adiada, numa condução de Renan criticada por colegas. Isso porque Marta Suplicy (PT-SP), a relatora, havia manifestado posição favorável ao cumprimento imediato da mudança do indexador, mas não estava presente. Designado relator de plenário, Walter Pinheiro (PT-BA) costurou um texto retomando o acordo com Levy, para deixar a vigência para fevereiro de 2016. Mas Renan adiou, alegando falta de acordo.

Uma das próximas medidas previstas por Renan é a votação de uma proposta de emenda constitucional (PEC) do líder do PMDB, Eunício Oliveira (CE), que dá prazo para o governo indicar integrantes das agências reguladoras. Se não o fizer, o Congresso chama para si a responsabilidade de indicar. Seria uma tramitação demorada, mas não deixaria de ser pressão política contra Dilma.

Renan diz a aliados que não quer aumentar a cumplicidade com o governo. Para eles, no entanto, isso não significa necessariamente dificuldades para Dilma no Senado. Todos concordam que Renan pode ter comportamento incerto, mas seu bom humor em relação a Dilma será proporcional à popularidade dela.

Raquel Ulhôa é repórter de Política em Brasília. Escreve mensalmente às sextas-feiras

E-mail: raquel.ulhoa@valor.com.br