O globo, n. 29876, 25/05/2015. Rio, p. 6

Oito vítimas em oito dias

RENAN FRANÇA, GABRIEL ROSA E GUSTAVO SCHMITT

Em domingo marcado por protesto na Lagoa, cidade tem mais uma pessoa esfaqueada

O compositor Josué Clementino da Silva, parceiro de Bezerra da Silva e conhecido como Naval, de 55 anos, foi esfaqueado ontem de manhã, no braço esquerdo, ao reagir a um assalto dentro de um ônibus da linha 378 (Marechal Hermes-Centro), quando o veículo passava próximo à Catedral Metropolitana. Ele é a oitava vítima desse tipo de crime no Rio em apenas oito dias. Naval foi atingido depois de lutar com o assaltante, que fugiu e acabou sendo preso pela polícia dentro de outro ônibus. Ontem de manhã, cerca de 500 pessoas participaram, na orla da Lagoa, de um protesto contra a violência. Era para ser mais uma viagem tranquila entre sua casa, em Marechal Hermes, e o seu escritório, no Centro do Rio. No entanto, quando o ônibus da linha 378 ( Marechal Hermes - Centro) estava a poucos metros do ponto final, na Avenida República do Paraguai, o músico Josué Clementino da Silva, conhecido como Naval, de 55 anos, tornou-se a mais recente vítima de ataques com facas na cidade. O caso, ocorrido na manhã de ontem, é o oitavo episódio registrado em apenas oito dias.

FABIO ROSSIProtesto. Cerca de 500 pessoas, entre ciclistas, parentes e amigos de vítimas da violência fazem ato pelo segundo dia seguido no entorno da Lagoa pedindo mais segurança

Segundo o relato da vítima, o crime aconteceu na altura da Catedral Metropolitana. O músico conta que, assim que ouviu a ordem para entregar os pertences, tentou dominar o assaltante. Ele diz que conseguiu desarmar e ferir o bandido, mas que também acabou atingido pela faca no braço esquerdo enquanto lutava.

— Assim que o ônibus parou próximo ao ponto final, o bandido saiu correndo. Eu tentei correr atrás dele e vi uma patrulha da PM. Fiz sinal e os policiais me mandaram entrar na viatura para caçá-lo — contou Naval. — Um outro carro que fazia ronda na região o encontrou já dentro de outro coletivo. Chegamos até o local e eu o reconheci.

O caso foi registrado na 5ª DP (Mem de Sá). De acordo com o delegado Marcelo Carregosa, o bandido é Wanderson Barbosa, de 34 anos, um morador de Cordovil que não tinha antecedentes criminais. A faca usada durante a tentativa de assalto foi apreendida. Naval foi levado para o Hospital Souza Aguiar, onde foi medicado e recebeu um coquetel anti-HIV, já que a mesma faca que o atingiu também feriu o bandido.

Autor de quase 380 canções entre sambas e músicas de MPB gravadas por nomes como Bezerra da Silva, Fagner e Elba Ramalho, Naval estava a caminho do escritório onde trabalha em um projeto contra a violência de torcidas organizadas de futebol.

— Ninguém está livre do que ocorreu. Na semana passada foi o médico na Lagoa, os números vão inflando, mas a situação permanece a mesma — criticou o músico.

O apelido ele ganhou logo depois que deixou a Marinha, onde permaneceu por nove anos como fuzileiro. Foi nos tempos como militar que, segundo ele, aprendeu técnicas de defesa pessoal que o ajudaram a desarmar o bandido que tentou assaltá-lo.

— Sei que a gente deve evitar reagir a um assalto, mas acabei agindo por impulso — reconhece.

DIA DE PROTESTOS NA LAGOA

Sétima vítima de ataques a faca na cidade na última semana, o fuzileiro naval Alexandre Lima Ribeiro continua internado no Hospital Naval Marcílio Dias, no Lins. Ele foi atacado na última sexta- feira por três homens na Rua da Igrejinha, em São Cristóvão. Até agora, nenhum suspeito foi preso. O delegado Mario Luiz da Silva, titular da 17 ª DP ( São Cristóvão), aguarda a alta médica de Alexandre para que ele possa tentar reconhecer suspeitos. A Marinha não divulgou o estado de saúde do fuzileiro.

Pelo segundo dia seguido, moradores, ciclistas e parentes de vítimas da violência se reuniram ontem em mais uma manifestação pela paz na Lagoa. O ato, que reuniu cerca de 500 pessoas, foi marcado pelas homenagens ao médico Jaime Gold, morto na quartafeira, após ser esfaqueado enquanto pedalava. Vestidos de preto, os manifestantes se encontraram por volta de 10h na altura do Clube Caiçaras e saíram em passeata. Às 12h, o grupo chegou a interditar uma faixa de rolamento da Avenida Epitácio Pessoa, no local onde o cardiologista foi atacado, na altura da Curva do Calombo, na pista sentido Corte do Cantagalo. O grupo exibia faixas em prol da paz no Rio e distribuía adesivos com os dizeres: “Eu sou Jaime”.

Entre os manifestantes que acompanharam o cortejo, estavam presentes Carlos Santiago, pai da adolescente Gabriela Prado, morta em 2003, vítima de uma bala perdida durante tiroteio entre policiais e assaltantes na estação São Francisco Xavier ; e Andrei e Mausy Schomaker, pais de Alex Schomaker Bastos, morto no início do ano após assalto em ponto de ônibus em Botafogo.

— Queremos demonstrar nossa indignação. As pessoas precisam sair às ruas em nome de uma mudança pela paz na sociedade — disse Mausy.

DESCRÉDITO NAS AUTORIDADES

Em reportagem exibida ontem à noite, o “Fantástico”, da TV Globo, falou com Jorge Felipe Mendonça de Leão, o lojista que costumava atender o cardiologista Jaime Gold na loja de bicicletas que o médico frequentava. Na conversa, o próprio Jorge contou que já foi vítima de um assalto em outubro do ano passado, no Aterro do Flamengo. Na ocasião, ele levou três facadas, e mais uma quando o assaltante percebeu que ele ainda estava vivo.

O pesquisador Paulo Storani, do Instituto Universitário de Políticas Públicas e Ciências Políticas da Universidade Candido Mendes, afirma que uma série de fatores levou a este panorama:

— Há um descrédito total nas autoridades públicas, aliado a um sistema de justiça criminal que não previne crimes, e uma lei permissiva que não pune devidamente menores infratores. Nesta onda de violência, os criminosos continuam atacando suas vítimas, mesmo após tirarem sua capacidade de reação. Isto acontece por conta da crença na impunidade.