O globo, n. 29876, 25/05/2015. Opinião, p. 14

Tema em discussão: Criação de municípios

 

____ Nossa opinião

Farra emancipacionista

A realidade orçamentária dos municípios criados é argumento definitivo contra a emancipação

Anuncia-se para os próximos dias mais uma marcha de prefeitos. É o convescote anual que reúne em Brasília o lobby de chefes do Executivo municipal em torno do invariável objetivo de tentar tirar mais verbas da União. Em geral, para equacionar uma conta que não fecha — aquela em que, na confrontação entre orçamento e gastos públicos, não raro incompatíveis com a realidade administrativa, o caixa das prefeituras sempre leva a pior.

Como nos outros anos, esta 18ª edição da chamada Marcha a Brasília em Defesa dos Municípios tem um mantra explícito: a pressão para destravar o projeto de redistribuição dos royalties do petróleo, questão na órbita do STF. Mas outro tema, desta vez aparentemente não declarado, invariavelmente embala esses atos de constrangimento — a criação de novos municípios. O recente (e correto) veto da presidente Dilma à última investida emancipacionista via Congresso, no fim do ano passado, é combustível para essas manifestações.

A redivisão municipal do país foi uma das demandas reprimidas que a Carta de 88 procurou resolver. Mas, a um primeiro momento de necessária acomodação territorial, seguiuse um período de explosão emancipacionista que, em sua grande maioria, não mais tinha a ver com ajustes administrativos. Dizia respeito a interesses cartoriais ou clientelistas, estimulando a criação de currais eleitorais, à custa de enormes gastos públicos, de tal forma que alguns anos depois se criou uma barreira constitucional contra a farra. Desde então, o lobby municipalista tentou derrubar no Congresso esse limitador, o último deles vetado em dezembro.

A realidade administrativa e orçamentária da maioria dos municípios desmembrados é argumento definitivo contra o emancipacionismo indiscriminado. O orçamento de no mínimo 90% deles depende diretamente de repasses do Fundo de Participação dos Municípios. Como fator adjacente, o desmembramento de cidades implica a reprodução, neles, de praticamente toda a estrutura político- administrativa dos demais entes federativos (Câmaras legislativas, secretarias, organismos públicos em geral e a consequente contratação de pessoal — leia-se, inchaço de gastos com pagamento de vencimentos).

E também é falso o argumento de que a criação de novos municípios não aumenta despesas públicas. Por exemplo, como decorrência de pressões no auge do movimento de 2014 pela flexibilização das regras de desmembramento, o Senado aprovou a elevação do percentual dos recursos do FPM — com reflexos óbvios no caixa da União. E, ainda que, em tempos de ajuste, novas bondades sejam congeladas, multiplicar o número de municípios beneficiados pelo Fundo, além de não viabilizar economicamente os novos entes, reduz o valor das cotas destinadas aos já existentes, agravando-lhes os déficits orçamentários. Em tudo, trata-se de farra contraproducente.

 

____ Outra opinião

Dividir para aproximar

PAULO ZIULKOSKI

Estudos comprovam que todas as comunidades emancipadas tiveram crescimento considerável

Aqueles que têm visão minúscula dirão imediatamente que a criação de municípios é uma farra com dinheiro público, pois mais municípios significa mais cargos públicos, maiores despesas e maior desperdício de recursos.

Estas posições demonstram o total desconhecimento das realidades nacionais. Em primeiro lugar, a criação de um novo município representa a presença de serviços públicos em comunidades onde normalmente eles não chegam.

Estudos realizados pela CNM comprovam que todas as comunidades emancipadas tiveram desenvolvimento considerável imediatamente à emancipação, pois ela significa no mínimo o surgimento de uma escola pública, um posto de saúde, uma creche, uma agência bancária e ligação às redes de comunicação.

A proximidade dos governos gera o progresso e fomenta desenvolvimento. E não aumenta despesas, pois o fundo que reparte os tributos é o mesmo, não aumenta, não é majorado porque novos municípios foram criados. Não se criam ou majoram novos tributos porque novos municípios passaram a existir.

Se, no entanto, os que são contra a divisão territorial se insurgirem com base na criação de novas estruturas de governo, temos que concordar pois efetivamente isto acontece. Não porque os gestores dos novos entes assim o queiram, mas porque a legislação existente e os procedimentos das demais esferas de poder assim o impõem. Os ministérios não repassam recursos se os municípios não tiverem secretarias correspondentes em pleno funcionamento. Isto, sim, obriga a ampliação desnecessária da máquina governamental.

A CNM não é contra a criação de novos municípios e o faz com base nas experiências internacionais que comprovam que o desmembramento do poder traz benefícios ao povo, porque aproxima os serviços públicos e as estruturas de governo da população. A Espanha tem mais de 8 mil municípios; Portugal, 3 mil; a França, aproximadamente 33 mil. Ocorre que os municípios desses países se organizam de acordo com as necessidades de suas populações e suas estruturas administrativas são do tamanho dos seus problemas e necessidades.

A imensidão do nosso território precisa que mais municípios sejam criados. Mas efetivamente onde eles são necessários e onde sua existência venha beneficiar as populações. Para tanto é fundamental a elaboração de legislação adequada, resultante de estudos técnicos da realidade das diversas regiões e da compatibilidade entre ações governamentais e fomento ao desenvolvimento como fonte geradora de emprego e renda, e supridora de vulnerabilidades que possibilitarão ao Estado brasileiro superar as imensas desigualdades no trato dos seus cidadãos.