Criar um partido é coisa para profissional. O pretenso “dono” de uma legenda deve se apoiar em um especialista que conheça os detalhes da lei e tenha na cabeça cálculos como o de que uma pessoa consegue 60 assinaturas por dia. Para se apoiar num profissional, o futuro dirigente deve ter, pelo menos, entre R$ 300 mil e R$ 400 mil para os honorários. A fórmula é do advogado Marcílio Duarte, que se tornou um especialista na criação de siglas partidárias. Tirou sete do papel nos últimos 30 anos: PTR, PST, Prona, PTN, PGT, PSL e Solidariedade (SD). Atualmente, trabalha para viabilizar a oitava.
A rapidez para obter o registro vai depender do dinheiro “investido”. Como a legislação exige a coleta de 484 mil assinaturas de apoio ao futuro partido, o número de pessoas contratadas para a tarefa vai determinar o tempo para concluir o recolhimento. Cem pessoas conseguem em 80 dias. Dez indivíduos vão penar 800 dias, calcula Duarte.
— Essa pessoa que recolhe assinaturas tem que ganhar, porque ela vai ter que se alimentar, se deslocar, parar de trabalhar — ensina o advogado, embora diga ter trabalhado de graça “por amizade” para a maioria dos partidos que ajudou a criar. — Só cobrei do Dorival Abreu, que me deu um avião para viajar pelo Brasil, para fazer o PTN, e dos Tuma, para fazer o PSL.

O especialista. Advogado, Marcílio Duarte tem a receita para criar siglas - Michel Filho / MICHEL FILHO
O médico Rogério Tuma, filho do ex-senador Romeu Tuma, morto em 2010, confirma que procurou Duarte no começo dos anos 1990 para formalizar o PSL:
— Ele aproveitava as viagens que estava fazendo para criar um outro partido e também cuidava das coisas do nosso.
O custo e as dificuldades do processo não são maiores do que as recompensas oferecidas pelo Fundo Partidário, que destina às siglas que conseguem o registro uma parcela do Orçamento da União. Este ano, essa verba foi triplicada em relação a 2014 e deve chegar a R$ 867 milhões. Como revelou O GLOBO no domingo, 17 dos 32 partidos do país têm nos recursos públicos 90% do que arrecadam para bancar sua estrutura. Só este ano, esse estímulo foi reduzido: novos partidos não terão mais acesso automático ao fundo, apenas depois de elegerem representantes no Legislativo.
Mesmo dominando a burocracia partidária, Duarte nunca teve sucesso nas urnas. Apesar de concorrer desde a década de 80, só conseguiu se eleger vereador em Mairinque (SP), em 1992. Em 2014, quando concorreu pelo Solidariedade, recebeu R$ 600 mil dos R$ 626 mil gastos na campanha da direção nacional da legenda. Mesmo assim, diz ter se decepcionado com os rumos ideológicos do partido. Por isso, tem se dedicado a viabilizar o Partido da Integração Social e Cidadania (PISC).
Mobilizações que colhem assinaturas pelo país podem fazer o número de partidos no Brasil saltar de 32 para cerca de 50 se forem bem-sucedidas. Tramitam hoje no TSE processos de quatro novas legendas: o Partido Novo, o da Mulher Brasileira (PMB), o Liberal (PL), o do Servidor Público e Privado (PSPP).
Também está na fila a recriação do Partido da Reedificação da Ordem Nacional (Prona), que catapultou para a Câmara o ex-deputado campeão de votos por São Paulo, Enéas Carneiro, morto em 2007. O autor do projeto, Marcelo Vivório, já tem 250 mil assinaturas. Ele diz que a legenda manterá o perfil de direita, mas será mais flexível em relação a temas como aborto, gays e maioridade penal. Para fugir do rótulo de partido de aluguel, Vivório diz que o novo Prona terá um conselho para “avaliar candidaturas”.
— Dr. Enéas é um líder insubstituível. Vamos buscar as lutas deixadas por ele — diz Vivório, que já passou por PRTB e PTN.
Outra sigla em construção é a Rede Sustentabilidade, de Marina Silva. Em 2013, Marcílio Duarte ofereceu ajuda à ex-senadora para formalizar o partido, mas ela não aceitou. Marina começou a coletar assinaturas em fevereiro, mas teve o registro negado pelo TSE seis meses depois por falta de comprovação de todas as assinaturas. Na mesma época, Duarte viabilizou o Solidariedade (SD) em apenas oito meses.
Se Duarte conseguiu, militantes da Rede dizem que Marina falhou justamente porque tentou criar o partido sem recorrer a profissionais.
— Não contratamos empresa para coletar assinatura, que é o padrão no mercado. Fizemos tudo na base da militância, que é a opção correta. Foi uma ação cívica. Mas o problema foram os cartórios — diz Bazileu Margarido, porta-voz da Rede, que ainda redefine a reapresentação do pedido de registro ao TSE.