Descalabro fiscal atinge 8 em cada 10 municípios do País

Roberta Pennafort

Vinicius Neder

 

Oito em cada dez municípios brasileiros estão em situação fiscal difícil ou crítica, mostra levantamento da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan) divulgado ontem. O Índice Firjan de Gestão Fiscal (IFGF) 2013, que leva em conta itens como investimentos e capacidade de geração própria de receita, teve o pior resultado desde o início da série histórica, em 2006. A queda em relação a 2012 foi de 10,5%, a maior desde 2009, quando a crise internacional de 2008 abalou as contas públicas.

O grande vilão da gestão das prefeituras é o gasto com pessoal. Segundo a pesquisa, 15,2% delas descumprem a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e usam mais do que 60% das receitas com a folha de pagamento do funcionalismo municipal.

A Firjan analisou as contas de 5.243 das 5.570 cidades do País - 324 não forneceram informações confiáveis; uma foi criada em 2013, mas não prestou contas porque seu primeiro prefeito foi cassado; e duas (Brasília e Fernando de Noronha) não têm prefeituras. Os dados são de 2013, e o cenário deve ter piorado ainda mais em 2014, ano de forte deterioração das finanças públicas. "O problema fiscal brasileiro, que vimos em âmbito federal em 2014, é também um problema municipal", disse o gerente de Estudos Econômicos da Firjan, Guilherme Mercês.

O IFGF vai de 0 a 1, sendo 1 a maior nota. Em todo o País, só 18 prefeituras têm gestões de excelência - em 2012, eram 74 com índice acima de 0,8. É o menor número desde 2006. Outras 808 (15,4% do total) têm gestão boa, com notas entre 0,6 e 0,8, enquanto 84,2% têm nota abaixo de 0,6 e são classificadas nos conceitos C (gestão em dificuldade) e D (gestão crítica).

Extremos. O Nordeste tem os municípios mais mal geridos do País: as dez cidades com pior desempenho são na região - na Paraíba (cinco cidades), Bahia (três, entre elas a pior do Brasil, Barro Preto), Sergipe (uma) e Ceará (uma). Pela avaliação da Firjan, 96,5% dos municípios nordestinos estão em situação fiscal difícil ou crítica e um terço desobedece à LRF.

Já no topo do ranking da gestão fiscal, estão as vizinhas Conceição do Mato Dentro (MG) e Alvorada de Minas (MG), e Gramado (RS), todas cidades pequenas com economia movimentada. Os dois municípios mineiros abrigam o projeto Minas-Rio, maior mineroduto de ferro do mundo, e a cidade gaúcha tem forte fluxo de turistas.

Os maus resultados generalizados no IFGF 2013 são explicados por um quadro negativo e estrutural das finanças de cidades, Estados e União nos últimos anos: a receita cai, seja por causa da desaceleração do crescimento da economia, seja pelas desonerações fiscais que tentaram animar a atividade econômica nos anos de crise, mas os gastos obrigatórios seguem em crescimento vegetativo. Nas prefeituras, as despesas com o funcionalismo têm o maior peso no orçamento obrigatório.

"O índice de 2013 foi determinado pelo binômio aumento dos gastos com pessoal e queda nos investimentos", disse Mercês.

Restos a pagar. A resposta dos prefeitos para o desequilíbrio entre receitas e despesas é a diminuição dos investimentos em educação, saúde e infraestrutura. Outra saída é empurrar despesas de um ano para serem pagas no exercício seguinte, deixando obrigações nos chamados restos a pagar. Conforme a Firjan, despesas ainda a serem pagas somaram R$ 31,6 bilhões em 2013, ante R$ 18,6 bilhões em 2006 (valor atualizado pela inflação). De 2006 a 2013, houve alta todos os anos, acumulando aumento real de 70,3%.

Na maioria dos municípios, sobretudo os mais pobres, há forte dependência de repasses federais e estaduais: 83% das prefeituras não geram nem 20% de suas receitas, e o quadro se mantém estanque desde 2010. Os dispêndios com investimentos caíram 67,9% em relação a 2012.

O economista Mansueto Almeida avalia que a dificuldade de arrecadação está associada à falta de "base econômica" nos municípios. Prefeituras de cidades muito pequenas em regiões pobres convivem com negócios de baixa lucratividade, dificultando a arrecadação do ISS, cobrado de estabelecimentos comerciais, e do IPTU, os principais impostos recolhidos em âmbito municipal.

Baseado em números fornecidos pelas prefeituras à Secretaria do Tesouro Nacional, o IFGF tem cinco componentes: receita própria do município, gastos com pessoal, investimentos, custo da dívida de longo prazo e liquidez (suficiência de caixa).