Câmara frustra Planalto e adia reoneração

Ricardo Della Coletta

 

O governo prometeu ontem liberar emendas, acelerar o preenchimento de cargos no segundo escalão e avalizar propostas de interesse dos partidos aliados. Mas a engenharia política montada pela articulação do Palácio do Planalto não foi suficiente para garantir a votação do projeto de lei que revê a política de desoneração da folha salarial.

A expectativa era de que a deliberação da proposta ocorresse ontem pelo plenário da Câmara, mas as manifestações de repúdio dos deputados com as notícias de que uma comitiva de senadores brasileiros foi hostilizada na Venezuela tomou conta dos debates e bloqueou qualquer votação. O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), anunciou que colocará a proposta que aumenta o recolhimento das empresas em pauta na quarta-feira, mas, por causa das festas de São João, quando o quórum no Legislativo é reduzido, muitos deputados apostam em novo adiamento. No Ministério da Fazenda, a notícia foi recebida como “um balde d’água fria”: não será mais possível sancionar a proposta até 30 de junho e, por conta da noventena que precisa ser respeitada, o ministro Joaquim Levy só começará a arrecadar com base na medida a partir de novembro.

O adiamento foi lamentado também porque o Planalto atendeu aos pedidos da base para garantir a aprovação. Pela manhã, o vice-presidente Michel Temer e o ministro da Aviação Civil, Eliseu Padilha, asseguraram que uma portaria deverá ser editada em breve para que deputados de primeiro mandato possam receber emendas parlamentares. Além do mais, o governo reafirmou aos congressistas que haverá repasse de emendas neste ano, na ordem de R$ 5 bilhões, entre os chamados restos a pagar e verbas do Orçamento de 2015. O próprio Padilha fez questão de anunciar o benefício em conversa com jornalistas: “Tanto os parlamentares novos quanto os deputados reeleitos terão direito às emendas”, afirmou o ministro.

Pressão

O governo também tem intensificado nos últimos dias as negociações sobre os postos do segundo escalão. Uma das modificações dadas como certas é a troca de uma das diretorias - hoje sob influência do deputado Hugo Leal (PROS-RJ) - da Companhia Docas do Rio de Janeiro. O posto é reivindicado pela bancada peemedebista, que nas últimas semanas já conseguiu emplacar Alexandre Gadelha como diretor-presidente da estatal.

O PMDB também pressionava para desalojar um indicado do presidente do PDT, Carlos Lupi, de outro posto na companhia, mas o Planalto preferiu não atender a esse pleito para evitar um tensionamento com um aliado que se rebelou durante as votações do ajuste.

Em outra frente para acalmar o PMDB, principalmente Cunha, o Planalto prometeu sancionar alguns dos “jabutis” constantes na MP 668, cujo teor principal são alíquotas de tributos sobre importações. Uma das inclusões feitas pelos deputados sem relação com o tema da MP dá isenção previdenciária para igrejas.

O governo acenou ainda a deputados que ameaçavam liderar rebeliões nas bancadas contra o relatório do projeto que revê as desonerações, elaborado pelo líder do PMDB, Leonardo Picciani (RJ). Um dos alvos foi o peemedebista Leonardo Quintão (MG), que era contra a abertura de qualquer exceção na reoneração da folha. Ele acertou o compromisso de que o Planalto vai reenviar na forma de projeto itens vetados na MP 661 e Quintão amenizou as críticas.

 

Líder do governo culpa oposição por atraso

 

O líder do governo na Câmara dos Deputados, José Guimarães (PT-CE), culpou ontem, 18, a oposição e a “falta de sorte” pelo adiamento da votação do projeto que revê a política de desoneração da folha de pagamento.

“Usaram infelizmente a pobre da Venezuela para não votar”, afirmou o petista em referência ao incidente envolvendo uma comitiva de senadores brasileiros que viajou ontem para Caracas com o objetivo de se reunir com opositores do governo do presidente venezuelano Nicolás Maduro.

Guimarães lembrou que o adiamento para a próxima semana traz impacto para o governo e admitiu que dificilmente o projeto de lei será votado até o fim do mês. “É claro que é um prejuízo para o País, não é uma boa sinalização, mas as condições normais de temperatura e pressão não permitiram a votação hoje (ontem, 18).”

A equipe econômica contava com a vigência da lei em 1.º de outubro, mas com o atraso na aprovação da medida, a incidência ficará para novembro. “Não deu, não adianta ficar chorando o leite derramado aqui”, disse o líder do governo.

O projeto está programado para ser analisado na próxima quarta-feira, 24, mas o temor é de que não haja quórum por causa das festas juninas no Nordeste. Segundo Guimarães, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), se comprometeu a abrir sessão até na sexta-feira da semana que vem, se for necessário. A missão do governo, agora, será convencer os parlamentares a abandonar as festas de São João em suas bases eleitorais.