Dízimo partidário
Além da forte dependência do Fundo Partidário, a maior parte das legendas no Brasil recorre a uma outra forma de arrecadar mais recursos públicos, ainda que indiretamente e em volume bem menor. É a cobrança de uma espécie de dízimo dos ocupantes de cargos eletivos ou indicados políticos para posições de confiança nos governos.
No estatuto de 25 dos 32 partidos registrados no país, a doação de filiados em cargos comissionados ou de confiança consta como obrigatória — ou como dever do filiado, sujeito a sanções. O percentual de contribuição varia de 1% a 10% da remuneração bruta ou líquida para os comissionados; incluindo os políticos eleitos, o percentual chega a 11%. São exceção apenas PSD, PPL, PSL, PCB, PCO, PSTU e PTN. Já a orientação para que políticos eleitos destinem parte de seus salários aos partidos está nas regras de todos eles.
A falta de clareza do Tribunal Superior Eleitoral sobre a prática cria uma zona cinzenta, aproveitada pelas legendas. Em 2008, o TSE proibiu a doação de funcionários em cargos comissionados a partidos políticos. Uma decisão recente contestou a contribuição de “autoridades públicas”, mas não definiu exatamente o que é uma “autoridade”. Segundo a Lei dos Partidos Políticos, estes não podem receber contribuição de “autoridade ou órgãos públicos”, a não ser via Fundo Partidário, fatia do Orçamento que vai para o custeio das máquinas partidárias. Como O GLOBO revelou ontem, 17 dos 32 partidos do país têm no fundo mais de 90% de suas receitas.
Em um resolução de 2014, o TSE tentou definir o termo “autoridade”: “aqueles, filiados ou não a partidos políticos, que exerçam cargos de chefia ou direção na administração pública direta ou indireta”. Em 2012, o TSE considerou irregulares as doações de quatro funcionários comissionados filiados ao diretório do PSDB de Criciúma. Nesse caso, o problema, segundo a Corte, foi a forma de pagamento das doações, debitadas da folha de pagamento.
O desconto em folha aparece no estatuto de DEM, PSDB e PRP. Entre todos os partidos, o PSL é o único a proibi-lo por escrito. Em textos mais sutis, legendas como o PMDB preveem o pagamento da contribuição por “débito em conta-corrente”, matéria sobre a qual o TSE afirmou não ter posicionamento por nunca ter julgado caso concreto.
Para o advogado Marcelo Ribeiro, ex-ministro do TSE, é grave a contribuição compulsória de um funcionário comissionado. Segundo ele, seria uma forma usada pelos partidos para lucrar:
— A impressão é que você está financiando o partido com dinheiro público. Seria como se eu te colocasse lá para você me dar dinheiro. Se estiver determinado que isso é compulsório, aí acho uma coisa grave, mais no caso dos comissionados do que dos políticos. Parece que o partido ocupa um espaço governamental e depois usa aquilo pra ser financiado — diz o ex-ministro.
Em 2013, a ex-deputada estadual do PSOL Janira Rocha (RJ) foi acusada de obrigar funcionários de seu gabinete a entregar parcela dos salários para financiar atividades partidárias. Janira, que não se reelegeu em 2014, mas continua filiada ao PSOL, sempre negou as acusações: disse que havia colaboração voluntária de militantes do MTL, uma corrente do PSOL. No ano passado, a Comissão de Ética do PSOL arquivou a denúncia contra Janira.
— Se você faz parte de uma igreja, você vai pagar dízimo. Se você é de um movimento, também vai pagar uma contribuição. Só que no movimento é diferente, ninguém vai te obrigar — disse, na época, Janira, que não foi localizada até o fechamento desta edição.
Uma ex-funcionária do gabinete de Janira, que pede para não se identificar, diz que não era bem assim:
— Era escrachado. No dia em que a gente recebia o salário, uma assessora dela passava com uma bolsinha pegando o dinheiro em espécie. No início, a gente aceitava porque o dinheiro ia para o MTL. Depois, desconfiamos que ia para o bolso dela, que não se misturava mais com a gente. Todo mundo se revoltou.
Defensor da contribuição dos filiados com cargos públicos, o vereador Elton Teixeira, do PT de Queimados, na Baixada Fluminense, doa R$ 852,50 mensais, 11% de seus rendimentos líquidos, o teto estabelecido pelo partido para os eleitos. O vereador discorda que esse dinheiro seria uma segunda fonte de receita pública:
— Quando você se filia ao PT, você conhece as regras. Em todos os partidos que eu conheço há contribuição de cargos comissionados ou eletivos, porque a atividade partidária é cara.
No PSDB, a vereadora do Rio Teresa Bergher é contra a contribuição compulsória. Ela doa R$ 200 por mês, mas discorda da prática do partido. Ao contrário do que consta no estatuto, a tucana disse que paga por boleto bancário:
— Claro que ninguém gosta de pagar, né? É verdade que ninguém nunca me botou a faca no pescoço. O Fundo Partidário é bem gordinho, mas nunca soube para onde vai esse dinheiro.
— É uma “facadinha”, mas acho necessário. O partido tem despesas regulares que precisam ser custeadas.
Presidente nacional do PV — que cobra 10% do salário líquido dos políticos e 5% dos indicados pelo partido em cargos de confiança —, José Luiz Penna afirma que a doação não é obrigatória, mas um “compromisso político”:
— Criticar isso é penalizar antecipadamente por um possível ato de corrupção. Doação é bom para o partido, e, quando as pessoas não contribuem, elas se sentem descompromissadas.
No caso do PMDB, que faz o desconto em conta-corrente, o deputado estadual Edson Albertassi (RJ) disse considerar a contribuição justa, e afirmou que só quem tem mandato doa ao partido:
— Desde meu 1º dia de mandato, há 20 anos, contribuo com 5%. Acho justo. Se não for assim, o partido não tem vida.
Procurados pelo GLOBO para explicarem o débito em folha, o que o TSE proíbe, PSDB, DEM e PRP não responderam.
EM 2013, PT TEVE RECEITA RECORDE DE R$ 10 MILHÕES SÓ ENTRE SEUS FILIADOS
Com dinheiro fácil vindo dos cofres públicos, via Fundo Partidário, os partidos praticamente não contam com doações dos próprios filiados. Em 2013, de toda a receita partidária de R$ 546 milhões, só 2% (R$ 11,6 milhões) tiveram como fonte o bolso dos que militam em alguma agremiação. E isso porque, naquele ano, houve um fato expressivo: do total, R$ 10,1 milhões foram para o PT. A quantia surpreende, pois, em 2012, a sigla só obteve R$ 20 mil com os chamados militantes-padrão; em 2014, R$ 1 milhão.
Os R$ 10,1 milhões doados por filiados da sigla em 2013 são 10 vezes mais que a contribuição dos dirigentes, que, naquele ano, engrossaram o caixa petista com mais R$ 1 milhão. O GLOBO procurou a assessoria de imprensa do PT quarta-feira; foi orientado a enviar um e-mail com os questionamentos, o que foi feito no mesmo dia. Mas, até o fechamento da edição, a legenda não justificou por que há diferença tão grande entre um ano e outro na receita vinda dos militantes.
No item “Receita de Contribuições”, em 2013, o PT arrecadou R$ 15,8 milhões de seus parlamentares e de quem ocupa cargo executivo, e mais R$ 5,5 milhões de quem tem cargo de confiança. Em 2014, mais R$ 22,9 milhões.
Partidos como o PSDB, por exemplo, ou o PMDB, não registram contribuição de filiados. No caso dos tucanos, seus parlamentares deram R$ 175,9 mil. No PMDB, foram R$ 1,2 milhão. No PDT, com 19 deputados e 6 senadores, só três deles depositam regularmente uma parcela de seus salários para a legenda. Já o PSB contabilizou a doação de R$ 672 de filiados, em 2013.
PPL TEVE ALTA ADESÃO
Entre os pequenos partidos, o PPL — sem nenhum representante no Congresso — conseguiu amealhar R$ 492,8 mil com doação de filiados em 2013. Naquele ano, só perdeu para o PT. Superou siglas de esquerda que costumam passar o chapéu entre seus militantes, como o PSOL, que juntou R$ 270,5 mil com os simpatizantes. Ano passado, o PPL, com cerca de 16 mil filiados, juntou mais R$ 676,6 mil entre eles.
O secretário nacional de Comunicação do PPL, Miguel Manso, diz que há dois tipos de filiado: o de base, que contribui anualmente com R$ 15; e o dirigente, que doa, por mês, de 2% a 5% do rendimento mensal declarado.
Para o partido, os filiados de base são os militantes e eleitores que compactuam com a ideologia e os princípios do PPL. Entre os dirigentes há quem almeja cargo parlamentar, diretores dos escritórios municipais e pessoas ligadas ao Executivo e ao Legislativo. As cobranças, obrigatórias, são por boleto bancário.
— É uma luta inglória.
Em 2015, a legenda aposta em uma campanha de filiação que espalhou barracas por grandes cidades.