O globo, n. 29867, 16/05/2015. País, p. 3

Em busca do fator de equilíbrio

GERALDA DOCA
 

Dilma vetará mudança na aposentadoria para não prejudicar ajuste, mas estuda alternativa

Preocupado desde o início do primeiro governo Dilma Rousseff com o risco de o fator previdenciário ser derrubado pelo Congresso, o Ministério da Previdência já tem estudos com propostas alternativas para apresentar ao grupo de trabalho que vai tratar do assunto. Os documentos serão atualizados e novos cálculos de impacto estão sendo feitos. Nos estudos, são apresentados três cenários (ver tabela abaixo), todos mais rígidos que a regra aprovada na quartafeira, que praticamente extinguiu o fator previdenciário. O objetivo do governo é garantir que a idade e o tempo de contribuição aumentem progressivamente ao longo das próximas décadas.

Dilma vai vetar a mudança feita na aplicação do fator previdenciário não apenas pelo alto impacto nas contas públicas, mas para não ter que renegociar, na Câmara, medidas de ajuste fiscal já aprovadas após muitas concessões e negociações de cargos. Como as alterações para a aposentadoria foram feitas dentro da MP 664, se os senadores fizerem alguma mudança, mesmo que só a parte relacionada ao fator previdenciário, a medida provisória terá que voltar para a Câmara. Com isso, Dilma correrá o risco de ter que enfrentar nova negociação da MP com sua base aliada, além de correr o risco de ver a medida perder a eficácia. O texto que restringe a pensão por morte deixa de valer no dia 31.

De acordo com técnicos que participaram dos estudos, as alternativas foram desenhadas de forma a compensar as perdas para o regime de aposentadoria. Elas levam em conta a sustentabilidade do sistema no futuro, diante do envelhecimento da população (o universo de idosos acima de 60 anos será de 64 milhões em 2050, de acordo projeções); o aumento da expectativa de vida e a redução da taxa de fecundidade (as famílias estão tendo cada vez menos filhos, o que significa menos contribuintes).

A fixação de idade mínima seria uma alternativa, mas não necessariamente seria adotada, porque as soluções apresentadas já teriam um efeito próximo à aposentadoria por idade, de 60 anos (mulheres) e 65 anos (homens). Além disso, há forte resistências à idade mínima por parte das centrais sindicais porque ela penaliza quem entrou mais cedo no mercado de trabalho, como já ocorre com o fator, atualmente.

Os estudos aos quais o GLOBO teve acesso foram feitos pelo Ministério da Previdência em 2012, quando se discutia o fim do fator e ainda não foram divulgados porque a própria Dilma ordenou que o assunto fosse engavetado. Com a derrota na Câmara, a orientação é resgatá-los para subsidiar o fórum criado no fim de abril e para justificar o veto presidencial, caso o Senado aprove o texto da Câmara.

CENTRAIS SINDICAIS NÃO QUEREM RECUO

Além da mudança do fator em si, Dilma será aconselhada a vetar também a alteração na fórmula de cálculo da aposentadoria. Pelo texto aprovado pela Câmara, em vez de considerar 80% dos melhores salários de contribuição de 1994 para cá, serão computados 70%, o que aumenta o valor médio das contribuições e eleva o valor das aposentadorias por tempo de contribuição, por idade e por invalidez.

O governo enfrenta também a resistência das centrais sindicais, defensoras do fim do fator previdenciário. A Força Sindical disse estar disposta a participar do grupo de trabalho proposto por Dilma, desde que o Executivo assuma o compromisso de sancionar as novas regras.

— Depois disso, podemos discutir a regulamentação das medidas — diz Miguel Torres, presidente da Força.

A Central Única dos Trabalhadores ( CUT) também não vê espaço para recuo. Desde 2007, a CUT vinha discutindo alternativas ao pleito pelo fim do fator previdenciário.

— Governar é definir prioridades, e a deste governo deve ser o direito dos trabalhadores, e não o ajuste fiscal. Consideramos a medida justa para quem começa a trabalhar cedo — disse o presidente da CUT, Vagner Freitas.

( Colaboraram Simone Iglesias, Luiza Damé e Thiago Herdy)

 

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Um pileque cívico

FABIO GIAMBIAGI* * Economista, especialista em finanças públicas

Fernando Henrique Cardoso escreveu que “o Brasil precisa superar um traço de caráter irresponsável que no passado levou o país a parecer ingovernável”. A aprovação da emenda sobre o fator previdenciário na quarta-feira é desses exemplos emblemáticos do Brasil como um país profundamente irresponsável.

A despesa do INSS em 2015 deverá ser de 7,5% do PIB. Era 2,5% em 1988, quando foi sancionada a Constituição. O ato de irresponsabilidade da Câmara adicionará 0,6% do PIB a essa despesa, quando uma geração que se aposentou antes da medida for substituída pela que seria beneficiária. Alguém poderá alegar que não é muito. Entretanto, cabe lembrar que, nos próximos 20 anos, a população de 60 anos ou mais crescerá 3,5% ao ano. Nesse mesmo período, a população em idade de trabalhar aumentará 0,3% ao ano. Isso significa que provavelmente o PIB crescerá menos que o número de aposentados, elevando a relação entre as despesas do INSS e o PIB. Ou seja: a uma situação já complicada — resultante do fato de que o número de aposentados crescerá acima da economia —, adicionamos, do nada, um problema a mais, porque o valor da aposentadoria média vai aumentar. Uma geração aposentada por tempo de contribuição será substituída ao longo do tempo por outra que, pela generosidade dos deputados, irá custar 26% mais.

O que a Câmara aprovou fará com que, no futuro, uma mulher que tenha começado a contribuir aos 18 anos possa se aposentar aos 51 com aposentadoria integral. Quem fizer isso não estará errado. O que está errado é o Brasil. Vivemos em um país que tem um déficit público de 7% do PIB, um enorme desafio previdenciário pela frente e cujo Congresso acaba de aprovar uma medida que fará o peso das aposentadorias ser cada vez maior. Trata-se de um pileque cívico.

Desequilíbrios fiscais agudos são obra de décadas. Não se chega a uma situação como a da Grécia hoje pela irresponsabilidade de um governo, e, sim, pela ação coletiva ao longo de muitos anos. O Brasil foi irresponsável até os anos 80 e começou a entrar nos eixos nos anos 90. De uns anos para cá, saímos novamente da rota. O ato de ontem é uma contrarreforma. A Previdência é nosso lado grego. Espero que, se o Senado confirmar essa insensatez, a presidente vete. O problema não é ficarmos mais perto de um downgrade das agências de risco. O problema é que, se ele vier, teremos feito por merecer.