Pressão governista no congresso do PT

Correio braziliense, n. 19011, 14/06/2015. Política, p. 2

André Shalders

Atravessando a maior crise de sua história, o PT terminou ontem o 5º congresso nacional da legenda com decisões conservadoras tanto na linha política quanto na organização interna. A Carta de Salvador, como é chamado o documento final produzido no encontro, não traz críticas à política de ajuste fiscal que está sendo realizado pela equipe econômica da presidente Dilma. Uma emenda propondo o rompimento com o PMDB também foi rejeitada. Na organização interna, acabaram rejeitadas as propostas que pretendiam abolir o processo de eleição direta (PED) e convocar um Congresso Constituinte. A decisão garante a Rui Falcão a permanência na presidência até 2017. Alvo de vaias, Falcão aproveitou a fala final para defender o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto.

Algumas das emendas apresentadas não chegaram a ser votadas no Congresso, por falta de tempo. É o caso da decisão sobre doações de empresas, que será rediscutida pelo Diretório Nacional do partido. Desde o começo do ano, a direção nacional do PT não aceita doações empresariais, que continuam liberadas para os diretórios estaduais e municipais. Na prática, avaliam dirigentes, o PT só decidirá se recebe ou não doações de empresas depois de encerradas as votações da reforma política na Câmara e no Senado — ou seja, sabendo se os demais partidos abrirão mão ou não dessa fonte de recursos.

A corrente majoritária no partido, Construindo um Novo Brasil (CNB), do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e de Rui Falcão, também conseguiu derrotar no começo da tarde de ontem emendas que previam a convocação de um congresso constituinte em novembro, com a eleição de uma nova direção partidária, e o fim do processo de eleição direta (PED). Segundo críticos, o sistema do PED favorece grupos com poder econômico dentro do partido. A única derrota pessoal de Falcão foi a exclusão do trecho em que se previa a volta da CPMF, defendida por ele. As propostas eram defendidas pela ala Mensagem ao Partido e por outras correntes minoritárias do PT. “A proposta (...) visa cumprir e aprofundar o que Lula defendeu. É uma proposta voltada para a atualização programática do PT”, disse a deputada Maria do Rosário (RS), ao falar defender o Congresso Constituinte.

No plano político, a vitória foi do governo, que conseguiu rejeitar uma emenda que previa o fim da aliança com o PMDB, caracterizado como “sabotador”. Mesmo derrotada, a proposta deu ensejo para um grupo de militantes puxarem palavras de ordem contra o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Coube ao líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), falar contra o texto. Segundo ele, o objetivo, ao suprimir a emenda, não era defender o peemedebista, mas evitar que o governo sofresse ainda mais ao ficar isolado no Congresso.

“Caráter recessivo”

A Carta de Salvador também não trará críticas à política de ajuste fiscal conduzida pela equipe econômica de Dilma. Uma das emendas, assinada por 33 dos 63 deputados federais do PT, chamava o ajuste de “política de caráter recessivo”, com potencial para provocar “desaceleração econômica e desemprego”. A Central Única dos Trabalhadores (CUT) também apresentou um texto com duras críticas ao ajuste fiscal, que acabou derrotado. Nem mesmo a expressão “Alterar a política econômica…” foi aceita no texto final da tese, fruto de um acordo fechado entre as principais correntes petistas. A redação final diz apenas, de forma vaga, que o PT buscará conduzir a política econômica para a defesa do emprego, do crescimento econômico e dos direitos dos trabalhadores.

Ao fim do evento, Rui Falcão rebateu as críticas dizendo que o partido vai, sim, mudar. “A decisão de manter o PED não é a decisão de manter o PED como está. Numa reunião do diretório, vamos avaliar como dar mais organicidade ao PT, como fomentar mais debates”, afirmou ele. O Diretório Nacional do partido tem prazo de três meses para propor mudanças no PED.

Alvo de vaias no começo de seu discurso, Falcão aproveitou para falar mais uma vez em defesa do ex-tesoureiro João Vaccari Neto, que está preso em Curitiba desde 15 de abril. Ele é acusado de envolvimento com o esquema criminoso desmantelado pela OperaçãoLava-Jato. “Queria incorporar ao meu discurso uma solidariedade pública ao companheiro João Vaccari Neto, que foi preso injustamente, numa campanha nítida para tentar criminalizar o PT. Ele não fez nada além das orientações partidárias e das nossas diretrizes no que diz respeito à arrecadação financeira”, disse. “O Vaccari nunca se apropriou de um centavo em benefício próprio. Nunca cometeu nenhuma irregularidade, e está sendo incriminado porque o alvo é o nosso partido”, disse. Vaccari é acusado de corrupção passiva, associação criminosa e lavagem de dinheiro no esquema do petrolão.

Cunha diz que PMDB não repetirá aliança em 2018

O presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) disse que “dificilmente” o partido dele permanecerá com o PT nas eleições de 2018, e que “seguirá o seu caminho” a partir das próximas eleições nacionais. Afirmou, ainda, que tem “certeza” de um afastamento entre PT e PMDB em algumas capitais, já em 2016. Segundo ele, o “modelo” da aliança está “esgotado”. Em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo, garantiu ainda que há intenção, por parte do PT, de sabotar a atuação do vice-presidente da República, Michel Temer, como articulador político do governo, e deu um recado: “Qualquer tentativa de sabotagem do Michel acabará em rompimento”. Cunha também comentou as acusações de adversários sobre um suposto “autoritarismo” na condução das sessões da Câmara, dizendo que prefere ser “ditador” do que “frouxo”.

O que foi decidido

Boa parte das sugestões de mudanças na organização partidária acabou derrotada no Congresso do PT. Veja como ficou a Carta de Salvador aprovada ontem

Política econômica

Críticas ao ajuste fiscal foram suavizadas. Um texto apresentado por deputados do PT, por exemplo, falava em “políticas de caráter recessivo”, que provocariam “desaceleração econômica e desemprego”. Na versão final, fala-se apenas da necessidade de que a política econômica defendesse o emprego, o crescimento econômico e os direitos dos trabalhadores.

Fim do PED

Correntes do PT pleitearam o fim do processo de eleição direta (PED), que é como são eleitos os dirigentes petistas hoje, e a retomada do modelo congressual de eleição. A emenda foi derrotada

Congresso Constituinte em novembro

A maioria dos delegados rejeitou a emenda que previa a realização de um congresso em novembro, com o objetivo de alterar as regras internas do PT e eleger uma nova direção, em substituição à atual

Financiamento de empresas

A plenária final do congresso também rejeitou mudanças nas regras para doações de empresas. A corrente Articulação de Esquerda chegou a pedir que o tema fosse votado na plenária, mas perdeu. Hoje, apenas os diretórios estaduais e municipais do PT podem receber doações de empresas. O tema será discutido pelo Diretório Nacional.