Governo prejudica programa de desarmamento

 

Um país com elevados índices de violência deveria ter, entre as prioridades, o controle da posse e porte de armas. Mas no Brasil tem ocorrido o oposto, mesmo que, apenas em 2012, 42 mil pessoas tenham sido assassinadas a bala.

Com uma taxa média de homicídios de pouco mais de 20 casos por cada grupo de 100 mil habitantes — o dobro do índice a partir do qual a Organização Mundial de Saúde considera a violência endêmica —, o que existe no Brasil para coibir a banalização do uso de armas tem sido atacado no Congresso com persistência e método, um trabalho sistemático de desconstrução do Estatuto do Desarmamento.

Existem situações localizadas terríveis. O índice de cerca de 20 homicídios/100 mil é médio, mas, em Alagoas, por exemplo, ele ultrapassa os 60. E entre jovens, o número é bastante elevado, um aspecto trágico para um país com a população em processo de envelhecimento em aceleração. Além de todo o drama humano, a violência tem graves implicações demográficas e econômicas.

Preocupa que, além da ação da “bancada da bala” no Congresso — parlamentares contrários ao controle de armas, alguns deles financiados pela indústria do setor —, o próprio governo federal tenha passado a tratar do assunto com descaso. É o que se conclui da informação, do GLOBO de domingo passado, de que o governo eliminou, em 2014, a verba de publicidade para a divulgação da campanha de entrega voluntária de armas. O programa foi lançado com a aprovação do Estatuto do Desarmamento, em 2003. Com forte promoção, ele teve grande adesão, e logo índices de violência começaram a refletir a saída de armas de circulação.

Regiões com maior adesão passaram a ter menos homicídios e os hospitais da área, a atender menos pessoas com ferimentos causados por arma de fogo. O impacto positivo sobre a rede do SUS foi grande, em termos de menos recursos financeiros e materiais mobilizados para atender vítimas desse tipo de violência.

Estudos comprovam que manter armas em casa potencializa o risco de acidentes graves. Além de parte dessas armas terminar, cedo ou tarde, nas mãos de bandidos.

 

Mesmo assim, a verba de publicidade para estimular o desarmamento voluntário terminou cortada, e os resultados preocupam: no ano passado, foram entregues 16.565 peças, enquanto no anterior haviam sido descartadas 31.264. Foi o mais baixo movimento desde que a estatística começou a ser calculada, em 2011. E este ano, a se considerar as 3.683 armas entregues até abril, o número deve ser menor que o de 2014.

Não bastam apenas discursos políticos contra a “bancada da bala” ou a “agenda conservadora” que toma conta do Congresso. É preciso agir com medidas práticas. Uma delas, reativar a campanha pelo desarmamento.