Alerta ignorado

 

Conselheiros da Petrobras desconsideraram pedido para excluir Odebrecht de licitações

Vinicius Sassine

BRASÍLIA

 

A linha de frente do primeiro governo da presidente Dilma Rousseff no Conselho de Administração da Petrobras – Maria das Graças Foster, Miriam Belchior e Guido Mantega – desconsiderou pedidos de outros conselheiros para que a Odebrecht fosse excluída de novas licitações, quando as investigações da Operação Lava-Jato já apontavam fortes indícios de envolvimento das empreiteiras no esquema de desvios de recursos da estatal, entre elas, a própria Odebrecht. Áudio da reunião de 4 de novembro de 2014, obtido pelo GLOBO, mostra que o conselheiro Sérgio Quintella, presidente do comitê de auditoria da Petrobras, afirmou serem “evidentes os indícios de fraude” em contrato de R$ 825,6 milhões da Odebrecht para serviços de segurança em refinarias no exterior.

Conselheiros questionaram a então presidente da estatal, Graça Foster, sobre o fato de a empresa holandesa SBM Offshore ter sido impedida de participar de novas licitações e a Odebrecht, não. A SBM confessou o pagamento de propina a funcionários da estatal. A Odebrecht era investigada em procedimento interno em razão de um contrato de R$ 825,6 milhões para serviços em refinarias no exterior, assinado em 2010. A Petrobras e o Ministério Público já investigavam denúncias de pagamento de propina, um diretor da Área Internacional chegou a ser demitido, e Graça cortou o valor do contrato pela metade, como foi lembrado na reunião.

– Existe um processo, eu não sou advogada, peço ajuda aos advogados, existe um processo no Ministério Público decorrente da comissão interna. A Odebrecht tem um diretor com acusações do próprio Ministério Público, e isso está em curso. Por que punimos SBM e não punimos Odebrecht? É uma pergunta que eu não tenho elementos – disse Graça.

miriam: “todo mundo é inocente antes de prova”

Um conselheiro quis saber por que a comissão interna não resultou em sanções à empreiteira, “como nos outros casos”.

– Poderia, mas não foi feito. Quando olhamos o trabalho de auditoria, eu me lembro de muito mais questões sobre o comportamento da Petrobras frente a uma licitação do que a participação da própria Odebrecht. Nós permitimos muito mais, nós fomos muito menos precisos, nós deixamos caminhos abertos a serem preenchidos. Focamos muito mais (com o corte do contrato) em reduzir potenciais prejuízos da Petrobras – afirmou Graça.

Em uma de suas raras participações naquela reunião, que durou oito horas e meia, a então ministra do Planejamento, Miriam Belchior, saiu em defesa da Odebrecht:

– Uma coisa é a empresa admitir o que fez. A outra é ter indícios e não ter as provas que o Ministério Público está averiguando. Vou adotar a mesma penalidade para situações diferentes? Todo mundo é inocente antes de provas. Esse é um cuidado que a empresa tem de ter, independente de quem está do lado de lá, se é pequena, se é grande. A despeito de indícios fortíssimos, nós não temos provas cabais. Não tenho, graças a Deus, procuração para estar defendendo nenhuma empresa. A gente precisa ser cuidadoso, para ter as provas cabais, senão vamos fazer caça às bruxas.

O então ministro da Fazenda, Guido Mantega, que presidia o Conselho de Administração da estatal, limitou-se a perguntar à Graça se a comissão interna havia concluído que a Odebrecht cometeu irregularidades. A então presidente respondeu que não.

Representante dos funcionários no colegiado, o conselheiro Sílvio Sinedino defendeu a suspensão da empresa em novas licitações:

– A Petrobras pode se adiantar, sim. “Não vou convidar mais essa empresa, porque ela já quis me passar a perna em US$ 400 milhões”. Quem garante que não vai passar a perna em US$ 1 bilhão? Acho que não devemos convidar mais.

– Vamos tocar adiante (a reunião) – respondeu Mantega, sem deliberação a respeito da proposta até o fim do encontro.

Dez dias depois, a Polícia Federal (PF) prendeu presidentes, executivos e funcionários de empresas suspeitas de integrar um cartel que fatiou contratos da Petrobras. Não houve prisão de gestores da Odebrecht, que continua sob investigação. A companhia de petróleo só suspendeu a participação da empreiteira e de mais 22 fornecedoras investigadas na Lava-Jato em 29 de dezembro. A Odebrecht tem R$ 17 bilhões em contratos vigentes na Petrobras.

odebrecht nega irregularidade em contrato

Graça foi substituída na presidência da Petrobras por Aldemir Bendine em fevereiro deste ano. Miriam não é mais conselheira nem ministra – ela preside a Caixa Econômica Federal. Mantega deixou o governo e o conselho. Quintella e Sinedino também saíram do colegiado.

O GLOBO procurou a Petrobras para pedir um posicionamento sobre a reunião de 4 de novembro. “Não comentamos informações supostamente oriundas de vazamentos ilegais”, respondeu a empresa, por meio da assessoria de imprensa.

Procurada, a Odebrecht respondeu por meio de nota que não comentaria o teor das falas no Conselho de Administração. A empresa negou irregularidades no contrato discutido na reunião:

“A Odebrecht esclarece que a redução do valor do mencionado contrato para a execução dos serviços em instalações da Petrobras fora do Brasil foi única e exclusivamente consequência da diminuição do escopo deste contrato em decorrência do plano de desinvestimentos da Petrobras no exterior”, informou, por meio da assessoria de imprensa. “A prestação dos serviços, originalmente prevista para ocorrer em nove países, foi reduzida para quatro, fato inclusive já divulgado pela própria Petrobras em novembro de 2013. A empresa segue à disposição de qualquer órgão de fiscalização para fornecer informações sobre o mencionado contrato, cujas obras previstas já foram concluídas e entregues.”