Imprensa acusa líder chavista de impor censura na Venezuela

 

Diretores de jornais venezuelanos acusados de difamação pelo presidente da Assembleia Nacional do país, o militar reformado Diosdado Cabello, e impedidos pela Justiça de sair do país, denunciaram ontem o Palácio de Miraflores por “utilizar os tribunais para controlar meios de comunicação independentes”, adotando uma política de “terrorismo judicial”. Na véspera, 22 chefes de importantes veículos da Venezuela, entre eles “El Nacional”, “Tal Cual” e o site “La Patilla”, foram informados extraoficialmente sobre a decisão da Justiça. O suposto delito apontado pelo presidente do Parlamento foi a reprodução de uma reportagem do jornal espanhol “ABC”, na qual um ex-chefe de segurança de Cabello o acusava de comandar um cartel de drogas.

— A demanda de Cabello é terrorismo judicial. Querem nos ter como reféns, mas não vamos modificar nossa linha editorial — disse ao GLOBO Alberto Ravell, diretor do “La Patilla” e um dos acusados. — Reproduzir uma reportagem de outro meio não é um delito.

Impedido de receber prêmio

A enérgica reação dos acusados foi respaldada pelo Sindicato Nacional de Trabalhadores da Imprensa e pela Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), entre outros. Os 22 denunciados deverão se apresentar a cada oito dias nos tribunais locais, entregar seus documentos, tirar uma foto e, uma vez cumpridas estas obrigações, receberão um comprovante, segundo explicou Manuel Puyana, diretor do “Tal Cual”, que também integra a lista de Cabello.

— Este é o oitavo processo do governo bolivariano contra nosso jornal. Tudo isso tem como objetivo o controle dos meios de comunicação — afirmou Puyana.

Segundo o jornalista, a demanda “é ainda mais absurda, porque foram incluídos até mesmo acionistas e consultores jurídicos dos veículos de comunicação”.

Este ano, o jornalista venezuelano Teodoro Petkoff, de 83 anos, criador e diretor do “Tal Cual”, foi prestigiado com o Prêmio Ortega y Gasset por sua trajetória, mas por outra denúncia apresentada contra ele por Cabello não pode ir a Madri participar da cerimônia de premiação.

A maioria dos acusados acredita que a medida liminar aprovada por uma juíza de Caracas será mantida por tempo indefinido, como já aconteceu em outros casos.

— O capitão Cabello virou uma figura mais poderosa do que o próprio presidente. Não sabemos sequer se Maduro está de acordo com tudo isso — disse Puyana.

Em 25 de janeiro passado, o “ABC” publicou uma reportagem baseada em declarações de Leamsy Salazar, ex-chefe de segurança do presidente da Assembleia Nacional e desertor do Exército, que o acusa de chefiar o cartel Los Soles, que traficaria cocaína na Venezuela. Vários jornais venezuelanos reproduziram a matéria, e Cabello prometeu processar os responsáveis.

— Em nenhum país do mundo um juiz teria aceitado esta denúncia, é um absurdo! — afirmou Miguel Henrique Otero, diretor do “El Nacional”, que está fora da Venezuela, mas pretende retornar nos próximos dias. — Nós e outros 80 jornais do continente publicamos a matéria do “ABC”, é uma notícia que deu a volta ao mundo.

Para ele, “os tribunais venezuelanos cumprem ordens superiores, todos os juízes são empregados do governo”.

— Esta foi uma ordem direta de Cabello, as pressões contra a mídia independente são cada vez maiores — lamentou o diretor.

De acordo com o “El Nacional”, os acusados foram informados sobre a decisão judicial de forma extraoficial antes mesmo de sua confirmação por parte dos tribunais locais.

— Aceitar uma decisão desta e não emitir a citação aos acusado é algo completamente irregular. É assim que as coisas funcionam na Venezuela, onde os juízes dependem do Executivo — enfatizou Otero.

O presidente da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Gustavo Mohme, afirmou ontem que “a proibição (de saída do país) mostra mais uma vez como o sistema judicial venezuelano é utilizado como instrumento de poder político”. O Sindicato Nacional de Trabalhadores de Imprensa acusou o governo do presidente Maduro de usar as instituições do Estado e o Judiciário para dar “um novo golpe à já enfraquecida liberdade de imprensa na Venezuela”.