Câmara dos Deputados muda forma de cálculo para a aposentadoria

 

Mesmo depois de intensa negociação com promessas de liberação de mais de uma centena de cargos para deputados da base aliada, o governo sofreu nesta quarta-feira duas derrotas, entre elas, a que mais temia na votação do ajuste fiscal. A Câmara aprovou, por 232 a 210, novas regras que acabam com a aplicação automática do fator previdenciário no cálculo da aposentadoria pelo INSS, alteração proposta por um partido da base, o PTB. A mudança foi incluída na votação da medida 664, que endurecia as regras para concessão de pensões e auxílio-doença, o segundo pilar do ajuste fiscal.

Os deputados também aprovaram a mudança de 30 para 15 dias do período que as empresas têm de bancar o auxílio-doença dos empregados afastados por motivo de saúde, em outra emenda apresentada por partido da base, desta vez o PP. O governo queria que somente após 30 dias de afastamento a despesa passasse a ser custeada pelo INSS.

O fator previdenciário foi criado em 1999, no governo de Fernando Henrique Cardoso, mas todos os 45 deputados tucanos presentes votaram pela mudança que derrotou o governo. Entre 2000 e 2013, a economia com a aplicação do fator, estimada pela Previdência, foi de R$ 56,9 bilhões. Mesmo sob pressão do Palácio do Planalto, foram os deputados do PT que possibilitaram a derrota do governo. Nove deles votaram pela mudança e outros cinco não compareceram à votação. Caso todos os 63 parlamentares do partido tivessem acompanhado a orientação do governo, o fator teria sido mantido por um voto.

O ministro da Previdência, Carlos Gabas, acompanhou a votação no gabinete da liderança do governo, longe dos holofotes. Diversas vezes nos últimos dias, Gabas esteve com deputados de partidos aliados ao governo para pedir que rejeitassem o destaque, alegando que a presidente Dilma Rousseff irá criar um fórum específico para tratar de possíveis alterações nas regras previdenciárias, que serão enviadas ao Congresso em até 180 dias.

Mas o apelo de Gabas não funcionou. Ministros da área econômica afirmaram ao GLOBO que defenderão o veto à mudança e que irão mapear os infiéis da base que ajudaram a aprovar o destaque. A promessa é que haverá retaliações.

— A presidente Dilma pode até vetar, mas terá que pensar 10 vezes antes, porque seria um desgaste monumental para ela. No Senado, já temos quase todos os votos necessários para manter esse destaque — comemorou o autor da medida, deputado Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP).

A votação da mudança no fator previdenciário começou logo após o governo ter aprovado o texto principal da Medida Provisória (MP) 664, que torna mais rígida a concessão de pensão por morte e auxílio-doença. Em seguida, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), pautou a votação do destaque, sob protestos do líder do governo, deputado José Guimarães (PT-CE), e do líder do PT, Sibá Machado (PT-AC).

Durante todo o dia, o vice-presidente Michel Temer, articulador político do governo, trabalhou junto aos deputados da base para evitar a votação. Temer ainda teria conseguido reverter cerca de 10 votos, mas o governo acabou perdendo em apertada votação. O Planalto pressionou para que o pedido de votação sequer fosse aceito, mas Cunha decidiu acolher a proposta de Faria de Sá, que previa o fim dos descontos na aposentadoria para aqueles cuja soma da contribuição com a idade seja 85 anos, no caso das mulheres; e 95 anos, dos homens.

Nesta quinta-feira, a Câmara irá finalizar a votação dos destaques. Depois, o texto vai à apreciação do Senado. O senador Walter Pinheiro (PT-BA) afirmou que vai trabalhar para aprovar a emenda que cria alternativa ao fator previdenciário. Pinheiro condicionou a aprovação das medidas de ajuste ao compromisso do governo de manter a alteração.

— Eu e o senador Paulo Paim defendemos a aprovação dessa emenda no Senado e queremos do governo o compromisso de não vetá-la, como garantia para a aprovação das duas MPs do ajuste fiscal. Caso haja veto, vamos também trabalhar para a derrubada dele — disse Pinheiro.

A votação do texto principal da MP 664, na qual o governo havia obtido uma vitória mais ampla que a da semana passada, aconteceu em meio a muito tumulto e manifestação contrária nas galerias ocupadas por militantes da Força Sindical. Dos partidos da base aliada, apenas o PDT acompanhou as legendas da oposição e orientou o voto contra o texto principal da MP. O líder da bancada, André Figueiredo (CE), voltou a criticar a MP em plenário. O PV liberou sua bancada.

Desta vez, apenas quatro deputados do DEM mantiveram o voto a favor do texto-base da MP do ajuste, mas cinco se ausentaram. Na semana passada, foram oito votos favoráveis, mas os 22 deputados da bancada estavam presentes. Entre os cinco ausentes, estão os quatro deputados que votaram a favor da primeira MP. Mantiveram o voto a favor do ajuste os deputados Rodrigo Maia (RJ), José Carlos Aleluia (BA), Cláudio Cajado (BA) e Marcelo Aguiar (SP).

O líder do governo na Câmara, deputado José Guimarães (PT-CE), disse que o governo tem mais motivos para comemorar do que lamentar. Segundo ele, a aprovação do texto principal foi uma grande vitória. Ele condenou o procedimento do relator da MP 664 na comissão mista do Congresso, deputado Carlos Zarattini (PT-PT), que votou a favor do destaque de Faria de Sá.

— O grande equívoco foi o relator ter votado. Eu sei disso — disse Guimarães.

Ele lembrou que a matéria ainda irá para o Senado, voltará à Câmara e a presidente tem a prerrogativa de vetar a alteração no fator previdenciário.

Antes do anúncio do resultado, deputados da oposição voltaram a abrir uma faixa com dizeres que acusavam o PT de trair os trabalhadores. O deputado Zé Geraldo (PT-PA) tentou tirar a faixa e houve empurra-empurra entre os deputados, o contido pelos seguranças.

Manifestantes protestam contra a aprovação das medidas de ajuste fiscal - Jorge William / Agência O Globo