O globo, n. 29872, 21/05/2015. País, p. 6

Voto distrital reduz deputados das capitais

Fábio Vasconcellos

Políticos com votação distribuída pelos estados teriam dificuldades em novo sistema, diz estudo da Unirio

A adoção do sistema distrital de votação para o Legislativo, uma das propostas em análise no debate da reforma política no Congresso, reduziria a participação de representantes das capitais na Câmara dos Deputados. Simulação do Grupo de Investigação Eleitoral da Universidade Federal do Estado do Rio (Unirio) mostra que quase todas as capitais perderiam força na eleição de deputados federais se o sistema distrital puro fosse adotado, já que a divisão em distritos limitaria o número de vagas das capitais a 25% da Câmara. Atualmente, com a eleição proporcional, 48% dos deputados são de capitais. Apenas Macapá (AP) e Florianópolis (SC) manteriam o mesmo número. Isso indica que a disputa nas capitais seria mais acirrada, levando candidatos a mudar de estratégia ou até de domicílio eleitoral.

O relatório da comissão da reforma política propõe a substituição do sistema proporcional pelo chamado distritão, no qual são eleitos os candidatos mais votados em cada estado (sem considerar os partidos ou uma divisão dos estados em pequenos distritos), mas, no Senado, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) aprovou o voto distrital para vereadores nas cidades com mais de 200 mil habitantes. Nesse modelo, o município é dividido em distritos, com a eleição do mais votado em cada um deles. Em alternativa às duas propostas, parlamentares cogitam o sistema distrital misto, que combinaria os sistemas distrital e proporcional. Ainda que em menor grau, essa opção também favoreceria mais representantes do interior.

No estudo, os professores da Unirio Felipe Borba e Steven Ross cruzaram o total de eleitores dos estados e o domicílio eleitoral dos deputados eleitos em 2014 para simular o distrital puro. São Luís seria a capital proporcionalmente mais afetada. Treze deputados eleitos no ano passado têm domicílio na capital do Maranhão. Com a divisão do estado em distritos na proporção de sua bancada, apenas dois poderiam ser eleitos na cidade. Em números absolutos, São Paulo sofreria o maior impacto. Atualmente, 36 deputados são da capital paulista, que só teria 19 distritos no novo sistema. No Rio, a redução seria de 25 para 18 deputados. Salvador veria sua bancada reduzir de 21 para sete. Em Belo Horizonte, a redução seria de 20 para sete.

CUNHA TERIA DIFICULDADE

Borba explica que a adoção do voto distrital obrigaria deputados a decidir se vale a pena mudar de domicílio eleitoral de acordo com suas votações. No Rio, por exemplo, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB), um dos defensores do distritão, tem domicílio na capital, mas obteve apenas 26% na cidade. Ele teve mais votos na Baixada Fluminense (31%) e ainda 15% de sua votação em Niterói. Para ele, portanto, a disputa no modelo distrital seria muito mais difícil na capital, onde outros parlamentares tiveram mais de 60% dos seus votos. Já no distritão, candidatos como Cunha teriam vantagem porque a distribuição de votos em áreas populosas como a Região Metropolitana ajudam a ficar entre os mais bem colocados do estado, que seria um único distrito.

— Na média, as capitais possuem número de deputados superior ao tamanho de suas populações. No Rio, a capital concentra 40% do eleitorado do estado, mas tem 54% dos deputados. O mesmo ocorre em São Paulo, Minas e em quase todos os estados. No sistema distrital, aqueles que já têm força eleitoral na capital tendem a permanecer, reforçando sua campanha local. Mas os que têm votos mais espalhados terão que decidir em que distrito vão concorrer. Isso não é simples, demanda criar novas bases — disse Borba.

O pesquisador reconhece que o voto distrital amplia a representação do interior, mas não o considera adequado para o país:

— A experiência internacional mostra que o voto distrital muda significativamente a qualidade da representação. Afeta o número de partidos, com impacto na representação de minorias.

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Cunha define cronograma de votação

Antes mesmo de a comissão especial da reforma política na Câmara votar o relatório do deputado Marcelo Castro (PMDB-RJ), o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), definiu com os líderes partidários a ordem de votação dos temas em plenário. O primeiro ponto será o sistema eleitoral, depois o financiamento das campanhas e a possibilidade de reeleição. Em seguida, virão o tamanho dos mandatos, a coincidência das eleições, a cota feminina no Congresso, o fim das coligações para eleições de deputados e vereadores e a cláusula de barreira.

Cunha nega que esse cronograma desautorize a comissão, mas , nos bastidores, deputados duvidam que o grupo consiga concluir a votação do texto do relator. Se isso realmente não ocorrer, Cunha poderá indicar outro nome para relatar a matéria, em plenário. O mais cotado é o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ).

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O FINANCIAMENTO DE CAMPANHA EM DEBATE

Névoa de suspeição

Marcus Pestana

O objetivo central da reforma política deveria ser a aproximação da sociedade e sua representação, o fortalecimento dos partidos, o estabelecimento de mecanismos de prestação de contas ( accountabi

lity), responsabilização e controle social sobre os mandatos, hoje muito frágeis. Mas é impressionante como este tema sensibiliza pouco a nossa cultura política. Ao seu lado surge a questão essencial do financiamento das campanhas, discutida num ambiente traumatizado pelos sucessivos escândalos de corrupção.

As opções são: financiamento público exclusivo; público e por pessoas físicas; ou misto (público e por pessoas e empresas). Não é tema fácil. A democracia tem um custo. Mas a própria população rejeita a ideia de se deslocar mais recursos, que poderiam ser investidos em Saúde e Educação, para campanhas políticas. Assim, a polêmica central será a proibição ou não da participação das empresas no financiamento das campanhas. No Brasil não temos tradição de alta participação das pessoas físicas no financiamento das campanhas. A exclusão de doações empresariais poderia gerar um vácuo que estimularia o império do caixa dois e a criminalização da política. Em contrapartida, os escândalos jogam uma névoa de suspeição sobre relações não republicanas geradas pelos vínculos estabelecidos entre doadores e candidatos.

Creio que caminharemos para o financiamento misto com regras rígidas de controle e de transparência. O orçamento público continuaria bancando o horário de rádio e TV, as despesas da Justiça Eleitoral e o Fundo Partidário, as pessoas físicas doariam para os candidatos e as empresas para os partidos, institucionalizando essas relações. Tudo com limites claros e rígidos nas despesas e nas doações de pessoas e empresas, acoplados a regras avançadas de transparência, proibição e publicidade.

 

Por um novo modelo

Henrique Fontana

Areforma política que o Brasil precisa, e a sociedade exige, passa necessariamente pela mudança do atual modelo de financiamento, com a proibição da contribuição de empresas a candidatos e partidos. O financiamento de empresas e o abuso do poder econômico são responsáveis diretos por grande parte das distorções da democracia brasileira e têm forte relação com a maioria dos casos de corrupção. Esta mudança é essencial para qualificar o processo político.

O debate dos últimos anos indica que a melhor proposta para o momento atual é a defendida pelo movimento Eleições Limpas, que reúne OAB, CNBB, UNE e mais de cem entidades da sociedade. Propõe vedar o financiamento das empresas para campanhas eleitorais, limitar o valor da contribuição de pessoas físicas, inclusive do próprio candidato, e estabelecer teto de gastos nas eleições. Infelizmente o relatório apresentado na comissão da reforma política, na Câmara, está na contramão deste debate, não corrige o essencial e pode piorar alguns aspectos. Com isto, pode frustrar mais uma vez aqueles que buscam a realização de uma reforma efetivamente democratizadora.

O novo modelo de financiamento e o chamado distritão, além de não servirem à qualificação do nosso processo democrático, pioram o quadro ao propor garantia constitucional ao financiamento empresarial. O relatório refere teto de gastos nas campanhas, mas com regulação posterior, o que não garante que haverá redução nos custos. O financiamento empresarial limita o acesso dos que têm menor poder econômico e gera uma permanente suspeição. Mais de 40 países proíbem a contribuição de empresas. A transformação das campanhas em engrenagens caras e sofisticadas empobrece o debate político e praticamente inviabiliza o caminho da representação para setores sociais com menos recursos. A sociedade precisa estar atenta e mobilizada para exigir do Congresso uma profunda reforma política.