Título: O mal de todas as classes
Autor: Tavares, Carlos
Fonte: Correio Braziliense, 11/08/2011, Brasil, p. 10

Famosos e anônimos, ricos e pobres, brancos e negros, ninguém está imune ao câncer, a doença considerada a moléstia do século. Ainda assim, de acordo com especialistas ouvidos pelo Correio, 70% dos casos podem ser curados.

A grande tensão que demarca o território da pesquisa e da busca pela cura dos mais de 100 tipos de câncer é a necessidade de a ciência alcançar, urgentemente, um nível mais amplo de individualização de tratamentos eficientes ¿ uma droga para cada tipo de tumor ¿ a partir do estudo das mutações genéticas que originam a doença. Mas, apesar do caráter individualista dos processos terapêuticos, o câncer e as suas variantes é um mal que atinge todos, não importa a classe social, a raça e o credo. Pode haver uma ou outra neoplasia com suas particularidades de gênero ou de região, mas, infelizmente, ninguém está imune.

A verdade é que o homem é alvo da doença desde o seu surgimento, como afirma o médico indiano Siddhartha Mukherjee, autor do livro O imperador das moléstias. Para ele, os parcos registros antropológicos a respeito têm apenas uma explicação: as pessoas morriam muito cedo antigamente, antes que o tumor se manifestasse. Mesmo assim, o médico encontrou, em papiros egípcios, descrições de uma doença com as mesmas características do câncer, para a qual os cirurgiões da época não encontravam explicações

Hoje, o mal do século assusta, é grave, mas pode ser vencido. Especialistas ouvidos pelo Correio garantem que cerca de 70% das neoplasias podem ser curadas, dependendo do estágio da doença. Por enquanto, a angústia e a ansiedade que movem o desejo de perseguir a cura representam o combustível dos cientistas que sonham com um novo momento de ruptura na descoberta de medicamentos eficazes para vários tipos de tumores, como ocorreu há 20 anos. "A expectativa é de que essa ruptura venha dos tratamentos individuais, do conhecimento sobre as alterações genéticas da célula e do desenvolvimento de drogas que evitem a formação da doença, que curem ou que aumentem a sobrevida do paciente", reflete o oncologista Paulo Hoff, do Hospital Sírio-Libanês.

Descobertas Para Oren Smaletz, do Hospital Albert Einstein, a ideia é essa: atacar as alterações genéticas de cada tumor e desenvolver drogas que resolvam o problema. "Houve avanços expressivos na busca de novas terapias, sim, mas precisamos de mais e vamos conseguir. Por exemplo, seis anos atrás, não se falava em terapia-alvo e, nos últimos seis anos, surgiram seis drogas importantes para vários tipos de câncer." Entre elas, lembra o oncologista, o herceptin (para o câncer de mama) e o temsirolimus (para o carcinoma de célula renal).

Outro especialista que aposta na cura do câncer é o professor Celso Arrais, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). "Num período de 20 anos, houve avanços bastante expressivos. Estamos na era das terapias personalizadas, da investigação molecular, criam-se drogas com menos efeitos colaterais. Em todas as áreas da ciência oncológica, percebemos progressos".

O médico, no entanto, reconhece que, embora o arsenal de instrumentos de combate ao câncer evolua a cada ano, a cada mês, essa é uma doença traiçoeira e intimamente ligada à arquitetura das mutações. "Os estudos definem um conhecimento maior da doença e, com isso, podemos nos armar melhor para vencê-la". Entre as drogas que ele considera fundamentais e que surgiram nos últimos 10 anos estão o imatinib (para leucemias) e o bortezomib (para mielomas múltiplos). "Esses medicamentos ajudam a criar uma geração ou várias gerações de sobreviventes do câncer."