Valor econômico, v. 15, n. 3742, 24/04/2015. Empresas, p. B1

 

Petrobras vai adotar parcerias para reduzir alavancagem

 

Por Cristiano Romero | De São Paulo

 

Leo Pinheiro/Valor"Podemos compartilhar risco e capital. Por que não? Somos uma empresa de capital aberto", afirmou Bendine, presidente

A Petrobras vai carregar, por cerca de cinco anos, um nível de endividamento acima do "razoável", disse ao Valor o presidente da estatal, Aldemir Bendine. Nesse período, a empresa não deverá ter problemas de caixa, mas, se nada for feito, continuará com um grau de alavancagem (relação entre dívida e geração de caixa) elevado.

É por essa razão que a diretoria prepara uma série de medidas para reforçar a estrutura de capital. Entre elas, estão a venda de ativos e, principalmente, a realização de parcerias com empresas privadas que ajudem a valorizar e monetizar ativos da companhia.

"Podemos compartilhar risco e capital. Por que não? Somos uma empresa de capital aberto", revelou Bendine. Um modelo de parceria mencionado é o que resultou na criação da BB Seguridade, um dos marcos da gestão de Bendine no comando do Banco do Brasil (BB).

Naquela operação, o banco reuniu todos os segmentos de seguridade e, junto com sócios estratégicos, criou uma empresa privada, sem as amarras da gestão de uma estatal, mas com controle do BB. O mercado gostou tanto da iniciativa que o IPO, realizado em maio de 2013, levantou R$ 11,5 bilhões, dinheiro que capitalizou o banco. A abertura de capital foi a maior de uma empresa nacional já realizada no Brasil.

"Vamos trabalhar em processos, em cima de bens intangíveis da Petrobras, para monetizar ativos, em operações tipo BB Seguridade", contou o presidente da estatal. Uma das especulações do mercado é que a BR Distribuidora, empresa do sistema Petrobras, poderia ser um desses ativos. Bendine não confirma. "Não é só plano de desinvestimento [para melhorar a situação financeira]."

De acordo com o balanço de 2014, a dívida líquida da Petrobras em 31 de dezembro estava em R$ 282,1 bilhões, 27% acima do valor registrado em dezembro de 2013. A principal medida de alavancagem - a relação entre dívida líquida e fluxo de caixa (EBITDA, sigla em inglês de lucros antes de juros, impostos, depreciação e amortização) - saltou de 3,52 para 4,77 vezes entre 2013 e 2014.

Para enfrentar essa situação, no curto prazo a estatal está cortando investimentos. No ano passado, investiu US$ 44 bilhões; neste ano, pretende aplicar US$ 29 bilhões, 34% a menos. Nas últimas semanas, voltou a aumentar seu endividamento, preocupando investidores.

"Antes de qualquer coisa, vem o fluxo de caixa. Portanto, antes de anunciar o nosso balanço, demos uma solução de 'financiabilidade' à empresa. Fizemos uma demonstração de que a Petrobras é financiável no mercado", explicou Bendine. A prioridade, neste momento é levantar recursos para bancar o plano de investimentos e o custeio ao longo do ano e assegurar uma folga de caixa.

O presidente da estatal contou que pretende chegar ao fim do ano com uma sobra de caixa de US$ 20 bilhões. "Quando chegamos aqui [em fevereiro], a sobra era de US$ 10 bilhões. Queremos o dobro disso", informou.

A nova diretoria obteve autorização do conselho de administração para captar US$ 19,1 bilhões em 2015. Desde fevereiro, a empresa já captou, por meio de empréstimos, R$ 29 bilhões (cerca de US$ 9,6 bilhões, considerando taxa de câmbio em torno de R$ 3,00): US$ 3 bilhões junto ao banco britânico Standard Chartered e US$ 3,5 bilhões ao Banco de Desenvolvimento da China; R$ 4,5 bilhões no Banco do Brasil, R$ 3 bilhões no Bradesco e R$ 2 bilhões na Caixa Econômica Federal.

Ainda há margem para novas captações, no total de US$ 9,5 bilhões. "Há um frisson para que a Petrobras capte no mercado de renda fixa", observou Bendine. Ele assegurou, entretanto, que, por causa das elevadas taxas exigidas pelo mercado local, a empresa não fará isso no Brasil, mas, sim, no exterior. Em declarações dadas nos últimos dois dias, Ivan Monteiro, diretor financeiro da estatal e braço direito de Bendine, aventou a possibilidade de captar no mercado brasileiro de renda fixa, algo que não é feito há 15 anos.

Criticado por analistas de mercado por adotar um discurso considerado excessivamente otimista durante a divulgação do balanço, Bendine disse, na entrevista ao Valor, que a Petrobras, depois de atrasar a divulgação do resultado em mais de cinco meses, "virou um capítulo". Dentro de 20 dias, informou, divulgará o balanço do primeiro trimestre deste ano e, em 30 dias, o novo plano de negócios.

Apesar das perdas com corrupção e ineficiência, a Petrobras, insistiu Bendine, teve seu resultado de 2014 fortemente afetado pela queda do preço do petróleo e pela desvalorização acentuada do real frente ao dólar.

"O preço do barril de petróleo tipo Brent estava em US$ 114 no dia 20 de julho de 2014. No fim do ano, caiu para algo em torno de US$ 45. Imagine o que é isso nos testes de imparidade ('impairment', em inglês) quando se vai fazer o plano de negócios da companhia", disse Bendine ao justificar a desvalorização de ativos, registrada no balanço por meio de baixas contábeis, no valor de R$ 44,3 bilhões - outros R$ 6,2 bilhões sofreram baixa em decorrência dos desvios investigados pela operação Lava-Jato, da Polícia Federal. "A imparidade está muito relacionada ao petróleo e à desvalorização do real", sustentou.

Bendine acredita que o preço do petróleo não deverá ser um problema para a empresa em 2015. O preço do barril tem se recuperado e a sua volatilidade tem sido pequena. No caso do câmbio, a Petrobras trabalha com uma expectativa de dólar médio para este ano de R$ 3,30. No plano de negócios, o dólar médio previsto é de R$ 3,10.

"Um bom tempo de dólar abaixo de R$ 3,10 nos favorece; se esticar muito acima disso, nos prejudica", disse ele. Ontem, a moeda americana, que tem perdido valor para o real nas últimas semanas, fechou cotada a R$ 2,98.

Sobre a deliberação de não pagar dividendos aos acionistas neste ano, o presidente da Petrobras disse que essa foi uma "decisão de gestão da empresa". A estatal poderia ter utilizado a reserva de capital (hoje, em R$ 149 bilhões) para pagar dividendos, mas optou por não fazer isso. "A nossa maior dificuldade hoje na companhia é preservar o caixa, então, preferimos não pagar dividendos."

Demonstrando um certo alívio após a divulgação do balanço, Bendine comemorou o fato de o resultado ter sido aprovado sem ressalvas pelo auditor externo (a PwC). Apenas dois conselheiros, segundo apurou o Valor, não aprovaram as contas - Mauro Cunha, representante dos acionistas minoritários, e Sílvio Sinedino, dos funcionários. Um terceiro - José Monforte, indicado pelos acionistas preferencialistas - elogiou o balanço, mas se absteve de votar por ter recebido os números apenas no dia da divulgação.

Enquanto se prepara para os próximos passos da gestão da estatal, cujo comando assumiu no início de fevereiro, Bendine se diverte com o apelido pejorativo que recebeu de funcionários - Vendine - e procura adotar um discurso mais realista. "O mercado, a sociedade, tem que parar com a ansiedade e a angústia em relação à companhia", desabafou. "Não vamos resolver todos os problemas da Petrobras em um mês."

Estatal pode captar até R$ 6 bi no mercado local

 

Por Vinícius Pinheiro e Talita Moreira | De São Paulo

Uma emissão de debêntures pode marcar a volta da Petrobras ao mercado de capitais, que esteve fechado com o atraso na divulgação do balanço de 2014. Fontes de bancos de investimento dizem que a companhia pode fazer uma operação no Brasil antes mesmo de voltar a emitir bônus no exterior.

Se oferecer taxas de juros atrativas aos investidores, a Petrobras teria condições de levantar entre R$ 4 bilhões e R$ 6 bilhões no mercado local, diz um interlocutor. A estimativa inclui todas as alternativas, como debêntures tradicionais e de infraestrutura, que oferecem isenção de imposto de renda para pessoas físicas e estrangeiros.

Na quarta-f-eira, o diretor financeiro da estatal, Ivan Monteiro, disse que a companhia estuda voltar a captar no mercado brasileiro.

A Petrobras pede com frequência aos bancos uma avaliação das condições para uma emissão local. As conversas, interrompidas com o atraso no balanço, foram retomadas nas últimas semanas.

A principal referência da companhia é a bem-sucedida oferta de R$ 4,6 bilhões em debêntures, com prazo de três anos, da Cielo. Para um experiente executivo do setor financeiro, a estatal poderia fazer emissão semelhante, mas com prêmio maior que os 105,8% da taxa interbancária (CDI) pagos pela credenciadora de cartões.

A Petrobras deve esperar um pouco mais para voltar a captar no mercado externo, segundo fontes de quatro bancos de investimento. Embora os spreads dos papéis da empresa tenham recuado ontem, a avaliação é que há espaço para caírem mais. O prêmio dos bônus no mercado secundário é referência para novas emissões.

A Petrobras foi ao mercado externo duas vezes no ano passado, quando captou US$ 12,15 bilhões.

No mercado local, a última operação com risco de crédito ligado à empresa foi feita também em 2014. Na ocasião, J.P. Morgan reempacotou um crédito de R$ 800 milhões concedido à estatal e vendeu a investidores por meio de fundo de recebíveis (Fidc) com rentabilidade em 107% do CDI.

Além das debêntures tradicionais, a Petrobras pode emitir papéis de infraestrutura. A estatal tem autorização do Ministério de Minas e Energia para captar recursos com títulos incentivados para um projeto no Comperj.

A estatal estuda ainda uma emissão com lastro no crédito de R$ 8,6 bilhões que detém contra distribuidoras da Eletrobras. A operação era vista como forma de a empresa antecipar recursos em uma estrutura que blindasse os investidores do risco da estatal. A emissão continua em análise, mas se tornou menos urgente agora.