Valor econômico, v. 15, n. 3742, 24/04/2015. Finanças, p. B2

 

Petrobras ainda terá de se "desalavancar"

 

Por Cláudia Schüffner | Do Rio

O alívio com a divulgação do balanço da Petrobras não tirou as preocupações dos analistas com relação à saúde financeira da companhia. Os que participaram da teleconferência da Petrobras ontem concentraram as dúvidas em três pontos principais: a alta alavancagem da companhia, a tímida projeção de aumento da produção este ano, de apenas 4,5%, e a política de preço dos combustíveis. A alavancagem está alta, já que ela tem muita dívida em relação ao patrimônio. O indicador bateu nos 4,7 vezes, quando a própria Petrobras estabeleceu como meta um teto de 2,5 vezes ou 35% pelo critério dívida líquida/dívida líquida mais patrimônio líquido.

Ivan Monteiro, diretor financeiro da Petrobras que liderou a reunião, disse que a "desalavancagem" da companhia é uma prioridade e que isso ficará mais claro quando for divulgado o novo Plano de Negócios, o que está previsto para acontecer nos próximos 30 dias.

 

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Segundo ele, a desalavancagem será baseada em programas de redução de custos, redução dos investimentos, desinvestimentos (venda de ativos) e na priorização de projetos de exploração e produção que tragam maior retorno para a companhia. A diretora de exploração e produção (E&P), Solange Guedes, frisou que uma dos efeitos esperados com a venda de ativos da sua área é a redução dos investimentos associados a eles e que estão previstos no atual plano de negócios. A saída desses investimentos, explicou ela, vai ajudar a reduzir a necessidade de caixa nos próximos anos.

Tanto Solange como Monteiro evitaram listar ativos que serão postos à venda, mas a diretora mencionou áreas menos rentáveis em águas rasas da Bacia de Campos, ao mesmo tempo em que explicou que a carteira de desinvestimento é "dinâmica", com os ativos sendo modelados repetidamente. Ontem a Petrobras sinalizou mais uma vez que mesmo campos já descobertos no pré-sal, desde que ainda sem produção, e que tenham altos custos de exploração - devido à complexidade dos reservatórios e presença de dióxido de carbono (C02) em quantidades elevadas - podem entrar no portfolio de venda.

"Estamos olhando os ativos do pós e pré-sal onde possamos compartilhar riscos. Escala é muito importante no pré-sal e áreas que demandarão investimentos crescentes com baixa geração de caixa no médio prazo são passíveis de desinvestimento sim", disse a diretora, respondendo a um analista.

Apesar da reserva com que o tema foi tratada na véspera pelo presidente da Petrobras, Aldemir Bendine, vários bancos brasileiros e estrangeiros foram contratados para assessorar a companhia na escolha dos ativos que serão postos à venda. O Credit Suisse cogitou a possibilidade de a Petrobras se desfazer de ao menos uma parte de Carcará e Júpiter, no pré-sal de Santos.

Em relatório, os analistas André Sobreira e Vinicius Canheu, do Credit Suisse, notaram que a Petrobras alterou a linguagem mudando a afirmação anterior, de que os desinvestimentos não incluem ativos de alta produtividade no Brasil para desinvestimentos não incluem ativos no pré-sal atualmente em produção. "Isso efetivamente deixa a possibilidade de desinvestimento em áreas não produtoras do pré-sal", escreveram.

O diretor financeiro repetiu ontem que a Petrobras vai acessar mercado brasileiro de renda fixa e debêntures - que implicam em mais dívidas para uma empresa com endividamento líquido de R$ 282 bilhões, equivalente a US$ 106,2 bilhões até dezembro. Já o plano de venda de ativos é de apenas US$ 3 bilhões este ano, deixando US$ 10 bilhões para 2016. O diretor frisou que já está visando o caixa de 2016, mas que estará sempre avaliando as taxas praticadas no mercado secundário, que passa a ser referência e meta das captações. "Sempre vamos captar abaixo desses preços", disse Monteiro.

Mesmo após a entrevista coletiva e a teleconferência, alguns questões sobre a baixa nos ativos ainda não estão claras. Uma delas é o impairment de US$ 4,2 bilhões no campo de Cascade Chinook nos Estados Unidos, quando a baixa contábil de toda a área de exploração e produção no Brasil ficou em US$ 5,6 bilhões. Também não foram feitas menções a Pasadena e nem aos 5 bilhões de barris da cessão onerosa adquiridos por US$ 42,5 bilhões quando o petróleo custava US$ 80.

A nova política de preços dos combustíveis ainda não ficou clara. Chamou a atenção o fato de o presidente da Petrobras ter dito na quarta-feira que o preço dos combustíveis está "justo" quando a companhia perdeu US$ 35 bilhões em fluxo de caixa desde 2011 financiando o consumo de gasolina e diesel no Brasil.

Ontem Monteiro foi mais assertivo ao dizer que "toda a premissa do plano de negócios trabalha com preços competitivos e de mercado". Mas os analistas se ressentem da falta de uma fórmula que permita mais visibilidade às previsões de fluxo de caixa. O diretor foi claro ao responder que a Petrobras busca a paridade de preços sobre todo o portfólio de combustíveis, mas o mercado ainda está cético.

Em relatório para clientes do Itaú BBA, os analistas mostraram que com base na paridade de importação, os preços do diesel e da gasolina estão com desconto de 2% e 13%, respectivamente, em relação aos preços internacionais. "Não houve indicação clara sobre a existência ou aplicação de uma fórmula de preços ou a intenção de divulgar uma", ressaltou Paula Kovarsky.

"Vemos paridade como um elemento-chave para recuperar a confiança do mercado no plano de desalavancagem, assumindo que os preços do petróleo vão subir, é claro, e que câmbio irá se comportar", escreveu a analista.

Foi o mesmo dito em outras palavras por Sobreira e Canheu, do Credit Suisse, que observaram ainda que "o discurso soa muito parecido com o que a Petrobras vem dizendo nos últimos quatro anos".

Balanço teve parecer de especialista

 

Por Graziella Valenti e André Ramalho | De São Paulo e do Rio

 

Zé Carlos Barretta/ValorEliseu Martins: "carta conforto" à administração da Petrobras sobre ajustes

Dois pontos dos ajustes de quase R$ 51 bilhões lançados pela Petrobras no balanço de 2014 foram especialmente indigestos aos investidores. O primeiro desconforto foi a simplicidade do cálculo da perda com corrupção, lançada como correção de erro, de R$ 6,2 bilhões. O segundo, com a baixa de R$ 31 bilhões com o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj) e com a segunda parte da Refinaria Abreu e Lima (Rnest).

Ao conselho, a Petrobras apresentou as contas de 2014 e uma "carta conforto", uma espécie de parecer, realizada por Eliseu Martins à administração da estatal. Cerca de 400 páginas de documentos entregues na hora da reunião.

Ainda assim, o ajuste foi argumento dos votos contrários de dois conselheiros de administração, Silvio Sinedino, eleito pelos funcionários, e Mauro Cunha, por minoritários. José Guimarães Monforte, indicado por minoritários, se absteve na votação. Os representantes dos minoritários no conselho fiscal - Walter Albertoni e Reginaldo Alexandre - rejeitaram as contas. Exceto Sinedino, os demais conselheiros não comentaram os números.

O tamanho do ajuste nas refinarias - 70% dos R$ 44,5 bilhões de "impairment" - deixou um gosto amargo. A perda é resultado de um teste de "paridade" (daí o termo em inglês) entre o valor dos ativos registrado no balanço, em geral equivalente ao investimento, e o que pode ser recuperado pelo uso do bem, com lucro, ou pela venda.

O amargor deve-se ao fato de baixa ser fruto de uma mudança na metodologia usada pela Petrobras há 15 anos. E por listar, entre as justificativas, "problemas no planejamento de projetos" - junto com alterações no cenário de mercado, forte variação cambial e queda no preço do petróleo.

A questão da falha de planejamento deixa dúvidas sobre os motivos para seguir com projetos caros - orçamentos constantemente ampliados - e alvos de críticas como opção estratégica.

A Petrobras tinha por prática avaliar as refinarias dentro do que chama de Unidade Geradora de Caixa (UGC) de Refino, mesmo as em construção. Mas, após paralisar por prazo indefinido o Comperj e da segunda fase de Abreu e Lima, optou tirá-las do grupo. Daí, as perdas, respectivamente, de R$ 21, 8 bilhões e R$ 9,1 bilhões.

Quanto à correção de R$ 6,2 bilhões, a Petrobras traz, em nota explicativa, as razões para a optar pela taxa de 3% sobre o valor dos contratos com as empresas citadas pela Operação Lava-Jato. A principal razão é a inexistência de dados para algo diferente.

Segundo a estatal, que teve acesso a íntegra de depoimentos realizados por seus ex-funcionários na investigação do Ministério Público Federal (MPF), "pagamentos indevidos" foram feitos pelas empresas contratadas pela Petrobras e a partir dos recursos recebidos dentro dos termos contratados.

Assim, não há registro contábil sobre isso. O dinheiro teria sido perdido porque os contratos com as empreiteiras e fornecedoras supostamente envolviam o sobrepreço que permitiu o desvio a políticos alvos da Operação Lava-Jato.

Os dois temas - a correção de R$ 6,2 bilhões e a baixa de R$ 31 bilhões com as refinarias - foram os alvos da consulta feita à Martins.

Procurado, ele disse que "analisou e concordou com os procedimentos contábeis utilizados e suas fundamentações técnicas". Mas não quis comentar o assunto.

Martins, 70, é referência em contabilidade. É ex-diretor da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e do Banco Central e um dos responsáveis pela transposição das regras do IFRS (padrão internacional de contabilidade) para o Brasil.

Valor apurou, com pessoas que tiveram acesso ao parecer, que Martins recomendou a baixa imediata do valor da corrupção, como forma de prestação de contas. E que fosse feito como correção, e não uma baixa tradicional. A correção é usada para fraudes.

Mesmo assim, entre os conselheiros descontentes há o temor de que, caso as perdas sejam maiores, esse ajuste limite a Petrobras na busca por ressarcimento.

Conforme relato, o parecer admite a inexistência de regras para esse tipo de cálculo. O que justifica que a Petrobras, por analogia, utilize o conceito de "melhor estimativa possível", aplicado para cálculo de provisões e contingências.

Como há registros oficiais junto as autoridades públicas (MPF) de ex-funcionários, e outros intermediários do esquema, que relatam uma comissão da ordem de 3% sobre os contratos da Petrobras, a estatal entende ser esse o dado mais objetivo ao seu alcance. E aplica a taxa sobre os contratos e aditivos com empreiteiras e fornecedoras investigadas, de 2008 a 2012.

Segundo nota explicativa, a investigação interna na Petrobras - realizado por dois escritórios de advocacia - levará mais de um ano e provavelmente não alcançará resultado quantitativo que possa servir de base para o balanço.

Quanto à modificação de metodologia e as perdas de R$ 31 bilhões com as refinarias, a decisão da Petrobras, na avaliação de Martins, atende ao espírito das normas de contábeis, ainda que subjetiva, segundo fonte a par da carta à administração. A contabilidade deve procurar refletir os números da forma mais próxima possível de como a gestão é realizada.

O conselheiro Silvio Sinedino, entre os motivos de seu voto contrário, teria apontado a necessidade de ajustes também na metade já pronta e em operação de Abreu e Lima (que não foi deslocada da UGC Refino). Assim como as demais baixas, essa metade também teria o custo visivelmente elevado. Para o conselheiro, isso vai diminuir o retorno dessa UGC.

A falta de tempo hábil dificultou que os conselheiros conseguissem dados para dar conforto suficiente sobre a capacidade da empresa de conseguir rentabilizar a primeira fase de Abreu e Lima, que não teve nenhum ajuste. A questão do prazo exíguo também pesou na falta de aprovação unânime.

O ajuste em Comperj superou metade do seu valor de livros, enquanto de Abreu e Lima ficou entre 10% e 15%. O custo total do complexo do Rio de Janeiro era estimado em US$ 13,5 bilhões e o da Rnest, em US$ 18,5 bilhões.

Cálculo de propina foi "simplório", dizem advogados

 

Por Rodrigo Polito, André Ramalho, Cláudia Schüffner e Camila Maia | Do Rio e de São Paulo

A metodologia utilizada pela Petrobras para realizar a baixa contábil, no valor de R$ 6,2 bilhões, relativa ao esquema de corrupção investigado na operação "Lava-Jato", da Polícia Federal (PF), não convenceu especialistas ouvidos pelo Valor. Para a maioria deles, a fórmula adotada pela estatal foi simplória e não incluiu, por exemplo, o pagamento de impostos sobre a quantia relatada.

Na prática, segundo os especialistas, se a Petrobras considerou o percentual de 3% de sobrepreço dos ativos afetados pelo esquema de corrupção, a partir de informações das investigações da PF e do Ministério Público, a companhia deveria considerar a alíquota de imposto de 34% sobre esse valor.

"Se foi repassado 3%, que é o que eles [Petrobras] estão assumindo, deveriam ter feito no mínimo um "gross up" [cálculo de imposto "por dentro"]. Eles pagaram impostos em cima disso. Até o cálculo é mal feito", afirmou Adelmo Emerenciano, especialista em direito empresarial e sócio do escritório Emerenciano, Baggio e Associados.

Outro advogado especializado no tema, que preferiu não se identificar, também destacou que a Petrobras não deixou claro os detalhes da tributação sobre a quantia apresentada de baixa por corrupção. "Se este valor for considerado como pagamento indevido, ele é indedutível, consequentemente, deve haver 34% de tributação mais 75% de multa", explicou ele.

Para outro advogado que pediu para não ser identificado, a conta foi "conservadora", mas isso aconteceu porque é extremamente difícil para a companhia mensurar quanto do valor inflado dos ativos era por má gestão e quanto era por corrupção.

Na quarta-feira, durante apresentação do balanço de 2014, o gerente executivo de Desempenho Empresarial da Petrobras, Mario Jorge Silva, explicou que a cifra de R$ 6,2 bilhões é "referente a gastos adicionais capitalizados indevidamente em decorrência da operação Lava-Jato" e "teve por base as informações das investigações do Ministério Público Federal".

Questionado por jornalistas, na ocasião, se a Petrobras pode fazer novas baixas relativas à operação "Lava-Jato" nos balanços dos próximos trimestres, o presidente da estatal, Aldemir Bendine, afirmou que "os maiores valores e os principais achados já estão dados", mas admitiu que se surgir uma nova revelação pelas autoridades, a conta apresentada será revista. "Mas a princípio não estamos vendo esse tipo de situação", disse Bendine.

Para Emerenciano, porém, a baixa realizada só faz referência às fraudes investigadas na "Lava- Jato", embora haja depoimentos de ex-executivos da estatal admitindo irregularidades fora do período entre 2004 e 2012, que está sob investigação da PF.

"Vários outros depoimentos fazem referência a outras questões que não estão dentro da Lava-Jato, mas que colocaram sob suspeita outras operações. Por exemplo, [a refinaria de] Pasadena não está dentro da Lava-Jato. Onde está o valor [da baixa contábil] de Pasadena?", questionou o especialista em direito empresarial.

Para um analista de um grande banco, que não quis se identificar, "pode ser que eventualmente façam uma nova baixa se encontrarem evidências ou se ampliarem o prazo abrangido pelo ajuste".