O precipitado fim da reeleição
Na semana passada, a Câmara dos Deputados aprovou, em primeiro turno, o fim da reeleição. Sendo até agora a única medida significativa da reforma política, e aprovada com folgada maioria - 452 votos a favor, 19 contra e 1 abstenção -, pode-se ter a impressão de que ela expressa o sentir da população, bem como um consenso a respeito dos benefícios da proibição da reeleição para os cargos de presidente, governador e prefeito. Nada mais distante do que isso. A decisão reflete apenas a falta de memória dos parlamentares, com contornos de mera manobra, na busca de um bode expiatório para a grave crise política nacional - e assim desviar a atenção das reais causas do descolamento entre política e sociedade.
A reeleição para cargos executivos foi introduzida pela Emenda Constitucional 16/97, após dois anos de debate. Em editorial de dezembro de 1996, escrevemos: “Por princípio, sempre fomos favoráveis ao instituto da reeleição, independentemente das pessoas que venham a se beneficiar dele. As complexidades crescentes da economia e da vida social exigem programas de governo que dificilmente se realizam em um único período de quatro anos. Se tais programas forem ao encontro das expectativas da opinião pública, nada mais justo que o presidente da República - o governador ou o prefeito - tenha a oportunidade de continuar sua obra. Se, ao contrário, seu programa de trabalho colidir com os desejos do eleitorado, as urnas o dirão”.
Os motivos a favor da reeleição permanecem intactos. Argumentar que a experiência da reeleição já cumpriu o seu papel histórico e que seria conveniente - e até mesmo necessário - extingui-la é brincar com coisa séria. Não se completaram 20 anos de sua aprovação e já se dá por satisfeita a experiência? Seria bem-vindo um pouco mais de reflexão - e um pouco menos de presunção.
Falso também é o argumento de que a reeleição prejudica o surgimento de novas lideranças. A renovação dos candidatos - muito salutar numa democracia - é prejudicada por outras causas, não pela reeleição. Evidente prova desse argumento é o fato de que, até agora, Lula é o nome mais forte do PT para disputar a Presidência em 2018. A reeleição não é a culpada pelo PT não ter conseguido gerar novas lideranças depois de oito anos de Dilma no poder - e o mesmo se pode dizer a respeito de tantos outros partidos. No caso do PT, muitas de suas promissoras lideranças foram para a cadeia ou tiveram suas carreiras políticas interrompidas pela opção preferencial pela corrupção.
O presidente do Senado resumiu bem o pensamento - a enganação do momento - do Congresso: “A reeleição acaba sendo a fonte de todos os desvios e já havia chegado a hora de nós acabarmos com ela”. Tal afirmação é uma afronta à memória e à inteligência do eleitor. Os males da política nacional estavam presentes antes de 1997, quando se aprovou a reeleição. As causas são outras.
Se há algo a deduzir da brevíssima experiência da reeleição é de que o real problema está no uso da máquina pública a favor do candidato do governo, seja ele o ocupante do cargo ou um novo pretendente. Veja-se, por exemplo, a campanha presidencial de 2010, quando o Palácio do Planalto investiu sem qualquer escrúpulo na criação e promoção de uma candidata.
Se o Congresso pretende ter maior sintonia com a população, deveria olhar com mais atenção para os votos no período de vigência da reeleição, quando não poucas vezes o eleitor preferiu renovar o voto de confiança em quem já estava no cargo, em vez de pôr um novo inquilino no poder. Sem um motivo sério, tirar dos cidadãos essa possibilidade é fazer pouco-caso de sua capacidade de escolha.
Há muito tempo se adia a reforma política, que é bom que seja enfrentada com valentia. No entanto, o que se espera ao pedir reforma política não tem nada a ver com a mera atualização das regras eleitorais para atender aos interesses partidários do momento. Isso é o oposto do que se deve fazer. Afinal, a reforma política é para aperfeiçoar o sistema de escolha e representação da cidadania e não para satisfazer a caciquia.