O globo, n. 29867, 16/05/2015. Mundo, p. 34

Entregues à própria sorte

Mianmar avisa que não receberá de volta milhares de migrantes que se lançaram ao mar e são rejeitados por nações vizinhas

Ojogo de empurra-empurra entre os governos de Mianmar — que disse ontem que não aceita de volta os rohingyas que deixaram o país — e de países vizinhos — que se recusam a receber os imigrantes ilegais — vem agravando a crise humanitária no Sudeste Asiático. O resgate de quase mil refugiados, desidratados e com fome, que desembarcaram ontem na Indonésia, foi uma exceção: muitos dos que continuam a chegar foram novamente rejeitados pelo governo do país.

BINSAR BAKKARA/APCuidados. Recém-chegados chegam a tenda improvisada em Kuala Langsa, em Aceh, na Indonésia: novos imigrantes serão rejeitados

Segundo a polícia indonésia, o resgate ocorreu porque o barco com os imigrantes estava a ponto de afundar e os ilegais, “em vias de matar uns aos outros”. Mas, apesar da situação de desespero, as autoridades continuam se negando a tentar resolver o problema. Após um encontro com o presidente Joko Widodo, o chefe do Exército, general Moeldoko, afirmou que irá manter o veto a novos desembarques para impedir que se criem “problemas sociais”.

AMEAÇA DE BOICOTE A REUNIÃO

Na mesma linha, o premier da Tailândia, Prayuth Chan-ocha, afirmou que refugiados podem roubar empregos dos cidadãos locais. O da Malásia, Najib Razak, declarou-se “preocupado com a sorte dos imigrantes” mas não deu sinais de qualquer ação prática.

Mianmar, por sua vez, ameaça boicotar uma reunião regional organizada pela Tailândia se a palavra “rohingya” for mencionada. Segundo um porta-voz birmanês, os imigrantes dizem que são do país porque é “mais fácil e conveniente”. A minoria, uma das mais perseguidas segundo a ONU, vem sendo oprimida por budistas extremistas no país.

— Não podemos dizer que os imigrantes são de Mianmar, a menos que possamos identificá-los — alegou o porta-voz do governo, Ye Htut.

Organizações humanitárias denunciam há vários dias um jogo de “pinguepongue humano”, entre Indonésia, Malásia e Tailândia, que tentam manter os imigrantes da etnia rohingya e os bengaleses longe de suas costas. O que aconteceu com um pesqueiro com mais de 300 pessoas confirma a política de envolvimento mínimo dos países da região. A Marinha tailandesa consertou o motor, forneceu comida, água e medicamentos aos passageiros e mandou a embarcação dar meia-volta.

— Fizemos o nosso dever humanitário — disse o porta-voz Veerapong Nakprasit, acrescentando. — Os que estavam a bordo não queriam vir para a Tailândia.

Ativistas afirmam haver até oito mil refugiados à deriva no mar — algumas estimativas citam 20 mil — em barcos frágeis e sob risco de morrer de fome ou doença.

— Estou horrorizado. O foco deve ser em salvar vidas e não colocá- las em maior perigo — afirmou Zeid alHussein, alto comissário da ONU para Direitos Humanos.

Até há poucas semanas, as rotas usadas por rohingyas e imigrantes pobres de Bangladesh passavam pelo Sul da Tailândia, mas a descoberta de valas comuns levou Bangcoc a declarar guerra ao tráfico de pessoas. Com medo de serem interceptados, traficantes de imigrantes começaram a deixar os refugiados entregues à própria sorte no mar.