Valor econômico, v. 15, n. 3745, 29/04/2015. Brasil, p. A3

 

Salário real tem a maior queda desde 2004

 

Por Camilla Veras Mota e Robson Sales | De São Paulo e do Rio

A renda média real do trabalho registrou em março a maior queda desde fevereiro de 2004 - de 3% em relação ao mesmo período do ano anterior, como mostrou ontem a Pesquisa Mensal de Emprego (PME). Além dos salários, o levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) trouxe outros sinais de que as condições do mercado de trabalho se deterioram de maneira rápida neste ano. Entre elas está o aumento da taxa de desemprego em mais de um ponto percentual, de 5% em março de 2014 para 6,2% em março deste ano.

O desemprego cresceu em todas as seis regiões metropolitanas da pesquisa, com as maiores altas apuradas no Nordeste. No Recife, a taxa passou de 5,5% em março do ano passado para 8,1%; em Salvador, de 9,2% para 12%.

 

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A procura maior por trabalho no país - traduzida na alta de 0,3% da população economicamente ativa (PEA), em relação ao mesmo período de 2014 - e o avanço no número de demissões, expressa na queda de 0,9% da ocupação, na mesma comparação, são as principais razões para esse aumento do desemprego.

No caso da renda, os efeitos defasados da piora da atividade e do mercado de trabalho no ano passado, além da inflação alta - acima de 7% no acumulado em 12 meses - são apontados por Fabio Romão, da LCA Consultores, como as principais influências negativas. Ademais, destaca o economista, também pesou a perda de participação do emprego com carteira assinada, que via de regra paga melhor, no total das vagas que compõem a PME.

Em março, o trabalho formal passou a responder por 54,8% do total de postos contabilizados pela pesquisa, contra 55,1% em março do ano passado. A participação do trabalho por conta própria, por sua vez, avançou de 18,8% para 19,4% no mesmo intervalo. "Um sinal de precarização da mão de obra", avalia.

Com a alta de 1,7% da renda em janeiro e a retração de 0,5% em fevereiro, sempre em relação a iguais períodos do ano anterior, a variável encolheu 0,6% no primeiro trimestre. A massa de rendimentos, que representa o volume de recursos efetivamente disponível para o consumo, reduziu 3,8% em março e 1,3% no trimestre.

Os números, para Natalia Cotarelli, do banco BI&P, reforçam as perspectivas negativas para a atividade neste ano, mas podem sinalizar algum alívio à inflação. "Essa redução, a mais intensa desde fevereiro de 2004 [quando houve queda de 4,8%], foi a principal surpresa negativa da PME. Mas o que pode deixar a atividade um pouco pior também pode, ao mesmo tempo, deixar a inflação um pouco melhor", comentou.

"A queda pode ajudar a mitigar a aceleração dos preços livres", acrescenta Romão, da LCA. Com estimativa de crescimento de 8,1% para inflação média de 2015, a consultoria projeta desaceleração do aumento dos preços livres, de 6,8% em 2014 para 6,67% neste ano e 5,7% em 2016.

Diante desse cenário, a convergência para o centro da meta "começa a despontar como uma possibilidade", afirma Thais Marzola Zara, economista-chefe da Rosenberg & Associados. Ela projeta queda de 0,5% na renda média real neste ano - o pior resultado desde 2004, quando os salários da PME encolheram 1,2%.

A reversão rápida dos indicadores do mercado de trabalho neste ano tem levado consultorias e instituições financeiras a revisar algumas projeções para o ano. Após o resultado de ontem, a LCA alterou a estimativa para o comportamento da renda de estabilidade para queda de 0,8% em 2015. A Rosenberg elevou a taxa média de desemprego do ano de 5,9% para 6,4%.

Para o BI&P, a combinação de queda na ocupação e aumento da PEA deve levar a taxa a "algo próximo" de 7% na média do ano. O percentual em si não é alto, pondera Natalia, mas representa uma deterioração significativa se comparado à média de 2014, de 4,8%. A taxa de março, de 6,2%, é a maior desde maio de 2011.

O IBGE acredita que o desemprego vai se manter estável em abril, ante março, ainda que em um patamar maior que o registrado no ano passado. "Seguindo tendências, esperando um ambiente econômico favorável, o crescimento do desemprego deveria começar a se reduzir a partir de abril", afirma Maria Lucia Vieira, gerente do instituto.

Já são quatro meses seguidos de variação negativa da população ocupada em relação ao mesmo intervalo do ano anterior - dezembro de 2014 (-0,5%), janeiro (-0,5%), fevereiro (-0,9%) e março (-0,9%). "Isso revela que as pessoas estão saindo dos seus postos de trabalho e nem todas estão conseguindo se recolocar"

 

Massa salarial recua 8% em quatro meses e já afeta consumo

 

Por Denise Neumann | São Paulo

A forte deterioração que já se observava no nível de emprego chegou ao rendimento no mês de março, confirmando a restrição adicional que essa variável colocará para o consumo e, consequentemente, para o Produto Interno Bruto (PIB) neste ano.

Em março, na comparação com o mesmo período do ano passado, a massa salarial ficou 3,8% menor já descontada a inflação - o rendimento médio real caiu 3% e o total de ocupados recuou 0,9% nas seis regiões metropolitanas que são acompanhadas na Pesquisa Mensal de Emprego do IBGE.

Em termos anuais, essa foi a segunda queda real consecutiva, pois em fevereiro ela havia recuado 1,5% sobre fevereiro do ano passado. Em termos mensais, contudo, a massa salarial está em queda desde dezembro, acumulando retração de 8%, equivalente a R$ 4,3 bilhões a menos de recursos disponíveis para consumo de bens e serviços nas seis regiões. Desde 2002, nunca houve recuo dessa magnitude na massa de salários. No fim do ano passado, a queda na ocupação afetava a massa de rendimentos, e agora esse movimento foi potencializado pela forte perda no rendimento individual.

A queda no rendimento completa um quadro de forte deterioração no mercado de trabalho, que já estava presente nos primeiros dois meses do ano. Esse quadro é composto por aumento das demissões, com maior redução nas ocupações com carteira de trabalho, e pelo crescimento da ocupação por conta própria.

Entre março do ano passado e março deste ano, o número de desempregados aumentou em 280 mil pessoas, o que representa contingente 23% maior. Desse total de desempregados, 197 mil são pessoas demitidas (corte de vagas) e o demais entraram ou voltaram ao mercado e não encontraram trabalho.

Os dados de março mostram aceleração na situação de desocupação. Em fevereiro, a taxa de desemprego era de 5,9%, 0,8 ponto percentual acima da taxa de fevereiro do ano passado. Em março, o desemprego passou a atingir 6,2% da população economicamente ativa, taxa 1,2 ponto superior à de igual mês de 2014.

Proporcionalmente, o desemprego cresceu mais em Porto Alegre (70% ou 43 mil pessoas) e em Recife (53%, equivalente a 48 mil novos desempregados em relação a março do ano passado).