Valor econômico, v. 15, n. 3745, 29/04/2015. Opinião, p. A12

 

Só venda de ativos não equaciona dívida da Petrobras, diz Bendine

 

Por Leandra Peres e Rafael Bitencourt | De Brasília

 

Marcos Oliveira/AgĂȘncia SenadoBendine, presidente da Petrobras, disse que o problema do endividamento ainda vai existir "por algum tempo"

O peso da dívida que a Petrobras acumula depois da baixa de R$ 51 bilhões no balanço do ano passado seria um limitador à participação da companhia num novo leilão do pré-sal neste momento. Em depoimento de mais de cinco horas na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, o presidente da estatal, Aldemir Bendine, repetiu à exaustão que a estatal tem financiabilidade e que reduzir a dívida é uma prioridade. Mas alertou: apenas a venda de ativos, estimada em R$ 13 bilhões nos próximos dois anos, não será suficiente para resolver o problema do endividamento, situação que ainda existirá "por algum tempo".

No curto prazo, a empresa pode ter algum ganho com a reversão da provisão feita no balanço para as dívidas que a Eletrobras tem com a petroleira. De acordo com o diretor financeiro da Petrobras, Ivan Monteiro, o fornecimento de óleo combustível para as termelétricas da região Norte não vinha sendo pago e em dezembro exigiu um provisionamento no balanço. Desde então, o Ministério de Minas e Energia e da Fazenda haviam encaminhado uma solução e o fluxo de pagamentos à Petrobras deverá se intensificar em abril, maio e junho. "Este é um valor recuperável e que pode voltar ao balanço este ano", afirmou.

Bendine disse aos senadores que a única forma de a companhia cumprir a exigência legal de participar com 30% nos consórcios do pré-sal seria aumentar mais o endividamento. "Temos que entender que, se houvesse um leilão, nesse momento, diante da situação de caixa da empresa, teríamos uma dificuldade em relação a esse investimento. Mas isso [um novo leilão] não está previsto", explicou Bendine.

Ele não defendeu diretamente mudanças no modelo de partilha, adotado pelo governo para exploração do pré-sal, mas disse que a empresa tem que ter o poder de decidir sobre seus investimentos. Sobre a política de conteúdo nacional, Bendine reconheceu que a Petrobras não vem cumprindo os percentuais exigidos na lei, especialmente na nacionalização de sondas de perfuração. Para ele, será possível chegar a uma "boa solução" nas conversas com a Agência Nacional de Petróleo.

O presidente da Petrobras respondia aos senadores mas também às dúvidas que ainda restam no mercado financeiro sobre a estratégia para reduzir a dívida. Bendine reforçou a ideia de que o novo plano de investimentos, que deve ser anunciado em 30 a 40 dias, vai detalhar os ativos que serão vendidos e as prioridades do investimento. Sobre o preço dos combustíveis, variável de grande impacto na receita da companhia, o executivo disse que o preço da gasolina atualmente é "justo" e está em linha com os custos da empresa. Neste cenário, Bendine afirmou não haver necessidade de aumentos no curto prazo.

Tentando se equilibrar entre a necessidade de um discurso sóbrio, que exige da Petrobras reduzir investimentos, e necessidade política mostrar que a empresa se recupera, Bendine afirmou mais de uma vez que os cortes necessários não deixarão a estatal "parada" ou em "marcha ré".

O presidente da Petrobras voltou a falar na venda de ativos que não estão ligados à atividade fim, mesmo modelo usado por ele à frente do Banco do Brasil. Bendine negou estar falando especificamente da venda da Transpetro ou da BR Distribuidora, mas não descartou que este tipo de análise pode ser feita. Ele citou como exemplo de ganhos que a estatal pode ter, a venda ou parceria com Transpetro e empresas de comunicação para o uso dos dutos na instalação de fibras óticas.

Bendine não quis se comprometer com decisões tomadas pela antiga diretoria. Não quis comentar a política de represamento de preços ou a primeira estimativa de correção do balanço, mas quando perguntado sobre a responsabilidade do conselho de administração, o novo presidente a estatal disse duvidar que os conselheiros, entre eles a presidente Dilma Rousseff, tivessem consentido com fraudes.

Balanço trouxe 'perdão' ao passado

 

Por Graziella Valenti | De São Paulo

 

Leo Pinheiro/ValorSinedino: "Rnest custou 130% mais que a média internacional de refinarias"

O balanço da Petrobras de 2014 trouxe um alívio aos ex-administradores da estatal e também às firmas de auditoria que lá atuaram de 2008 até hoje. Os ajustes realizados, de R$ 51 bilhões ou 6,5% dos ativos, não permitem qualquer avaliação a respeito de ineficiências ou superfaturamentos que tenham ocorrido no passado.

A preocupação dos administradores e dos auditores deve-se às investigações sobre possível falta de diligência na contratação de obras com as construtoras investigadas pela Operação Lava-Jato do Ministério Público Federal (MPF) - e na sua contabilização. Há investigações na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) sobre o tema, e também uma ação de investidores de ADRs na Bolsa de Nova York na corte americana, em busca de ressarcimento pela queda nas ações.

A explicação para o alívio que o balanço de 2014 traz aos ex-administradores (exceto os já denunciados) e aos auditores está no método usado para os ajustes. Até 2011, a empresa foi avaliada pela KPMG e a partir de 2012, pela PwC. Ambas atestaram não só os números mas também os controles internos da companhia.

No balanço de 2014, por conta da Lava-Jato, a Petrobras corrigiu o valor de seus ativos em R$ 6,2 bilhões. Este foi o total atribuído a "pagamentos indevidos". Ao fazer tal correção, a estatal admite que houve 3% de sobrepreço nos contratados com as construtoras investigadas pelo MPF.

A empresa adotou essa taxa a partir de depoimentos de ex-executivos que foram presos e fizeram acordo de delação premiada, na ausência de solução melhor. Esse tratamento não era obrigatório.

O percentual de 3% não é considerado "materialmente relevante" - conceito da contabilidade internacional - e poderia ter passado aos olhos dos auditores e da administração. Assim, aponta especialista que preferiu não se identificar, estariam todos "perdoados" por não notarem a corrupção.

Restaria o teste da capacidade de recuperação do valor contábil dos ativos - o chamado "teste de impairment" - para verificar se além dos 3% delatados haveria mais indícios de superfaturamento. A avaliação é anual.

A Petrobras fez uma baixa por "impairment" de R$ 44,5 bilhões para 2014. Do total, R$ 31 bilhões (70%) vieram de do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj) e da Refinaria Abreu e Lima (Rnest) - as obras mais polêmicas, em função de orçamentos elevados e constantemente ampliados ao longo dos anos.

Mas esse ajuste de R$ 31 bilhões só foi possível porque elas foram retiradas da Unidade Geradora de Caixa (UGC) Refino - grupo com as 15 refinarias da companhia.

Há 15 anos, desde que listou as ações na Bolsa de Nova York (Nyse) e começou a fazer tal teste para a contabilidade daquele país, a Petrobras divide seus ativos por UGC, método reconhecido pela contabilidade. Não se trata de novidade.

As refinarias são avaliadas juntas porque a gestão é integrada, alega a Petrobras. Inclusive a logística e os custos. Não seria viável avaliar cada uma delas porque sequer os dados são coletados assim pela companhia - é o que alegam administração e auditor. Assim, o modelo adotado pela Petrobras dificulta essa verificação.

Comperj e Rnest foram retiradas da UGC porque, no começo deste ano, a Petrobras decidiu paralisar estas obras, após a queda no preço internacional do petróleo. Ou seja, o futuro não garantia rentabilidade. Mas não há avaliação sobre se o passado responde por parte dessa falta de perspectiva de recuperação do valor investido.

Há exatamente um ano, o plano da estatal era investir quase US$ 40 bilhões nessas obras até 2018. Consultada, a Petrobras não informou quanto já foi investido.

O método usado pela Petrobras atesta apenas que, ainda que tenha ocorrido superfaturamento, é possível recuperar o investimento - na condição atual de mercado - com a operação integrada das refinarias. Não garante que não houve superfaturamento. Mas tampouco indica sua existência.

Assim, o balanço da Petrobras, isoladamente, não aponta para problemas de controles internos e falhas na diligência dos administradores - exceto pelos R$ 6,2 bilhões corrigidos, menos de 1% dos ativos totais, de R$ 800 bilhões.

Para especialista ouvido pelo Valor, uma baixa na UGC Refino sem ser feita por paralisação de obra levantaria uma bandeira nessa direção e suscitaria questionamentos, em função da Lava-Jato.

Os conselheiros de administração que rejeitaram o balanço de 2014 - Mauro Cunha e Silvio Sinedino - argumentam nos seus votos que diante do cenário atual seria importante a companhia avaliar separadamente ao menos a primeira fase da Rnest. Os motivos para a suspeita sobre essa refinaria constam do voto desses conselheiros.

A opção por só apresentar o cálculo da UGC Refino também foi ponto central da negativa dos dois conselheiros fiscais dos minoritários - Walter Albertoni e Reginaldo Alexandre.

Consta no voto de Sinedino, membro eleito pelos funcionários da estatal, que a primeira fase da Rnest custou de US$ 81 mil por barril refinado, frente a um custo médio internacional de US$ 35 mil - um adicional de 130%.

Não é possível afirmar que o sobrepreço seja causado por superfaturamento de contratos. Há diversas possibilidades, como ineficiências, conteúdo nacional obrigatório e ainda pressa - já que o investimento maciço em refino era planos do governo para o Brasil.

Cunha alega em seu voto que a Rnest está registrada nos livros da Petrobras ao "impressionante" múltiplo de 27 vezes o Ebitda (lucro antes de juros impostos, depreciação e amortização), conforme os números levados pela administração ao conselho. Após a baixa de 2014, esse indicador cai para 22 vezes - "ainda superior a qualquer parâmetro aceitável", segundo ele.

Na prática, a soma das avaliações individuais deveria ser o mesmo da UGC, pois as sinergias da gestão integrada já estão na operação. Para uma análise individual, bastaria separar a capacidade da Rnest e aplicar o mesmo modelo de fluxo de caixa descontado usado para a UGC. É essa a crítica e o motivo dos conselheiros descontentes. Para eles, a conta é possível, e a opção foi diluir a Rnest na UGC.

O balanço de 2014 da Petrobras traz também uma lição para analistas de ações e de dívida, e também para investidores. Os riscos de obras tão caras - cujos investimentos eram públicos e destacados pela estatal - não foram adequadamente medidos. Havia críticas, mas não se ouviu previsão de baixas relevantes nos balanços.

Ver também: Conselheiros criticam balanço da Petrobras