Título: O discurso dos presidentes
Autor: Braga, Juliana
Fonte: Correio Braziliense, 07/08/2011, Política, p. 10

Pesquisa revela como os chefes do Executivo, desde o golpe militar, utilizam a retórica nas falas de posse para esconder fragilidades

Entra governo, sai governo, e o discurso permanece intocado. A pesquisadora Edilene Fernandes, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), analisou os discursos de posse dos presidentes desde o golpe militar para chegar a uma conclusão: não importa a coloração partidária ou o regime, todos usam recursos retóricos para mascarar suas fragilidades. Segundo a professora, os discursos definem a imagem do eleito, que tenta se distanciar ou se aproximar das representações criadas pelos eleitores. "O discurso de posse é feito para agradar a população", afirma a pesquisadora.

O então presidente Fernando Collor de Mello, por exemplo, tentava exaltar sua juventude como uma característica positiva, mas, para balancear os poucos anos, falava em experiência, baseado no legado de sua família. "Orgulho-me de ter pertencido à Câmara dos Deputados, onde meu avô, Lindolfo Collor, tivera atuação destacada. Envaideço-me da memória dos anos fecundos que meu pai, Arnon de Mello, dedicou ao Senado Federal", disse durante a posse. A citação, entretanto, foi breve. O pai de Collor atirou no senador Silvestre Péricles, em 1963, dentro do Senado, passagem obviamente excluída do discurso.

O antecessor de Dilma Rousseff, Luiz Inácio Lula da Silva, na posse de seu segundo mandato, tentou se vitimizar das acusações que o ligavam ao Mensalão. "Reconheço que Deus tem sido generoso comigo. Mais do que mereço", disse o então presidente reeleito. Segundo a professora, Lula apela para a religiosidade, uma das mais fortes rédeas da população, para agradar eleitores insatisfeitos com as denúncias de corrupção. Quem também usou a religiosidade foi o atual presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP). Em 1987, quando assumiu o cargo no lugar de Tancredo Neves, o político maranhense defendeu-se do fato de que não era ele o homem escolhido pelo Colégio Eleitoral. "Sarney tenta reforçar seu lugar como presidente por meio de uma escolha maior, a de Deus, valorizando suas virtudes pessoais para assegurar sua preparação para o cargo", conta a pesquisadora.

O único que não tenta esconder fragilidades é o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. O tucano assume o cargo em um momento de grande aceitação do povo, por conta, também, do Plano Real, e tenta aproveitar a lua de mel. "Sem arrogância, mas com absoluta convicção, eu digo: este país vai dar certo! Não por minha causa, mas por causa de todos nós", disse FHC. Edilene não chegou a analisar o último discurso de posse proferido, o de Dilma, mas afirma que ela foi bastante evasiva. "Dilma não trata de temas muito específicos, talvez, para não precisar admitir que não concorda completamente com as posturas do governo anterior", acredita.

Democracia Os presidentes do período ditatorial do Brasil tentaram, em seus discursos, atribuir caráter democrático aos seus governos. "Precisavam tocar no assunto, para não virar uma panela de pressão. Então, tentam levar o incômodo com o autoritarismo em banho-maria", diz. "Falam do Estado como se ele fosse um corpo destacado, intacto e perfeito, como se tivesse vontades próprias e soberanas", explica. Segundo a professora, esse tom revela o autoritarismo, por colocar o governo apenas como um agente do Estado, conduzindo o regime que ele precisava.

Outra característica dos militares é se apoiar nos antecessores para justificar a escolha para o cargo. Castello Branco, por ter sido o primeiro, busca apoio no Congresso Nacional, que o escolheu. "Reafirmo, portanto, os compromissos da Revolução de 1964, de assegurar uma sociedade livre e democrática", afirmou João Figueiredo. O professor de ciência política da Universidade de Brasília (UnB) João Paulo Peixoto explica que os discursos de posse são utilizados para criar a imagem do presidente. "É o momento de dizer a que veio. Mas o discurso bem produzido deve conter diretrizes de governo e indicações de políticas públicas", defende. E alerta: "A retórica é uma arma muito forte, mas também é uma faca de dois gumes. Se o discurso não se materializa em fatos, tem o efeito contrário ao esperado", analisa.