Título: As origens do atraso brasileiro
Autor: Bonfanti, Cristiane
Fonte: Correio Braziliense, 07/08/2011, Economia, p. 16

A renda per capita chegará a US$ 12,4 mil, nível da Suíça em 1955. A industrialização tardia e o baixo investimento estão entre as causas

O Brasil deve fechar o ano com uma renda per capita de US$ 12,4 mil, um aumento de 15% em relação a 2010. Esses números podem ser motivo de comemoração, mas demonstram um enorme descompasso entre o crescimento nacional e o das grandes economias do mundo. O país só alcançou agora o nível de produção de riqueza por habitante atingido pela Suíça em 1955. A Dinamarca e a Holanda chegaram ao atual patamar brasileiro em 1965 e 1968, respectivamente.

Estatísticas reunidas pelo economista inglês Angus Maddison, falecido no ano passado, remontam a mais de 2 mil anos e revelam o longo caminho que o Brasil deve percorrer se quiser crescer e, ao mesmo tempo, diminuir as desigualdades sociais. Os números mostram que, em 1600, o Brasil tinha uma renda per capita de US$ 428, maior que a dos Estados Unidos, de US$ 400. Hoje, quatro séculos depois, os norte-americanos sustentam um índice de US$ 47.283, mais de quatro vezes o brasileiro.

Na visão de especialistas, a origem do atraso brasileiro está na colonização. Enquanto os Estados Unidos e o Canadá foram colônias de povoamento ¿ os colonizadores querem morar na terra e promovem o seu desenvolvimento ¿, o Brasil foi de exploração. À época, nenhuma atividade produtiva nacional poderia competir com as da metrópole ou prejudicar os seus interesses comerciais. "Nos EUA, um grupo de pessoas apostou na construção da sociedade. Aqui, a sociedade apostou viver de renda, da exploração de recursos naturais e do comércio de escravos", resume Cristina Helena Pinto de Mello, professora de macroeconomia da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM).

Ela explica que, por mais que os dados de Maddison possam ter alguma imprecisão devido às dificuldades de cálculo, a situação do Brasil era, de fato, semelhante à de países que se tornaram potência. "Houve toda uma diferença cultural que se manifestou, inclusive, na atuação dos governos. Ao longo da história, o trabalho não foi tão valorizado no país, mas sim o ganho fácil. Boa parte dos problemas que a gente enfrenta hoje decorrem de o Estado não ter investido na educação e na formação de uma mão de obra capaz de pensar soluções e empreender", analisa.

O economista Marcelo Neri, da Fundação Getulio Vargas, concorda. "Tivemos décadas perdidas devido, principalmente, à falta de investimento em educação. E, se você olha a desigualdade social, o atraso é ainda pior", ressalta. Neri cita o exemplo da Coreia do Sul. Assolado pela guerra nos anos 1950, o país apostou alto na educação e deu a volta por cima. Desde 1980, sua renda per capita saltou de US$ 1,6 mil para US$ 20,1 mil. "A Coreia tinha renda menor que a nossa em 1960 e hoje é rica", diz.

Mas os gargalos enfrentados pelos brasileiros não estão apenas na falta de investimento em educação. Para o economista José Oreiro, da UnB, a industrialização tardia é uma das principais explicações para o atraso. Vivida a partir de 1930, com Getúlio Vargas, ela mudou toda a trajetória do Brasil, mas foi feita muito depois que a de países como Inglaterra e Estados Unidos. "Nos EUA, a industrialização ocorreu em 1860. Aqui, sete décadas depois", ressalta Oreiro. A seu ver, outra explicação para o Brasil ter ficado tão distante dos líderes foi o perído de semiestagnação vivido entre 1980 e 2005. "Vivemos a crise externa e o período de hiperinflação. Decretamos moratória em 1982 e tivemos uma série de planos econômicos perdidos. Isso se reproduziu até aqui."

Colonização O professor observa que, por ter enfrentado o mesmo tipo de colonização, a maioria dos países da América Latina compartilha os problemas do Brasil. De fato, pelos dados do economista inglês, a renda per capita do Peru cresceu 653,8% ¿ de US$ 686 em 1900 para os atuais US$ 5.171. Na mesma comparação, a da Argentina aumentou 231,6%, de US$ 2.756 para US$ 9.138. Enquanto isso, a Áustria viu a sua geração de riqueza por habitante saltar de US$ 2.882 para US$ 44.986, num avanço de 1.460%. Na Holanda, os valores subiram 1.277,7%. "Só depois do Ciclo do Café (1800-1930), o Brasil passou a ter um capital nacional e a dar os primeiros passos para a industrialização", ressalta Oreiro.

Ricardo Madeira, professor de economia da Universidade de São Paulo, destaca os atrasos nas reformas institucionais. "Países que, à época de sua formação, se preocuparam mais com as liberdades políticas e a garantia do direito de propriedade tiveram uma performance melhor. Aqui, tivemos também vários golpes e mudanças de regime. Não se adotou um paradigma institucional que se aperfeiçoou ao longo do tempo", afirma. Cristina Helena Pinto de Mello observa que a situação do Brasil poderia ser pior. "Não podemos criminalizar o país pela atual realidade. Por diversas vezes, o Estado teve papel importante. Nossa renda hoje não é comparada à dos países da África porque o nosso governo agiu para mudar esse desenho", destaca.

Nas mãos Relegado a posições distantes das grandes potências econômicas ao longo da história, o Brasil, agora, tem tudo nas mãos para crescer e ser alçado ao seleto grupo das nações mais ricas e industrializadas. Com dois terços dos habitantes em idade produtiva (entre 15 e 64 anos), o país está no chamado bônus demográfico ¿ fenômeno definido pela força de trabalho maior que o número de pessoas economicamente dependentes ¿ e precisa aproveitar o momento. "Nos últimos três anos, depois da crise de 2008, o Brasil está crescendo mais que o mundo. Olhando para o espelho retrovisor, ficamos para trás. Mas esta, sem dúvida, deve ser a década da América Latina", afirma Marcelo Neri.

Relatório recente da consultoria PwC concluiu que a crise deu um novo rumo para a economia global. Conforme o estudo, o Produto Interno Bruto (PIB) das sete economias emergentes (China, Índia, Brasil, Rússia, México, Indonésia e Turquia) pode ultrapassar o do G-7 (Estados Unidos, Japão, Alemanha, Reino Unido, França, Itália e Canadá) antes de 2020.

Entre a variada lista de itens que afetam a competitividade do Brasil está a distribuição de renda. "Nesse quesito, o poço é mais fundo do que parece. O que não podemos fazer agora é achar que chegamos a algum lugar, sendo que estamos muito atrasados", avalia Neri. José Oreiro aponta ainda gargalos como a infraestrutura das estradas, portos e aeroportos e a geração de energia elétrica, além da elevada carga tributária. "Precisamos simplificar a estrutura dos impostos para melhorar as nossas exportações. Temos também o problema dos juros e do câmbio que se arrasta há mais de 20 anos", diz.