Título: Brecha na lei facilita os jogos de azar
Autor: Alves, Renato
Fonte: Correio Braziliense, 07/08/2011, Cidades, p. 30

A falta de legislação sobre crimes cometidos por meio da internet facilita a ação de grupos organizados. Projetos em tramitação na Câmara dos Deputados e no Senado Federal proíbem apostas on-line em todo o território nacional

A hospedagem no exterior e a falta de uma legislação brasileira para crimes na internet são as brechas usadas pelos contraventores para espalhar seus delitos e lucros. No Brasil, a exploração de apostas, bingo ou outro tipo de jogo de azar é proibida (veja O que diz a lei). Na rede mundial de computadores, porém essa proibição pode ser facilmente burlada em um mercado que não para de crescer e movimenta bilhões por ano. As autoridades brasileiras alegam estar de mãos atadas.

Apesar de a jogatina ser proibida no Brasil, cresce às vistas das autoridades por causa do endereço da página eletrônica. Se tais atividades estão em um país onde ela é liberada, pouco se pode fazer para combater. "Se o site está hospedado no Brasil, podemos até tirá-lo do ar. Mas, se está em um país que permite os serviços oferecidos, não há muito a fazer. É uma questão de direito internacional, não temos como nos meter nisso", explica o diretor da Divisão de Repressão a Crimes de Alta Tecnologia (Dicat) da Polícia Civil do Distrito Federal, delegado Silvio Cerqueira.

Se o site for brasileiro do ponto de vista jurídico, o responsável pode ser indiciado por contravenção ou ainda por fraude ou estelionato. Sabendo disso, os contraventores mudam a base do negócio milionário para um paraíso fiscal, como Curaçao. No Brasil, os únicos meios de aposta permitidos são os administrados pelo governo (loteria federal, Mega-Sena e outros) ou nos hipódromos autorizados.

Desesperançosos quanto à legalização do jogo no Brasil e sufocados pelas operações da Polícia Federal, como a que culminou com a apreensão de 160 máquinas caça-níqueis há 10 dias, em Valparaíso (GO), os contraventores brasileiros migram para o mundo digital, apostando no bingo por se tratar de uma fatia ainda pouco explorada pelos sites de apostas estrangeiros.

O bingo praticado nos cassinos ilegais brasileiros, como os instalados no Entorno, é um jogo tipicamente tupiniquim. "Oferecendo as apostas de cassino e de modalidades esportivas, como futebol, os sites existentes visam aos mercados dos Estados Unidos, da Europa e da Ásia. Nesses lugares, os jogadores da internet preferem o pôquer. O bingo com vários tipos de apostas é algo genuinamente brasileiro", explica o rapaz que se apresenta como consultor do Brazil Bingo.

Já em sites como Betboo.com ou Sportingbet.com, em português, cassinos on-line permitem apostar em bingo e em esportes como futebol, basquete, Fórmula 1, críquete, golfe e muitos outros, de várias partes do mundo. No futebol, as apostas vão dos resultados da próxima rodada do Brasileirão aos da Liga da Letônia. As opções são muitas, dependendo do resultado no intervalo, se o resultado final será número par ou ímpar, entre outros fatores.

Lavagem de dinheiro A Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio da Câmara dos Deputados aprovou, em 6 de julho, a proposta que proíbe a realização de apostas pela internet em todo o território nacional. O texto aprovado foi o substitutivo do deputado Valdivino de Oliveira (PSDB-GO) para o Projeto de Lei nº 57/11, do deputado licenciado Luiz Carlos Hauly.

Oliveira explica que, mesmo não havendo uma lei específica para a internet, o funcionamento de sites de apostas contraria a Lei de Contravenções Penais (Decreto-Lei nº 3.688/41). O relator lembra que, muitas vezes, essas páginas permitem o uso de cartões de débito ou de crédito. Com o substitutivo, Oliveira busca preencher essa lacuna. "Era preciso proibir o uso de cartões ou de qualquer outra modalidade de transferência eletrônica de valores para pagar apostas", sugere.

A proposta tramita em caráter conclusivo e será analisada pelas comissões de Finanças e Tributação, de Constituição e Justiça e de Cidadania. No Senado, um projeto proíbe que as empresas de cartões de crédito e de débito autorizem transações relacionadas a jogos de azar. O autor da proposta, senador Magno Malta (PR-ES), diz que as apostas pela web "podem causar uma série de problemas". Ele cita a dificuldade de controle de acesso de adolescentes e o potencial que a atividade tem de tornar-se um vício, além de o anonimato permitido pela internet encorajar fraudes e facilitar a lavagem de dinheiro.

Cassinos Em uma operação deflagrada na noite de 29 de julho, policiais federais fecharam cinco cassinos em Valparaíso (GO), a 38km de Brasília. Eles apreenderam 160 máquinas caça-níqueis, que continham R$ 40 mil. Os agentes levaram os aparelhos e 12 apostadores à Superintendência da Polícia Federal. Mas os suspeitos de participar do esquema ganharam a liberdade após assinar um termo circunstanciado.

[FOTO2] CRIMES EM SÉRIE Promotores federais dos EUA acusaram três fundadores e outras oito pessoas relacionadas aos três maiores websites de apostas norte-americanos de terem praticado apostas ilegais, fraude bancária e lavagem de dinheiro. O termo de indiciamento diz que muitos bancos que processavam os pagamentos das apostas não estavam cientes da origem dos recursos, o que seria ilegal de acordo com uma lei norte-americana de 2006. Ademais, o indiciamento faz alusão a propinas pagas a instituições bancárias que sabiam das transações ilegais.

O que diz a lei

O Supremo Tribunal Federal (STF) declarou inconstitucionais, em 5 de agosto de 2004, as leis do Distrito Federal que permitiam a exploração de empresas de consórcios e sorteios, nos quais se incluíam as loterias e os bingos. Por 10 votos a um, os ministros da Corte julgaram procedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) ajuizada pelo Ministério Público Federal contra quatro leis sobre loterias sociais. Ratificaram que o Governo do DF não pode legislar sobre a abertura e o funcionamento de empresas de consórcios e sorteios. Ao estabelecer que a competência é da União, o STF antecipou a resposta que daria a todas as ações que pretendem derrubar as leis estaduais no país. Em 2007, o STF julgou procedente a Adin que questionou as leis estaduais nº 13.639/00 e nº 13.762/00 do estado de Goiás, que regulamentavam as loterias e similares em seu território, incluindo bingos e caça-níqueis.