Título: Socorro aos mercados
Autor: Cristino, Vânia
Fonte: Correio Braziliense, 08/08/2011, Economia, p. 7
Banco Central Europeu anuncia a compra de títulos da Itália e da Espanha para estancar nervosismo com rebaixamento da dívida dos EUA. Bolsas abriram em queda na Ásia
Numa tentativa de evitar uma nova onda de pessimismo nas bolsas e o risco de uma paralisação do crédito bancário, depois do rebaixamento da nota da dívida norte-americana pela agência Standard & Poor"s (S&P), o Banco Central Europeu (BCE) realizou uma reunião extraordinária e anunciou, ontem à noite, que vai intervir "ativamente" no mercado secundário de bônus. O alvo do BCE são os papéis da Itália e da Espanha, que vêm sendo obrigadas a pagar juros mais altos para refinanciar suas dívidas. Com a intervenção do BCE, os bancos podem se livrar dos títulos problemáticos.
No primeiro dia de negócios após a decisão da S&P, a tendência de baixa começou a ser percebida nos indicadores das bolsas asiáticas, que voltaram a despencar. Em Seul, o pregão de segunda-feira abriu em queda de 1,4%, levando o índice ao menor nível desde 15 de março. Em Tóquio, o recuo era de 1,13% na abertura.
Os mercados da Ásia abriram depois do comunicado do BCE, divulgado no fim de um dia marcado por uma sequência de contatos entre autoridades financeiras das principais economias do mundo, incluindo ministros de Finanças do G-7, grupo dos países mais desenvolvidos, e do G-20, que engloba também as principais economias emergentes. O ministro de Finanças do Japão, Yoshihiko Noda, disse que o grupo de países ricos tomará medidas para garantir liquidez ao mercado e evitar excessiva flutuação cambial.
Os dirigentes esperam conter o nervosismo dos investidores, após uma semana de quedas acentuadas nas maiores bolsas de valores do mundo. No fim de semana, sinais de pânico vieram do Oriente Médio. Na Bolsa de Tel Aviv, em Israel, uma das poucas que funcionam no domingo, o pregão abriu em queda de 6% e fechou com 7% negativos. Foi o maior recuo desde outubro de 2000. Os negócios chegaram a ser suspensos por uma hora mediante o mecanismo conhecido como circuit breaker, que interrompe as operações quando ocorrem quedas atípicas nas cotações. O mercado de Riad, na Arábia Saudita, que abre no sábado, desabou 5,5% e não conseguiu, ontem, se recuperar, registrando alta tímida de 0,08%.
Lenha na fogueira No meio desse turbilhão, o diretor-gerente da S&P ainda colocou mais lenha na fogueira. Em entrevista a um canal de televisão norte-americano, John Chambers afirmou que existe uma chance em três de haver novo rebaixamento da classificação dos EUA dentro de seis meses a dois anos. "Se a posição fiscal se deteriorar mais ou se a contenção política se tornar mais arraigada, isso pode levar a um rebaixamento", afirmou.
Antes do comunicado do BCE, o presidente da França, Nicolas Sarkozy, e a chanceler da Alemanha, Angela Merkel, divulgaram uma declaração conjunta em que reiteram o compromisso de colocar em prática o acordo firmado em 21 de julho numa reunião de cúpula em Bruxelas. Além de liberar um socorro de 159 bilhões de euros para a economia grega, os líderes da Zona do Euro concordaram em reestruturar o Fundo Europeu de Estabilização Financeira (FEEF) para comprar títulos de países endividados no mercado secundário e ajudar bancos que carregam esses papéis. Essas decisões, no entanto, só estarão em condições de ser implementadas no fim de setembro, depois de ratificadas pelos parlamentos dos países da união monetária.
Sarkozy e Merkel ainda apoiaram os planos da Itália e da Espanha para cortar deficits orçamentários e melhorar a competitividade de suas economias. O apoio formal da Alemanha é considerado fundamental porque o país é um dos mais reticentes quanto à capacidade da Itália de sair do atoleiro. O governo alemão acredita que, caso a Itália não consiga honrar seus compromissos, seus papéis não poderão ser resgatados pelo FEEF por absoluta falta de recursos. O fundo dispõe hoje de 440 bilhões de euros, mas uma ampla operação de socorro ao Tesouro italiano não custaria menos de 800 bilhões, de acordo com estimativas de bancos europeus. A Itália tem dívida superior a 2 trilhões de euros.
Fator de risco As chamadas agências de classificação de risco, lideradas pelas norte-americanas Moody"s, Standard & Poor"s (S&P) e Fitch, balizam expectativas (positivas e negativas) dos investidores no mercado financeiro com a concessão de ratings, notas dadas a empresas e a governos que emitem títulos para serem negociados no mercado. Esse parecer das agências sobre a capacidade do emissor desses títulos de honrar seus compromissos com os investidores vem orientando há décadas o grau de aperto ou de facilidade com que dívidas públicas e privadas são administradas. Ao rebaixar a classificação AAA dos papéis da dívida norte-americana, a S&P retirou a maior economia do mundo do clube de países mais seguros para o capital, um duro golpe para os investidores.