Mangabeira: Mercosul é 'corpo sem espírito' e foco deve ser EUA

 

BRASÍLIA - Convocado de volta ao governo pela presidente Dilma Rousseff com a tarefa de pensar em projetos de médio e longo prazos para o Brasil, o ministro de Assuntos Estratégicos, Mangabeira Unger, defende a revisão completa da política externa brasileira, a começar pelo Mercosul. Ele sugere a suspensão temporária da Tarifa Externa Comum (TEC), usada no comércio com países que não fazem parte do bloco, para que o Brasil possa fazer acordos bilaterais com outros parceiros internacionais, como a União Europeia. Esta é a primeira vez que alguém do primeiro escalão do governo brasileiro defende publicamente essa medida.

— Estamos inibidos de buscar acordos cada vez mais importantes para nós, por causa dos problemas da economia argentina. Sem um projeto, estratégia ou modelo comum, o Mercosul é um corpo sem espírito. Nenhuma união poderosa pode se basear meramente em interesses comerciais — disse.

Ele explicou que a ideia é o Mercosul, durante um período transitório, deixar de ser uma união aduaneira. Nesse tempo, “que duraria o necessário”, seria construída uma série de aproximações e acordos bilaterais, inclusive na América do Sul.

TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA CHINESA

Mangabeira disse que, junto com a América do Sul, “que é a nossa casa”, os Estados Unidos são a grande prioridade da política externa. Há, a seu ver, três grandes bases potenciais em uma parceria com os americanos: afinidade profunda, complementariedade de economias e o constante fortalecimento da China.

— É nossa república irmã. O Brasil e os EUA são dois países muito parecidos. Tamanhos idênticos, fundados na mesma base de povoamento europeu, escravidão africana e extremamente desiguais. E a religião faz com que a maioria das pessoas acredite que tudo é possível. Podemos fazer acordos sobre vários aspectos, como o clima, o desenvolvimento do potencial energético sustentável e no compartilhamento de tecnologias avançadas — afirmou o ministro.

Ele sugere uma parceria com os EUA que defenda os interesses comuns ante a ascensão econômica e militar da China e lembra que existe grande expectativa de uma onda de investimentos daquele país, especialmente em infraestrutura. Uma saída seria passar a exigir compensações, como a transferência de tecnologia chinesa ao Brasil, durante a participação de empreiteiras do país asiático em projetos de infraestrutura e agropecuária.

— O perfil de nosso comércio exterior com a China é o retrato de uma involução qualitativa na nossa estrutura de produção. É natural que a China queira associar os investimentos a favor de suas empreiteiras. Nosso interesse é no compartilhamento de tecnologias avançadas, como a multiplicação dos sistemas complexos de transporte modal — afirmou ele.

As declarações contrariam toda a política externa adotada desde o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ele alfinetou o Itamaraty, ao dizer que “não se pode confundir política externa com ação diplomática” e que “chanceleres diplomatas de carreira são uma anomalia no mundo”. Desde Celso Lafer, no governo Fernando Henrique (também ex-ministro das Relações Exteriores no governo Itamar Franco), não foi nomeado um único chanceler que não fosse da carreira diplomática.

— Isso é uma anomalia. É uma prática que começou no regime militar. Não se pode confundir política externa com ação diplomática. Proponho que a nação tome de volta a política exterior. Temos uma ação diplomática de alta qualidade, mas não adianta ser um exímio executor sem uma orientação — disse.