MERVAL PEREIRA
Quando o jurista Luis Edson Fachin foi indicado pela presidente Dilma para a vaga aberta no Supremo Tribunal Federal (STF) com a aposentadoria precoce do ministro Joaquim Barbosa, estranhei que ele tenha se anunciado partícipe de um grupo de "juristas que têm lado" na campanha presidencial de 2010, em apoio a eleição de Dilma.
Juristas "que têm lado" não deveriam estar no Supremo, aleguei então, inclusive por que Fachin notabilizou-se por defender politicamente as ações do MST, o que seria, na minha opinião, uma influência negativa nos seus julgamentos no Supremo.
Disse então que Fachin deveria explicar que história era aquela de "ter lado", e que deveria se comprometer com a independência em relação ao governo petista, explicando qual a diferença daquele Fachin de 2010 para o hoje indicado ao STF.
Desde então Fachin não para de se explicar e já garantiu aos senadores que não tem nenhum compromisso com o PT, que é a favor da propriedade privada, que não é amigo de Stédile, que não é a favor da bigamia, e assim por diante, em muitos casos contrariando frontalmente seus escritos e seus depoimentos.
Seus apoiadores chegaram a comparar sua situação com a do ex-ministro Ayres Brito, que tendo sido nomeado por Lula em 2003 para o STF depois de ter sido filiado e candidato do PT a deputado federal, portou-se com independência durante seu mandato, tendo sido um dos protagonistas do julgamento do mensalão.
O exemplo parece pertinente, mas as circunstâncias políticas do país são diferentes hoje das de 2003. Ser filiado ao PT naquela ocasião significava, pelo menos na teoria, ser honesto politicamente, estar em busca de fazer política com decência. Ayres Brito foi coerente com aqueles princípios, o que mudou foi o significado de estar ligado ao PT. Estar nesse lado hoje, para a maioria da sociedade, é estar no lado errado.
Mesmo sem ser filiado ao partido, Luis Edson Fachin tem uma atuação política muito próxima de uma ala radical do petismo que está sendo contestada cada vez com mais intensidade pela sociedade brasileira, e que já não tem o apoio da maioria do Congresso.
O apoio do tucano Álvaro Dias à sua indicação é uma dessas atitudes provincianas que não deveriam ser levadas em conta. Não há dúvidas de que o jurista Fachin tem notório saber, e o apoio de diversas associações profissionais do Direito e da Academia só fortalece essa verdade. Porém, não é este o ponto que preocupa o Senado.
O STF é um Poder de Estado cuja composição deve obedecer a determinado equilíbrio político e institucional, não podendo ser capturado, pura e simplesmente, por indicações unilaterais do Poder Executivo. Daí a importância do papel do Senado Federal, como forma de contrabalançar o peso político da vontade da Presidência da República.
E se é natural que a Presidente possa indicar alguém afinado com suas preferências ideológicas ou políticas, deve-se considerar natural que o Poder Legislativo, representado pelo Senado, exerça missão de controle e também avalie, discricionariamente, a dimensão política de uma nomeação.
Para tanto, dispõe do conceito geral de conduta ilibada, e também goza da prerrogativa inviolável do voto secreto em Plenário. Cabe ao Senado apreciar e definir soberanamente esse pressuposto constitucional para exercício do cargo de Ministro do STF.
Se compete ao Senado definir o que seria a conduta ilibada que a sociedade brasileira espera de um magistrado da mais Alta Corte do país, é possível que semelhante definição obedeça a critérios elásticos e atenda o ambiente político institucional de determinado momento histórico.
Cabe ao Senado avaliar todos os aspectos subjetivos que envolvem a personalidade e a trajetória profissional do indicado ao STF. Por tais razões, o indicado ao STF precisa demonstrar cabalmente sua independência e sua autonomia. Não se pode ignorar que, tanto quanto a presidência da República, o Senado participa ativamente da decisão de escolha do Ministro do STF, e não está vinculado politicamente à deliberação da Presidente Dilma, ou às opções ideológicas do PT.
Mais ainda quando existe um concreto descumprimento da lei por parte do jurista Luis Edson Fachin, a atuação na advocacia privada concomitante com a de Procurador do Estado. Fachin fez concurso para promotor no Paraná com regras estabelecidas pela lei estadual que permitia ao promotor atuar como advogado.
Mas tomou posse no início de 1990, quando a Constituição estadual já havia mudado em 1989, e proibia o exercício da advocacia por promotores. Não há como justificar, dentro da lei, a sua atitude e de quantos outros agiram dessa maneira. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) pode considerar que a proibição é indevida, mas é a lei estadual que deve prevalecer, não a tese da OAB.