Liminar abre corrida por aposentadoria aos 75

 

Uma liminar da Justiça de Pernambuco que concedeu na última quinta-feira a um desembargador o direito de se aposentar aos 75 anos em decorrência da aprovação da PEC da Bengala indica o início de uma corrida aos tribunais para que o benefício garantido a ministros das cortes superiores seja estendido a outras instâncias da magistratura.

 

Para a presidente do Conselho Consultivo da Associação Nacional dos Procuradores de Estado, Márcia Semer, a decisão, embora equivocada, estimula pedidos país afora.

— Isso vai fazer pipocar mais pedidos como esse porque se você tem uma posição como a de um desembargador, com status e poder, e a possibilidade de ficar mais cinco anos no cargo, por que abriria mão? — disse a procuradora.

Um dia antes de completar 70 anos, o magistrado pernambucano Nivaldo Mulatinho de Medeiros Correia Filho conseguiu um mandado de segurança proibindo a presidência do Tribunal de Justiça de Pernambuco de iniciar o processo de aposentadoria dele. Ele teria que ter deixado o cargo nesta sexta-feira. A decisão foi dada por outro desembargador, Bartolomeu Bueno, no mesmo dia em que a PEC da Bengala foi promulgada no Congresso.

MÉRITO AINDA SERÁ APRECIADO

A Emenda Constitucional passou de 70 para 75 anos a idade para a aposentadoria compulsória de ministros de tribunais superiores e do Tribunal de Contas da União (TCU). Por esse motivo, tem sido considerada “casuística” porque teria sido feita sob medida para impedir a presidente Dilma Rousseff de nomear cinco novos ministros para o STF até o fim de seu mandato.

O desembargador pernambucano, que teve em abril remuneração bruta de R$ 35 mil — acima do teto constitucional de R$ 33,7 mil — , argumentou em seu pedido que a carreira da magistratura tem caráter nacional e, portanto, ele teria o mesmo direito dos ministros das cortes superiores de se aposentar cinco anos mais tarde. O mérito do caso ainda será apreciado pelo plenário do tribunal de Justiça.

“Ele entende que, com a aprovação e promulgação desta emenda pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, adquiriu o direito de ser mantido no cargo que hoje ocupa, não mais podendo ser compulsoriamente aposentado aos 70 anos”, diz a decisão.

O GLOBO procurou Correia Filho ontem, mas o magistrado não se manifestou sobre o caso. O TJ pernambucano também não comentou a decisão.

Não é a primeira vez que o tribunal pernambucano é alvo de medidas polêmicas. No ano passado, o órgão elaborou projeto para instituir um inusitado tipo de auxílio aos magistrados: uma verba para a compra de livros.

Para o professor de Direito da FGV Rio Diego Werneck Arguelhes, a liminar cria um precedente perigoso, mas é frágil e não deverá se sustentar por muito tempo.

— É uma decisão perigosa, porque é uma causa que interessa a membros de muitos tribunais. Isso pode estimular outros interessados. É uma situação de tribunal decidindo em causa própria.

Para Werneck, os tribunais não são iguais perante a Constituição e, por isso, é possível haver diferença de tratamento:

— Não vejo base jurídica para essa decisão — afirmou.

O ministro do STF Marco Aurélio Mello, que faz 70 anos em 12 de julho de 2016, já defendeu que a extensão da idade para a aposentadoria compulsória seja válida para todo o serviço público.

— Eu sou favorável a que se aumente o limite de idade em relação a todos os servidores, sem distinção. Hoje, eu já tenho planos para daqui um ano, quatro meses e oito dias: não morrer de tédio. A minha cabeça está muito preparada. Mas sou contra a expulsória aos 70 anos, que não ocorre no Executivo e também quanto aos agentes políticos do Legislativo — argumentou, no dia seguinte à aprovação da PEC..

O ministro Dias Toffoli, que integra o STF e preside o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), considera a PEC uma consequência natural da maior longevidade das pessoas e também defende a extensão a todos os servidores.

— Acho que é natural, inclusive, a extensão posterior a todos os servidores pelo aumento da expectativa de vida — disse Toffoli.

AMB ENTRA COM AÇÃO NO SUPREMO

A Associação de Magistrados Brasileiros (AMB) ingressou nesta sexta-feira com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade no STF para pedir a suspensão da PEC da Bengala. De acordo com nota da entidade, o presidente João Ricardo Costa considerou que parte da emenda vai de encontro à independência entre os poderes, porque os ministros que atingirem 70 anos terão de passar por uma nova sabatina para continuarem nos cargos.

“Nas entrelinhas o texto submete magistrados já nomeados e aprovados aos mais altos cargos do Poder Judiciário a uma nova sabatina. O texto é expresso ao falar em “aprovação prévia”.

A ação da AMB é apoiada pela Associação dos Juízes Federais (Ajufe) e Associação Nacional de Magistrados do Trabalho (Anamatra).

A Associação Nacional do Procuradores de Estado também é contra a PEC.

— A permanência muito longa nesses cargos, que envolvem muito poder, vai criar quase oligarquias e isso não é bom. É importante que haja movimentação na carreira para que esses cargos não se tornem capitanias hereditárias.