Valor econômico, v. 15, n. 3729, 04/04/2015. Internacional, p. A11

 

Dólar forte traz desafios à estabilidade de emergentes

 

Por Sergio Lamucci | De Washington

O fortalecimento do dólar pode atrapalhar o crescimento e a estabilidade financeira dos mercados emergentes neste ano, ainda que ajude a impulsionar as exportações de alguns desses países. A questão é que a valorização da moeda americana tende a afetar negativamente esse grupo de economias por vários canais, como o aumento do peso da dívida em dólares, a redução dos preços de commodities e a diminuição do fluxo de capitais, diz Adam Slater, economista-sênior da consultoria Oxford Economics.

"A força do dólar reforça a nossa visão de que o crescimento dos mercados emergentes vai desacelerar em 2015 para o nível mais baixo desde 2009", aponta relatório da Oxford. Slater projeta expansão de 3,7% para esses países neste ano, abaixo dos 4,3% do ano passado. "Países altamente endividados com problemas de inflação e dependência de commodities são os mais expostos ao risco do dólar forte", diz a Oxford, classificando Malásia, Chile, Turquia, Rússia e Venezuela como os mais vulneráveis de uma lista de 20 emergentes, levando em conta seis indicadores. Brasil, África do Sul e Hungria aparecem logo em seguida, enquanto China e Índia estão no grupo dos que tendem a sofrer menos.

 

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A Oxford considera improvável que haja uma crise como a ocorrida em 1998 e 1999 nos emergentes, mas alerta para os riscos do fortalecimento do dólar. Segundo a consultoria, de junho de 2014 ao fim de março deste ano, a moeda teve uma valorização de 15%, descontada a inflação e ponderada pelo peso dos principais parceiros comerciais. Há boas chances de que o movimento continue, com a expectativa de alta dos juros americanos ainda neste ano.

A desvalorização das moedas emergentes em relação ao dólar tende obviamente a favorecer as exportações desses países para os Estados Unidos. O ponto é que a importância dos EUA como parceiro comercial para o mundo em desenvolvimento é bem menor do que no começo da década passada, segundo a Oxford. A mediana da fatia das exportações de 20 emergentes analisados pela consultoria caiu de 18% em 2003 para 10% em 2013. "Além disso, há uma série de canais pelo quais o dólar forte pode afetar o crescimento em mercados emergentes."

Um deles é o efeito sobre as commodities. "A apreciação do dólar torna esses produtos mais caros para consumidores de países com outras moedas, reduzindo a demanda, ao mesmo tempo que eleva os retornos de ativos financeiros denominados em dólares", diz a Oxford, explicando que, desse modo, as commodities ficam menos atraentes como classe de ativos. "Estimativas do FMI sugerem que uma valorização de 10% do dólar reduz os preços do petróleo em mais de 10% e diminui em cerca de 5% as cotações de outras commodities."

Esse canal afeta países com um grande volume de exportações líquidas de commodities em relação ao PIB, ou seja, da diferença entre o que o país exporta e importa de produtos básicos em comparação ao tamanho da economia. Dos 20 emergentes analisados pela Oxford, os mais expostos são Rússia, onde as exportações líquidas desses bens correspondem a 17,4% do PIB, Venezuela (17,1%), Chile (16,6%), Malásia (9%) e Colômbia (8,9%). No Brasil, a fatia é de 3,9% do PIB. Já China e Índia se beneficiam da queda das commodities, porque mais importam do que exportam produtos básicos.

Outro risco importante está relacionado ao endividamento do setor privado, bastante elevado em alguns países emergentes. Empresas com dívidas em moeda estrangeira podem sofrer com um dólar mais caro, especialmente se tiverem grande parte de receitas na moeda local. O descasamento de moedas, porém, parece hoje menor do que nos anos 1990, segundo a Oxford. O fortalecimento do dólar pode causar problemas mesmo para empresas com dívidas na divisa doméstica. Se o câmbio se desvaloriza muito, pode haver impacto mais forte sobre a inflação, levando ao aumento de juros, o que pode tornar mais difícil para as companhias honrarem os seus débitos.

No Brasil, a dívida do setor privado corresponde a 72,8% do PIB, de acordo com a Oxford, um nível de risco moderado. É maior que os pouco mais de 35% do PIB de México e Filipinas, mas bem inferior aos 191% do PIB na China, dos 187% do PIB na Coreia do Sul ou dos 131% do PIB na Malásia.

O Brasil se sai bem quando se leva em conta o tamanho da dívida externa total em relação ao tamanho da economia. Ela é de apenas 22,7% do PIB, bem inferior aos 120% do PIB na Hungria ou os 73% do PIB na Malásia. O endividamento externo de curto prazo brasileiro também está longe de ser preocupante, equivalendo a apenas 13% das reservas internacionais. No caso da Turquia, a relação é de 123%, e na Malásia, de 100%, chegando a 575% na Venezuela. Esses dois indicadores afastam o Brasil do grupo dos países mais vulneráveis ao fortalecimento do dólar.

O Brasil aparece mal no caso da inflação. Nos 12 meses até fevereiro, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acumula alta de 7,7%. Apenas Venezuela, com inflação de 71%, Argentina (23,8%, de acordo com o número utilizado pela Oxford) e Rússia (17%) têm indicadores mais elevados. Uma desvalorização adicional do real poderia colocar mais pressão sobre os preços, exigindo juros mais altos, com impacto ainda mais negativo sobre a atividade.

O último indicador analisado pela Oxford é a variação da taxa de câmbio calculada levando em conta a composição da dívida externa de cada país, entre o segundo trimestre de 2014 e o primeiro trimestre deste ano. Países com a maior parte do endividamento estrangeiro em dólar registram a maior desvalorização da moeda estimada dessa maneira. No caso brasileiro, ela se enfraqueceu 27% no período, de acordo com a consultoria. É uma variação menor apenas que os 47% da Venezuela e os 44,5% da Rússia.

Na análise da Oxford, Coreia do Sul, Taiwan, China, Índia e Filipinas aparecem como os menos vulneráveis ao fortalecimento do dólar, ainda que os três primeiros registrem níveis elevados de endividamento do setor privado.